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Hélio Doyle

Distrito Federal, mas não tão federal assim

Arquivo Geral

03/08/2016 7h26

Atualizada 02/08/2016 22h00

JOSEMAR GONÇALVES

Sempre foi assim” ou “é assim há muitos anos” são conhecidas desculpas para manter as coisas do jeito que estão e impedir as mudanças. É muito cômodo alegar a “tradição” para nada mudar.

Tem muita coisa errada na organização e gestão do Distrito Federal que poderia ser mudada depois de um bom debate, mas a inércia pesa mais. Mudar exige discussão e dá trabalho.
O debate poderia começar pela própria definição deste singular ente federativo, o Distrito Federal. O que tem Brasília que a caracterize como um distrito federal?

Na verdade, muito pouco: o Fundo Constitucional e o fato de a Justiça e o Ministério Público serem sustentados com recursos federais e seus membros serem nomeados pelo presidente da República e não pelo governador. Em outro patamar, há também o papel do Iphan — Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — na preservação da área tombada.
O DF é um distrito em parte federal.

Autonomia política sem autonomia financeira

Um Distrito Federal pressupõe a gestão federal do território, o que não acontece com Brasília desde 1990. A Constituição de 1988 assegurou a autonomia política do DF, com eleição do governador e de uma Câmara Legislativa com 24 deputados distritais. A Justiça permaneceu federal. Assim, dois poderes são distritais e um é federal.

Antes, o governador era indicado pelo presidente da República e aprovado pelo Senado. E eram os senadores que legislavam para Brasília, em primeira instância na Comissão do Distrito Federal.

Até 1987, os brasilienses não tinham sequer representantes no Congresso. A primeira eleição de três senadores e oito deputados federais foi em 1986, para a Constituinte.
As despesas com a capital da República eram federais. A partir da autonomia política é que o Distrito Federal passou a administrar seu próprio orçamento e já então era claro que a capital não tinha como ter autonomia financeira.

Prioridade é a segurança pública

A Constituição de 1988 previu a criação do Fundo Constitucional do DF, mas só em dezembro de 2002 ele foi regulamentado por lei sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Sem a lei, os governadores de Brasília tinham de batalhar muito para conseguir receber o dinheiro do fundo.

A justificativa para a existência do FCDF é a essência da capital federal: todo o país colabora para a manutenção da sede do governo nacional. Mas a autonomia política criou uma situação dúbia quanto ao financiamento do DF e o fundo foi constituído com destinação muito clara:

“Fica instituído o Fundo Constitucional do Distrito Federal – FCDF, de natureza contábil, com a finalidade de prover os recursos necessários à organização e manutenção da polícia civil, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde e educação, conforme disposto no inciso XIV do art. 21 da Constituição Federal.”

Despesas são maiores que o fundo

Está claro que o objetivo principal do fundo é a segurança da capital federal, que abriga os três poderes da República e mais de cem representações diplomáticas e de organismos internacionais. E é por isso que as folhas de pagamentos das polícias civil e militar e do Corpo de Bombeiros são pagas diretamente pelo Tesouro Nacional.

Secundariamente, o fundo deve assegurar “assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde e educação”.

O problema é que hoje, mesmo sendo reajustado anualmente, o fundo é insuficiente para arcar com as despesas de segurança, saúde e educação. O governo de Brasília completa com recursos próprios, o chamado “transbordo”. Que não é pouco.

Dinheiro federal não resolve tudo

A cada ano aumenta o percentual destinado à segurança e são reduzidos os recursos para saúde e educação. Para 2017, a previsão é de 62% para segurança, 20% para educação e 18% para saúde.

O transbordo em 2016 está na faixa de R$2 bilhões na educação e de R$1,2 bilhão na saúde.

É por isso que aumentos nos gastos nessas três áreas significam onerar ainda mais os cofres do governo de Brasília. Se aumentam as despesas com segurança, cresce o transbordo para educação e saúde.

O Fundo Constitucional já não dá conta de todas as despesas. Se aumentarem, menos ainda.

Polícias sob comando federal

É preciso, pois, rediscutir o Distrito Federal e seu financiamento, já que do jeito que aumentam as despesas acima das receitas, em breve a gestão da capital federal estará inviável.

Há sempre, entre os que administram Brasília, o temor de que esse debate possa levar à extinção do Fundo Constitucional pelo Congresso. É um risco, mas que dificilmente se concretizará.

Uma das hipóteses que se colocam é destinar o fundo integralmente à segurança, limitando as despesas na área ao valor por ele destinado a cada ano.

Outra é passar não só o financiamento como o comando da segurança da capital ao governo federal. O governador, na prática, voltaria a ser um prefeito.

Parece complicado, mas debater alternativas não faz mal a ninguém.

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