O presidente Lula foi às redes sociais para se desculpar pelo que chamou de “frase mal colocada” ao afirmar, de improviso, que “os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também”. Não é a primeira vez que ele se atrapalha com as palavras — e nem será o último presidente a ter de pedir desculpas por algo dito sem querer.
Mas, no íntimo, Lula certamente lamenta pelo efeito da escorregada que gerou números ruins, segundo tabulação da pesquisa da Brandwatch. A frase acabou socorrendo uma oposição que andava meio perdida, diante de uma recuperação com pesquisas apontando até para uma reeleição de Lula em primeiro turno.
Não se trata de um pedido de desculpas como aquele de Jair Bolsonaro, depois de mandar um repórter “calar a boca”. O gesto de Lula tem o caráter de quem tenta salvar uma ideia importante, mas que acabou mal explicada.
Quem assiste ao vídeo em que o presidente pronuncia a frase infeliz logo percebe que se trata de um caso de confusão e descuido com as palavras. Até porque, ele emendou com uma observação eloquente: o comércio de drogas existe “porque tem gente que compra, porque tem gente que vende. E tem gente que vende, porque tem gente que compra”.
Uma fonte com acesso frequente ao Palácio do Planalto garante que essa mudança de paradigma para o tema está — e sempre esteve — na cabeça de Lula. No pano de fundo, reside a abordagem voltada para as rotinas de recrutamento do tráfico de drogas, além do foco no papel social do usuário de entorpecentes. Se isso for verdade, trata-se de uma ideia inteligente e facilmente compreensível para qualquer jornalista com passagem pela antiga REPOL (reportagem de polícia), nas redações do Rio de Janeiro dos anos 80.
Essa linha de pensamento é corajosa, embora não seja nova. Ela já havia sensibilizado o então governador do Rio, Leonel Brizola, e o ex-secretário de Polícia Militar, coronel Nazaré Cerqueira nos anos 80. O problema é que o primeiro foi vítima de campanhas difamatórias, acusado de conluio com traficantes nas favelas; e o segundo, por razões correlatas, acabou assassinado a tiros no saguão de um prédio comercial no centro do Rio.
Ressalvado o improvável desmentido, Lula parecia disposto a dar os primeiros passos para o governo abraçar um discurso que, entretanto, é desconfortável para o usuário de drogas — dentro e fora do eleitorado petista. Nenhum consumidor de maconha sorri quando alguém lembra que o seu cigarrinho veio com sangue de gente inocente, que morre todos os dias a serviço do tráfico. No fim das contas, o menino pobre e desassistido da favela acaba virando bandido treinado porque alguém, um dia, financiou o crime comprando maconha, LSD, skank, cocaína e outros entorpecentes na boca de fumo da comunidade.
O fato é que, naquela confusão de palavras, Lula buscava o caminho de quem tenta emprestar inteligência e sensibilidade ao enfrentamento de um problema que se agrava a cada dia, financiando outras modalidades de crime.
A experiência do então ministro da Saúde, José Serra, no combate ao tabagismo, pode servir de referência para o convencimento dessa mudança de paradigma, sugerida nas palavras de Lula — sobretudo na parte em que a frase não foi “mal colocada”.
Naquele derradeiro ano 2000, sete em cada dez brasileiros fumavam cigarros, facilitando a morte por câncer, com enormes prejuízos para o SUS. O governo reagiu de forma inteligente: decidiu combater o tabaco com as armas da comunicação, ridicularizando o fumante e expondo suas mazelas nos meios de comunicação de massa. A reação contrária foi imediata — com judicializações e contrapropaganda baseada em supostos atentados às liberdades individuais. Mas, no fim das contas, vinte anos depois, de cada dez brasileiros, apenas três confessavam o vício tabagista.
O consumo de cigarros e entorpecentes existe desde a Antiguidade e, talvez, jamais desapareça. Mas é provável que Lula concorde com o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, quando ele disse que o mundo segue com “o narcotráfico rindo do velho método da repressão às drogas”.
 
										 
	 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
                         
							 
							 
							 
							