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Futebol

Consciência negra: Série A do futebol brasileiro não possui técnicos negros atualmente

Jorge Luiz Castilho, técnico do Maringá na Série D, vê de perto esta diferença entre a porcentagem de jogadores negros e técnicos negros

Redação Jornal de Brasília

20/11/2023 17h50

Foto: Reprodução/ Agência Ceub

Jornal de Brasília/ Agência Ceub
Por Henrique Sucena e Maria Clara Britto

O Campeonato Brasileiro de 2023 vai chegando ao seu final sem nenhum negro empregado entre os treinadores dos 20 clubes.

Apesar de um grande número de jogadores negros figurarem entre os atletas das equipes, ao longo da competição apenas quatro homens negros comandaram times da elite nacional.

Fernando Lázaro e Vanderlei Luxemburgo passaram pelo Corinthians, mas não aguentaram o ano ruim do Timão e foram demitidos, enquanto o português Pepa e o interino Cláudio Caçapa treinaram Cruzeiro e Botafogo, respectivamente.

O país que tanto critica o exterior por seus ataques racistas a jogadores brasileiros concentra 87% dos casos discriminatórios monitorados no ano de 2021, sendo 81% casos de discriminação racial, segundo o relatorio de discriminação racial 2021 do Observatório Racial.

Com diversos craques no campeonato brasileiro, é inegável que o negro é protagonista no futebol do país. Se este é o caso, como é tão raro ver técnicos negros? Marcelo Carvalho, diretor do Observatório Racial, explica: “O homem e a mulher negros sempre foram vistos como ótimos para trabalhos braçais, o uso do corpo, não para trabalhos mentais. Isso é algo que vem desde o tempo da escravização. A principal barreira é essa, a falta de oportunidades, porque quem está no comando não acredita no potencial de homens e mulheres negras”.

Jorge Luiz Castilho, técnico do Maringá na Série D, vê de perto esta diferença entre a porcentagem de jogadores negros e técnicos negros.

“O meu único incômodo é quando olho para a quantidade de jogadores negros que acaba não condizendo com o percentual de técnicos. De verdade, entendo que o profissional tem que ter qualificação. Mas me pergunto se realmente não tem nenhum jogador interessado em continuar trabalhando com futebol depois que param de jogar”.

Castilho acrescenta que vê bastante estafe negro, mas não vê negro no comando da equipe. “É muito raro. É triste por essa situação. Acho que é a cor da pele. Eu acho que todos que que se preparam, que se qualificam, que buscam o seu espaço, deveriam estar trabalhando”, declara.

A representatividade negra em cargos de poder deve ser uma prioridade. “A gente não tem ninguém hoje para ser um espelho para futuras gerações. A gente precisa ter essas pessoas nesses espaços de gestão e comando”, diz Marcelo Carvalho. Além do espelho da diversidade, o impacto de treinadores negros seria bastante positivo, levando em consideração que ele iria entender mais das questões das caracteristicas dos atletas negros.

Marcelo acrescenta que os poucos negros que conseguem, apesar de todos os desafios, ocupar espaços de comando, são vítimas de discriminação. “Quando alguns poucos conseguem ocupar esse espaço seus defeitos são atribuídos a todos os negros. Algo que não acontece com os brancos”, relata. Ele destaca que este peso de estar ali como representante de todos os outros negros é pesado demais. “Ele deveria ser avaliado pelo trabalho dele e não do coletivo”, expõe.

Um dos grandes exemplos recentes que escancara a falta de treinadores negros na elite do futebol nacional é o de Roger Machado. Lateral com passagens de sucesso entre os anos 90 e 2000 por Grêmio e Fluminense, Roger se estabeleceu como um dos poucos treinadores negros bem sucedidos no país e protagonizou em 2019, quando treinava o Bahia, o primeiro confronto de técnicos negros na história do Brasileirao contra Marcão, que comandava o Fluminense.

O sucesso como jogador e a sequência de trabalhos em grandes times do país desde que assumiu o Grêmio em 2015 não foi o suficiente para manter o treinador empregado, estando sem trabalho desde que foi demitido pelo próprio clube gaúcho em setembro de 2022, com muitos acreditando que o motivo tenha sido o conhecido ativismo de Roger na pauta racial.

Um dos que acreditam nisso é Hemerson Maria, treinador que em 2023 comandou a Aparecidense-GO na Série C. “Um exemplo de um profissional que ainda não trabalhou esse ano é o do Roger Machado, treinador excepcional e muito competente, que tem formação superior e foi um grande jogador vitorioso, mas hoje simplesmente está fora do mercado. Por que isso? Acredito que uma das causas é o racismo estrutural dentro do nosso país, que é escancarado”, disse.

