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Coluna Informação #025 – Ventos de maio

A última vez em que estiveram juntos no mesmo palanque os ex-presidentes Lula, do PT, e Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi em 1989, no segundo turno das eleições presidenciais

Rudolfo Lago

01/05/2020 6h05

A última vez em que estiveram juntos no mesmo palanque os ex-presidentes Lula, do PT, e Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi em 1989, no segundo turno das eleições presidenciais. Naquele momento, Fernando Henrique apoiou Lula na disputa em que o candidato do PT acabou derrotado por Fernando Collor. Antes, Lula apoiara Fernando Henrique quando ele perdeu a disputa pela prefeitura de São Paulo contra Jânio Quadros. Por incrível que pareça, o jingle de campanha nessa disputa era composto por ninguém menos que Chico Buarque, era uma adaptação do seu samba “Vai Passar”.

Provavelmente, o modelo virtual da festa hoje do Dia do Trabalhador tenha ajudado a animar o expressivo e múltiplo palanque que vai ser formado pelas centrais sindicais. Além de Lula e Fernando Henrique, estarão reunidos na festa também Ciro Gomes, do PDT; o governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, e até mesmo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM. Se fosse uma festa ao vivo, talvez alguns desses personagens temesse uma vaia.

Da mesma forma, uniram-se na mesma festa as diversas centrais sindicais, mais de esquerda e mais moderadas. A TV do Trabalhador deverá transmitir a festa, que também deverá ser replicada nos sites e redes dos partidos e das centrais envolvidas. A presença de diversos artistas fará lembrar os famosos shows de Primeiro de Maio que marcaram o fim da ditadura militar no Riocentro. Um deles marcado pela desesperada tentativa de atentado terrorista praticada por duas pessoas do Exército, que deixaram explodir no colo, dentro de um Puma, a bomba que levavam para matar centenas de pessoas.
Essa união de forças políticas que faz lembrar os últimos dias da ditadura não é fortuita. A montanha-russa que virou o governo Jair Bolsonaro, especialmente depois que estourou a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, parece estar levando os demais atores políticos a finalmente perceberam como foi ingênua a opção pelo FlaXFlu maniqueísta que dominou os debates políticos nos últimos anos.

Os tempos em que o poder no país foi disputado pelo PT e pelo PSDB afastaram dois partidos que, no início da redemocratização, estiveram muito próximos. Na verdade, as discussões iniciais na sucessão do governo Itamar Franco eram no sentido de uma aliança entre os dois partidos. Na época, o hoje senador Tasso Jereissati negociava uma chapa que uniria tucanos e petistas. O Plano Real dividiu os dois partidos. A estabilidade econômica conquistada fortaleceu a figura de Fernando Henrique que, ministro de Itamar, era o artífice do plano. Isso fez com que Lula sentisse a perda do eventual protagonismo na chapa. O PT ficou contra o Plano Real – erro político que Lula mais tarde admitiria. Lula perdeu as eleições para Fernando Henrique, e o PSDB acabou optando por uma aliança de centro-direita com o PFL, hoje DEM. O resto, a partir daí, é história.

A verdade é que essa disputa, levada ao máximo no controverso episódio do impeachment de Dilma Rousseff, levou os dois partidos a perderem feio. Aos olhos de boa parte do eleitorado, ambos se anularam na mesma impressão de faces distintas da mesma moeda cunhada com fisiologismo e corrupção. Diminuíram no maniqueísmo e fizeram aflorar uma direita até então envergonhada e escondida, que emergiu com a vitória de Bolsonaro.

Hoje, essas forças parecem temer que uma eventual evolução desse caminho leve a riscos de ruptura democrática. Entendem que essa opção de Bolsonaro pelo confronto crônico que testa limites da democracia tenha no final esse objetivo. Assim, independentemente de suas diferenças políticas, unem-se naquilo que os aproxima: eles querem organizar suas disputas no terreno da democracia. Assim, guardaram momentaneamente suas diferenças na prateleira. Este Primeiro de Maio pode ser um marco em direção à construção de uma outra história.

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