Está sujeito a uma armadilha primária quem tratar como “Jus sperniandi” a ofensiva recente do presidente Lula contra o Congresso Nacional, por causa dessa caducada da MP do equilíbrio fiscal.
Nos bastidores, ainda no tempo regulamentar, o Planalto já havia concluído que a MP não valia mais o desgaste. O texto desfigurado, e sem o aumento do IOF para as “bétis” — as apostas digitais —, havia perdido o alcance fiscal. Quando virou remendo de remendo, a derrota do governo passou a ser taticamente interessante.
O Congresso, ao celebrar o fim do texto como vitória política do centrão, abriu um flanco que talvez não tenha medido.
Horas após a MP expirar, uma planilha já rodava no Planalto com nomes e cargos de indicados por partidos do centrão. O resultado foi imediato: exonerações, especialmente nos segundo e terceiro escalões. Gente do PL, União e PP perdeu o crachá antes do café da manhã.
Para o governo, a MP caduca virou pretexto. Para o centrão, talvez, uma armadilha.
Ou alguém esperava que Lula, com seu faro de sindicato, agisse como neófito? Em vez disso, ele apurou o timing político, mirando 2026 com precisão cirúrgica.
Se tudo der certo pra Lula, a oposição assistirá a um movimento que combina cálculo eleitoral e disciplina fiscal — dois ingredientes raramente servidos no mesmo prato em Brasília.
Em conversas reservadas, Lula tem dito que pretende redefinir quem pode e quem não pode se beneficiar do governo para pedir voto e montar campanha eleitoral.
Estas exonerações, inclusive, não são apenas atos administrativos. Elas são avisos eloquentes. Mas vêm acompanhadas de uma variável silenciosa: o possível atraso — ou mesmo a suspensão — das emendas parlamentares, esse combustível eleitoral do centrão.
A lógica é simples e devastadora. Em 2024, o governo pagou mais de R$ 30 bilhões em emendas de deputados e senadores. Parte delas foi parar em casos de suspeita de corrupção. Se esse dinheiro não for liberado – ou embargado pelo STF com base na investigação da PF – , o governo fica mais perto de cumprir o teto de gastos. E, de quebra, reduz o poder de fogo eleitoral dos adversários.
É verdade, entretanto, que as emendas são impositivas e o governo, em tese, deve executá-las. Mas em Brasília o verbo “executar” depende de quem segura a caneta.
Restaria o caminho da judicialização, para os parlamentares. Mas isso esbarraria na agilidade necessária para surtir o efeito esperado para a eleição de 2026.
No Congresso, persiste a sensação de que o centrão venceu o primeiro round. No Planalto, de que começou a partida que realmente interessa — com a ministra Gleisi Hoffmann à frente das exonerações, numa tabelinha com o novo Ministro Boulos.
Aos desavisados, vale a lembrança dos mestres da estratégia. Segundo Sun Tzu, “o inimigo que parece fraco pode estar apenas esperando o momento de atacar.”