Procurado por meio de sua assessoria, Roger optou por não comentar sobre o assunto, por acreditar que esteja perdendo oportunidades de emprego por suas opiniões. Em entrevista ao jornal Zero Hora em 2022, o treinador comentou que, “no campo, a gente tem 50% de brancos e 50% de negros. Só que quando o campo acaba para ambos, nessa estrutura social do futebol, a gente olha para o topo da pirâmide e vê que os filtros começam a aparecer. Isso sempre me chamou a atenção e passou a me incomodar depois que virei treinador. Naquele espaço, muitas vezes era só eu que estava ali. Não tinha essa mesma proporção de representatividade que o campo dava. Isso, para mim, mostra que temos um filtro, e esse filtro é a cor”

Apesar da pouca representatividade, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) Ednaldo Rodrigues, primeiro presidente negro da história da confederação, reitera que a entidade não faz diferenciação entre treinadores de etnias diferentes, explicando que na ficha de cadastro para o curso de formação de treinadores da CBF não é exigida autodeclaração sobre a cor de pele dos inscritos, fazendo com que a confederação não tenha dados oficiais sobre a representatividade de alunos negros ou sobre falta de oportunidades para grupos específicos.

Rodrigues relata também, por meio de sua assessoria de imprensa, a importância de seu papel pessoal em ações contra o racismo feitas pela entidade, se utilizando de sua função como primeiro homem negro em posicao máxima de poder no órgão: “A luta contra o racismo no futebol é o principal pilar da minha gestão. Como negro que sou, vivi todas as dores que esse tipo de crime traz contra as pessoas, pelo fato de serem medidas e julgadas pela cor da pele. Estabelecemos ações e determinações na CBF cujo foco é, antes de mais nada, deixar clara a nossa mensagem de igualdade, inclusão e transparência em todas ações internas e externas da entidade”.

Ele também diz ver o Brasil como referência mundial no combate ao racismo, apesar de fatores como o número de casos de injúria que ocorrem no país e a baixa representatividade entre treinadores na primeira divisão. Rodrigues diz que o presidente da FIFA, Gianni Infantino, chegou a agradecer à CBF e aos jogadores brasileiros pelo exemplo que estão dando ao mundo e que a federação internacional está montando um núcleo permanente sobre discussões de combate ao racismo, onde os jogadores brasileiros serão protagonistas

CBF Academy

Academia formadora de treinadores no futebol brasileiro, a CBF Academy possui mais de 3 mil alunos por ano em seus diversos cursos, de acordo com Ednaldo Rodrigues. Apesar do número alto de futuros profissionais, existem dificuldades financeiras enfrentadas para adquirir a licenca, algo que barra muitos treinadores negros de alcancar o nível profissional, relata Hemerson Maria, que hoje é auxiliar da Seleção Brasileira Sub-23.

“Os cursos para essa formação são muito caros e não são acessíveis à população negra, que não tem condição financeira de bancar essa qualificação. Além deles têm as viagens, já que os cursos geralmente não são feitos nas suas cidades de origem. Tem que ter um deslocamento. Para você conseguir entrar na licença C, passar pela B e pela A para chegar na licença Pro, que é a que eu tenho, você tem que gastar, só com o curso, quase R$ 50.000,00?, comenta Hemerson Maria.

Ele diz acreditar que o primeiro passo para alterar essa situação seja a conscientização da sociedade de que pessoas negras têm capacidade para ocupar cargos de chefia. Com isso, afirma ele, eventualmente podem ser criados mecanismos para que o jovem treinador negro possa ter uma formação que lhe dê a oportunidade de depois ocupar um cargo como treinador de futebol profissional.

Uma lei que deve servir de exemplo para a melhoria da falta de representatividade negra nos cargos de técnicos no futebol brasileiro é a Regra Rooney, adotada pela NFL (liga de futebol americano dos Estados Unidos) em 2003. Ela obriga franquias a entrevistar representantes de minorías étnicas para os cargos de técnico e gerente esportivo.

Durante a temporada de 2006, o número de treinadores negros subiu de dois (6% da liga) para sete (22% da liga). Porém, com o tempo este número diminuiu, em 2020 eram três técnicos negros, Mike Tomlin (Pittsburgh Steelers), Anthony Lynn (Los Angeles Chargers) e Brian Flores (Miami Dolphins). Atualmente, temporada de 2023, atuaram quatro técnicos negros, Mike Tomlin (Pittsburgh Steelers), Todd Bowles (Tampa Bay Buccaneers) e DeMeco Ryans (Houston Texans), além de Antonio Pierce, que assumiu recentemente o comando dos Las Vegas Raiders como treinador interino.

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