A conquista do Pan Americano de Indianapólis, em 1987, fez com que a década de 80 fosse considerada como uma das mais importantes para o basquete brasileiro. Ídolos da capital e do País, Oscar e João Vianna, o Pipoka, representaram o Distrito Federal naquele ouro histórico. Fora do esporte, o período foi marcado pelo surgimento de grandes nomes do rock nacional, como Plebe Rude, Legião Urbana e Capital Inicial.
Embalados pelo clima de vitórias consideráveis na modalidade, os ex-atletas até se importavam com os diferentes estilos musicais, mas a trilha sonora que marcou a época foi o barulho do quique da bola laranja.
Antes mesmo do surgimento das bandas roqueiras da cidade, Pipoka já curtia o ritmo. “Ouvia muito Led Zeppelin, Kiss e Black Sabbath. Depois que os Paralamas apareceram, também gostei muito. A gente não tinha tempo para muita coisa. Eu, particularmente, treinava basquete dia e noite”, assume o pivô.
Com a medalha de ouro do Pan em mãos, foi fácil para o ex-jogador relembrar os bons tempos que passou no Clube Vizinhança, lugar onde ele e outros atletas iniciaram suas carreiras.
Curtir as bandas, no entanto, não significa colecionar discos e fitas K7, já que a grana era curta. “Naquela época a moda era o discman e o toca-fitas. O aparelho era caro e fugia da situação financeira da minha família”, lembra Pipoka.
Na pegada da MPB
Enquanto Pipoka curtia o bom e velho rock and roll, o ex-companheiro das quadras, José Carlos Vidal, atual diretor do time do UniCeub e ex-armador da antiga Associação dos Economiários de Brasília (AEB), hoje Apsef, não se deixou influenciar pela moda.
“Nunca fui muito envolvido com rock. Na época, o Zé Ramalho e o Belchior me atraíam mais. Daqui de Brasília, o Oswaldo Montenegro era a minha paixão. Fui no primeiro show dele”, recorda o diretor. Apesar da preferência, Vidal viveu seu momento rebelde. “Tive o prazer de estar no primeiro Rock in Rio, em Jacarepaguá (1985)”, gabou-se.
Insistência fez Pipoka “vingar”
O Clube Vizinhança (308 Sul) revelou grandes nomes do basquete nacional. Na última semana, o local recebeu três “crias” que atuaram na década de 1980: Pipoka, Márcio Boamorte e Henrique Paiva, o Henricão.
Antes do “atrasado” Pipoka chegar para o bate-papo, os outros dois amigos contaram sobre a convivência com o pivô grandalhão de 2,04 m.
“Ele era alto, magro e desengonçado. Tinha os braços muito grandes, usava um lindo óculos fundo de garrafa (risos) e não conseguia segurar a bola”, brincou Márcio.
Envergonhado por não jogar direito, Pipoka contou com a insistência do técnico Pedro Rodrigues, que fazia questão de buscá-lo em casa para os treinos, para seguir no esporte. “Funcionava desse jeito. Aos 17 anos ele desabrochou e ninguém mais o segurou”, lembra Henricão.
Do grupo formado no Vizinhança, Pipoka foi um dos únicos que conseguiu vingar na modalidade, tanto que jogou em outros países, inclusive na NBA, a liga norte-americana de basquete, e sobrevive do esporte. “Ele é uma referência não só aqui, mas em todo o mundo”, elogia Márcio.
Vizinhança: só boas recordações
Bem humorados, os ex-atletas Pipoka, Márcio Boamorte e Henrique Paiva relembraram os momentos de felicidade e também as dificuldades que enfrentavam quando iniciaram na modalidade.
Frequentadores do Clube Vizinhança quando adolescentes, eles compararam a atual situação do espaço com o passado. “Esse ginásio bonito não tinha não. A gente treinava numa quadra de cimento ali em cima mesmo”, disse Pipoka.
“Cinquentões”, os amigos brincavam com as marcas que a idade deixou em cada um deles. “Segura esse joelho aí, Henrique!”, gritou Márcio enquanto o amigo descia as escadas da arquibancada.
Assim que parou, Henrique concordou.“Está difícil mesmo. Se agachar, não consigo levantar mais não”, admitiu o ex-atleta, companheiro de José Vidal nas quadras do Apsef.
A CULPA É DO TÊNIS
Ouvindo a conversa de longe, Pipoka aproximou-se e colocou a culpa do desgaste dos joelhos no tênis utilizado pela maioria dos atletas da época.
“Sabe esse All Star que a molecada costuma usar hoje? Pois é. Ele era top de linha e caríssimo. Para termos um, tinha que vir de fora”, recorda o medalhista de ouro do Pan Americano de 1987.
Sem intervalos, logo citou as principais características do calçado. “Antes a gente não tinha tênis com essa tecnologia de amortecimento que temos hoje. O All Star é seco e tem amortecimento zero (risos), não presta para esporte nenhum aquilo lá”, critica.
BOAS RECORDAÇÕES
Quando questionados sobre as principais lembranças que guardam da década, os ex-jogadores pararam por alguns segundos até elegeram as melhores recordações.
O primeiro a falar foi Henrique. Além de ressaltar Oscar e Pipoka como destaques da modalidade, o ex-ala/pivô citou um ícone do esporte nacional.
“Joaquim Cruz, antes de começar a correr, jogou basquete conosco e era muito bom. A diferença é que ele foi o melhor nas duas modalidades e optou pelas corridas mesmo”, disse, elogiando o único brasileiro medalhista de ouro olímpico em provas de pista.
Márcio, por sua vez, destacou as amizades que mantém com José Vidal – colega de trabalho no UniCeub – e Pipoka. Este, com um sorriso, soltou: “Foi nessa época que conheci a minha mulher, poxa”, destacou.
O melhor Brasil em quadra
Além dos grandes nomes revelados em Brasília na década de 1980, a conquista do ouro no Pan Americano, em 1987, na cidade de Indianápolis (EUA), foi o ápice da época para o esporte.
Na final do torneio, o Brasil enfrentou os Estados Unidos. Com o ginásio cheio e o favoritismo dos rivais, a seleção canarinha surpreendeu e venceu o time da casa por 120 x 115. O triunfo é tão simbólico que chega a ter valor maior do que o bicampeonato mundial de 1959 e 1963.
Com o objetivo de preparar os atletas, o técnico Ary Vidal treinou pesado o seu elenco. Pipoka lembra com detalhes como foi esse processo para o Pan.
“O professor Ary gostava da parte física. Aí delegou para o Valdir Barbante a preparação, e ele fez um trabalho fantástico. No último treino corremos mais de uma hora. A equipe estava na ponta dos cascos. Chegamos para jogar e engrenamos de vez”, recorda o pivô. Pipoka tinha 23 anos quando foi convocado para compor o elenco na disputa nos Estados Unidos.
A semifinal
Há quem afirme que o confronto mais difícil do Brasil ocorreu na final. O brasiliense discorda da afirmação e garante que o jogo mais disputado foi contra o México, na semifinal.
“O basquete deles era muito semelhante ao nosso. Era um jogo de ida e volta. A gente pontuava e eles respondiam. Ao final, era 100% ataque e nada de defesa (risos). Sem contar que o jogo foi prorrogado umas mil vezes, foi dificílimo ganhar”, garante.
O ex-atleta lembra com carinho da decisão. “O nosso objetivo era chegar na final e não levar a medalha de ouro. O ginásio estava lotado e cheio de gringos. O Oscar fez um trabalho de pressão psicológia muito bom e eles não aguentaram. No final, acabamos ganhamos”, comemora.
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