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Coronavírus transforma em barril de pólvora prisões na América Latina

O primeiro sinal de alerta foi no Brasil, em 16 de março, por causa da restrição de saídas temporárias para evitar o ingresso do vírus

Redação Jornal de Brasília

05/05/2020 12h24

A irrupção do coronavírus aumentou a tensão nas superlotadas instituições carcerárias da América Latina, provocando fugas em massa, vários motins que deixaram mais de 80 mortos e levou vários governos a tomarem a impopular medida de liberar presos.

O incidente mais letal aconteceu no fim de semana, em um presídio em Guanare, no centro da Venezuela, onde a restrição de visitas como medida de cordão sanitário deflagrou uma rebelião que deixou pelo menos 47 mortos e 75 feridos, segundo a ONG Observatório Venezuelano de Prisões. Alguns veículos da imprensa local falam em mais de 60 mortos.

A precariedade de muitas dessas instituições torna a alimentação dos reclusos dependente do que seus familiares levam. Isso significa que a suspensão das visitas se traduz em fome.

O primeiro sinal de alerta foi no Brasil, em 16 de março, e pela razão oposta: a restrição de saídas temporárias para evitar o ingresso do vírus. Cerca de 1.400 presos fugiram de várias prisões do interior de São Paulo em reação à medida. Pelo menos 600 foram recapturados.

Desde então, a cada semana explodem novos distúrbios na Colômbia, Argentina, Peru, ou no México, enquanto sobe o número de casos na população carcerária.

O Escritório da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, manifestou nesta terça sua “profunda preocupação” com as condições dos presídios na região e com a “rápida propagação da COVID-19”.

O organismo também pediu aos Estados que façam investigações exaustivas dos incidentes “extremamente violentos” registrados nestes locais, em meio ao crescente temor de contágio e à falta de serviços básicos, disse seu porta-voz, Rupert Colville, em um comunicado.

“As prisões da região são um fator de risco muito importante e muito sério” diante do coronavírus, confirma Gustavo Fondevila, professor do Centro de Pesquisa e Docência Econômicas (CIDE, na sigla em espanhol), no México, e especialista no sistema carcerário da América Latina.

Fondevila reconhece que a situação é “explosiva”.

E – completou ele -, embora se diga que é possível implementar uma série de ações para reduzir o perigo, “os centros penitenciários têm pouca capacidade de resposta a situações como esta”.

“Como animais”

No final de março, a Colômbia decretou emergência carcerária, após um sangrento motim que deixou 23 mortos e 91 feridos em uma prisão em Bogotá. Enquanto as autoridades atribuíram o conflito a uma frustrada tentativa de fuga, outras versões apontaram para o temor dos detentos frente à pandemia.

A cerca de 120 quilômetros dali, na prisão de Villavicencio, a situação “é terrível”, conta à AFP Angélica (nome fictício), uma desempregada de 23 anos que tem um irmão preso. Nessa instalação, há 306 casos confirmados e quatro mortos de COVID-19. Segundo autoridades penitenciárias, cerca de 1.700 internos estão isolados.

Lá, os doentes não estão sendo atendidos por médicos e estão trancados em suas celas como forma de isolamento. Os “saudáveis” dormem amontoados nos corredores, denuncia Angélica.

“Eles são tratados como animais (…) Estão desesperados lá dentro. Quem não foi contaminado quer sair correndo”, acrescentou a jovem.

A delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para Peru, Bolívia e Equador alertou que um surto nas prisões “pode ser devastador para sua população, em particular em estabelecimentos confinados, onde o nível geral de saúde já é deficiente”.

Em Lima, a notícia de que dois detentos morreram pela COVID-19 gerou um motim no presídio Castro Castro. Com lotação para 1.140 presos, abriga 5.500. O saldo foi de nove detentos mortos e 67 feridos, entre presos, agentes penitenciários e policiais.

Também houve conflitos por motivos similares no Equador. O presidente Lenín Moreno declarou estado de emergência nos presídios e, dias depois, disse ter reduzido a superlotação em quase 10% por meio do relaxamento da prisão em alguns casos.

No Brasil, segundo estimativas oficiais, cerca de 30.000 dos mais de 700.000 presos deixaram as celas e passaram para prisão domiciliar, atendendo às recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de reavaliar prisões preventivas, ou domiciliar, ou antecipar a saída de determinados perfis.

Fondevila defende esse tipo de soltura, apesar de ser impopular e de ter um “alto custo político” para os governantes.

De acordo com o último relatório (2018) sobre a população carcerária do Instituto para Pesquisa de Políticas de Crime e Justiça (ICPR), com base em Londres, a taxa média de prisões na América do Sul é de 233 a cada 100.000 habitantes. Na América Central, atinge 316. Apenas para termos comparativos, na Europa Ocidental, esse índice chega a 81.

Várias ONGs denunciam as condições dos presídios na América Latina, onde a falta de saneamento permite a circulação de doenças como malária, tuberculose, ou sarna.

 

Agence France-Presse

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