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Estilo de Vida

O gênio e o lascivo Nelson

Maior teatrólogo brasileiro conviveu com vários rótulos do bem e do mal

Gustavo Mariani

19/07/2023 11h29

Se ainda habitasse este planeta, Nélson Rodrigues seria, hoje, um pernambucano “cento onzenário” (111) nasceu, em Recife, no 23 de agosto de 1912. Teria passado de um um século de convivências com rótulos de tarado, reacionário infiel e volúvel, só para citar poucos pejorativos. Mas colecionou, também, elogios “de gênio”, e para mais.

Na verdade, de tudo o que lhe imputaram, rigorosamente, o Nélson só foi volúvel, pois apaixonava-se a cada piscar de olhos para uma mulher. Teve várias paixões, mas só um amor de verdade, a primeira mulher, Elza, embora errasse nas contas e disse ter tido três paixões, entre tantas puladas de cerca.

Um dos maiores teatrólogos brasileiros, Nélson Rodrigues foi, antes de mais nada, um produto do meio em que viveu, desde criança na chegada ao Rio de Janeiro. Na sua rua, convivia com tudo o que de baixaria a pobreza e o nível social dos moradores oferecia. Não foi atoa que, aos nove de idade, ao escrever uma redação para ser lida em sala de aula, o tema foi o par de chifres que vira um dos maridos das vizinhanças usar. Escândalo!

É da sua primeira rua carioca, aliado à sua precoce vida de jornalista policial, iniciada aos 13 anos de idade, que vem o seu teatro, composto por 17 peças, iniciado por “A mulher sem pecado”, de 1941, e encerrado com “A Serpente”, em 1978. Foi uma trajetória de textos sempre na mira da censura, quando não eram logo proibidos, por recusas de produtores, atores e de atrizes, sem falar das terríveis brigas com pretensos guardiões da moral e dos bons costumes, os quais ele chegava a desafiar, aos palavrões, retribuindo as vaias, aos finais de espetáculos.

Nélson Rodrigues foi um intelectual que jamais se escondeu sob mantos ideológicos. Acusado de reacionário, dizia-se defensor da liberdade. Por horror ao comunismo, defendeu, abertamente, a Revolução de 31 e Março de 1964, só perdendo a fé nos generais-presidentes quando Garrastazu Médici garantiu-lhe não haver tortura no Brasil, o que ele viu escancarado na pele do filho Nelsinho, que ligou-se ao MR-8 e passou sete anos na cadeia.

Quando nada, o apoio de Nélson Rodrigues aos militares serviu para ele salvar muitos intelectuais das agruras da Ditadura, como Augusto Boal, Hélio Pelegrino e Zuenir Ventura, entre outros. Só não teve forças para desviar o Nelsinho da luta armada. Chegou a negociar, com o general Médici, um visto de saída do país, para o rapaz, antes de ser preso, mas este, aos 24 anos, preferia ser guerrilheiro urbano.

Nélson Rodrigues era um sujeito, financeiramente, desorganizado. Nunca teve independência financeira. Certa vez, vendeu, para o cinema, os direitos de “Todas nudez será castigada” (Darlene Glória fez o papel principal), por apenas 500 dólares, enquanto a renda de bilheteria atingiu US$ 7,2 milhões de dólares. Até aí, nada demais, em se tratando de Nélson Rodrigues. Indicada para representar o Brasil no alemão Festival Internacional de Berlim, antes de sair do Brasil, a película foi retirada de cartaz e proibida, pela Polícia Federal.

Admirado pelos patrões, pelo que produzia e os fazia lucrar muito, com suas crônicas, colunas (“A vida como ele é”, em Última Hora, durou dez temporadas), folhetins (assinados Suzana Flag), novelas televisivas e livros, este pernambucano arretado parecia ter nascido para ser a própria polêmica. Chegou a ter uma cabra pastando, em um quadro (A cabra vadia) de um programa de TV, para entrevistar personagens importantes de vários setores da vida nacional. Pior: classificou, de burro, o videoteipe, recurso mais moderno da então TV brasileira, durante discussões em uma mesa redonda das noites de domingo, por discordar de uma marcação do juiz, em jogo de futebol. Seria capaz de preferir termos no idioma inglês em vez do correspondente na língua portuguesa. Mais? Para ele, a Seleção Brasileira era a pátria de chuteiras.

