O som estridente do sino da Escola Classe 20, no Gama, anuncia o início de mais um dia extenuante para um garoto de 10 anos. Depois de estudar pela manhã, o tempo curto entre o almoço em casa, em Santa Maria, e a ida até a parada de ônibus é suficiente para fazer a digestão. Ao entrar no coletivo, a mochila com livros e cadernos já foi substituída por uma caixa de madeira feita pelo pai, carregada com graxa, escova e um paninho.
O percurso até o fim da Asa Sul dura em média 40 minutos, período em que já ganhou a companhia de outros jovens para sair em debandada atrás dos homens de sapato preto. A pequena rotina retrata a juventude de Alan Patrick Silva Alves, hoje conhecido como Alan “Nuguet”, o ex-engraxate e agora lutador de MMA.
Estreante no UFC Fight Night 29 em 9 de outubro, em Barueri, o lutador chamou a atenção após o belo nocaute sobre o norte-americano Garett Whiteley ainda no primeiro round do combate, válido pela categoria peso leve.
Grande desafio
O duelo mais importante dos seus 30 anos de vida, porém, ocorreu nas concorridas ruas das entre quadras da Asa Sul. Alan e sua turma percorriam da 715 até a 406 em busca de sapatos para engraxar. “Eu andava aquilo tudo”, lembra.
“Chegava umas 14h e só voltava para casa 21h, 22h”, recorda o lutador, que “lucrava” média de R$ 30 por dia. “A melhor época era o natal. O povo fica com o coração mole e dá para tirar uns R$ 100”, brinca.
Os frutos colhidos
Hoje com motivos para sorrir do passado suado, Alan chegou a passar por situações típicas dos atuais garotos engraxates. “A rua me ensinou a ficar sempre atento, alerta. Não foram poucas as vezes que tive de sair correndo dos guardinhas. Até a eles eu agradeço. Na rua você precisa ser forte. Ou você entra no esporte ou as coisas ruins te derrubam”, lembrou com tom de satisfação por ter escolhido o lado bom e aproveitar a oportunidade que a vida lhe deu de se tornar um atleta.
Onde e como tudo começou
Irmã e segunda mãe de Alan, Alessandra Alzira Alves, de 32 anos, viu mais próximo do que ninguém a determinação do lutador. “Ele é o orgulho da família. Tinha tudo para dar errado como os amigos, mas ele nunca cedeu. Parece que já nasceu para brilhar”, conta.
Histórias de quando eram crianças não faltam. Aos 12 anos, Alan juntou dinheiro e comprou uma égua. Batizado de Brisa, o animal era o xodó do garoto. “Ele tinha um amor imenso por ela. Tinha um campo próximo à nossa casa onde ele a deixava. Quando acordava e essa égua não estava, era um choro só e toda a vizinhança procurando”, recorda a irmã.
A luz própria de Alan também tem história na rua. No ponto final de onde engraxava – na 406 Sul –, ele ganhou a confiança de uma pessoa especial. “Cara, eu sempre ganhava cachorro quente do Lande (dono de um quiosque até hoje presente na quadra). Eu quero agradecê-lo por isso. Tenho que dar essa moral”, lembra.
Início no esporte
Foi também ali perto que Alan entrou para o mundo da luta. No início da noite, ele observou uma roda de capoeira na 106 Sul. Passou a frequentá-la, evoluiu e não largou mais. “Não sei por que, mas sabia que aquilo ia me levar a algum lugar”, conta Alan. Não demorou muito e surgiu o convite do mestre Pedro Galiza para treinar Jiu-Jitsu. Após alguma resistência, Alan decidiu seguir o conselho. “Aí surgiu a chance de ir treinar em Manaus. Eu trocava porrada de graça e não ia aceitar receber dinheiro por isso? Aceitei na hora”. O lutador teve como primeiro prêmio R$ 600.
Antes de desembarcar no UFC, Alan morou e competiu em Manaus, onde conheceu Ronaldo Jacaré – hoje um dos grandes nomes do Ultimate. Em 2005, fez sua estreia profissional e está invicto.