SURPREENDENTE – Nélson Rodrigues teve, sempre, no jornalismo esportivo um porto seguro. Foi um dos seus grandes ganha-pão, por toda a vida. No entanto, em “O Globo”, certa vez, encheu o saco das bolas e decidiu escrever sobre óperas. O editor riu em sua cara. Onde já se viu um repórter esportivo se meter a tanto? Pois ele foi lá e mostrou o seu veneno. Conhecia o terreno. Um pouco antes, quando o pai lhe permitira ser cronista cultural, em seu jornal (Crítica), teve de rebaixá-lo a repórter policial, por escrever verdades sobre o inabalável mito Ruy Barbosa, do qual a “inteligentzia” brasileira não ousava criticar.

Pela coragem de estampar incestos, adultérios, suicídios, abortos. etc que a sociedade praticava, mas não assumia, Nélson Rodrigues tornou-se maldito, elemento ativo, nocivo ao bem estar comum. Em defesa deste, principalmente de uma de suas principais instituições, o casamento, o Governo chegou a passar por cima da constituição, para proibi-lo. Mas a Igreja Católica, as vezes, o apoiava, mesmo com suas criticas aos “padres de passeatas”, como classificava os sacerdotes de esquerda. O certo, porém, foi que, com ou sem apoio, Nélson teve peça – Álbum de Família – passando quase 20 anos interditada.

Mestre em pregar peças aos velhos, novos e ex-amigos, com a mesma categoria que escandalizava seus leitores e espectadores, Nélson Rodrigues saiu de cena do jeito que a sua vida pedia: com uma peça lhe pregada pelo destino. No início da manhã de 21 de dezembro de 1980, tornou-se uma pessoa espiritual. Ao final da rodada do futebol daquele domingo, acertou os 13 pontos da Loteria Esportiva, grande sonho dos brasileiros da época Não deu pra ele escrever a coluna sobre o “Sortudo do além”, digamos. Seguramente, seria munição para um texto bem “nelsonrodriguesano”. Evidentemente, com ele no papel principal.

O TEATRO DE NÉLSON

  • A mulher sem pecado (1941); Vestido de noiva (1943); Álbum de família (1946); Anjo Nero e Senhora dos Afogados (1947); Dorotéia (1949); Valsa Nº 6 (1951); A falecida (1953); Perdoa-me por me traíres e Viúva, porém honesta (1957); Os sete gatinhos (1958); Boca de Ouro (1959); Beijo no asfalto(1960); Bonitinha, mas ordinária (1962); Toda nudez será castigada (1965); Anti-Nélson Rodrigues (1973) e A serpente(1978).

OBRAS FILMADAS

  • Somos dois (1950); Meu destino é pecar (1952); Mulheres e Milhões ((1961); Boca de Ouro (1962); Meu nome é Pelé e Bonitinha, mas ordinária (1963); Asfalto selvagem (1964); A falecida (1965); O beijo e Engraçadinha depois dos 30 (1966); Toda nudez será castigada (1973); O casamento (1975); A dama da lotação (1978); Os sete gatinhos e O beijo no asfalto (1980); Bonitinha, mas ordinária (remake/1980); Álbum de Família e Engraçadinha (remake/1981); Perdoa-me por me traíres (remake/1983) e Boca de Ouro (remake/1990).

NOVELAS NA TV

  • A morta sem espelho (1963); Sonho de amor e O desconhecido (1964).

ROMANCES ESCRITOS COMO SUZANA FLAG

  • Meu destino é pecar e Escravas do amor (1944); Minha vida (1946); Núpcias de fogo (1948); O homem proibido (1951) e A mentira (1953). Também, escreveu A mulher que amou demais, em 1949, sob o pseudônimo de Myrna.

ONDE TRABALHOU

  • Crítica; O Globo; Diário da Noite; O Jornal; Última Hora; Correio da Manhã; Jornal dos Sports; Manchete Esportiva; O Cruzeiro; TV Rio e TV Globo.

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