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Moda

Brasil perdeu o auge da moda, afirma Alexandre Herchcovitch hoje desiludido

Prestes a completar 30 anos de carreira, estilista símbolo nacional não vê saídas para universo que ajudou a criar

FolhaPress

30/05/2022 18h32

PEDRO DINIZ
SÃO PAULO, SP

Quem tem 25 anos pode se lembrar de seu nome por uma caneca com desenho de caveira na liquidação da Tok&Stok. Os trintões, por sua vez, vão recordar os desfiles acachapantes de sua marca homônima na São Paulo Fashion Week.

Mas aqueles que, assim como Alexandre Herchcovitch, já fizeram 50 anos, devem reconhecer o homem por trás da grife como precursor de uma geração de estilistas que reviraram a moda paulistana no final dos anos 1990 e, na década seguinte, explodiram pelo mundo. Ele sabe, porém, que a roda fashion cimentada com sua ajuda “deu uma minguada”.

Seu nome ainda circula pela boca dos fashionistas da nova geração, é claro, e a marca para a qual cria roupas atualmente, a À La Garçonne, dará o pontapé inicial à 53a edição da semana de moda paulistana com um desfile no Museu de Arte Brasileira, nesta terça-feira, disposta a agradar o séquito de jovens fãs a fim do “streetwear” luxuoso dessa grife fundada pelo empresário Fábio Souza.

Prestes a completar 30 anos de carreira, Herchcovitch reconhece, porém, que a celeuma em torno da marca que leva seu nome sempre foi desproporcional ao poder da etiqueta em gerar lucros. “As pessoas achavam que eu era muito maior do que eu, na verdade, era”, resume, em entrevista.

Batizado nos anos 2000 como “maior estilista do país”, depois de tornar uma caveira estampada o símbolo dos modernos –havia também os demônios, as roupas fetichistas e toda a sorte de transgressão vista nos inferninhos noturnos onde era onipotente–, Herchcovitch não sabe explicar “em que momento a moda brasileira começou a perder relevância”, embora tenha certeza de que ela perdeu um bonde.

“O Brasil não sustentou o ‘boom da moda’, um momento dos anos 2000 quando nós [estilistas brasileiros] atraíamos a atenção dos compradores. Cheguei a ter loja em Tóquio e 120 pontos de venda pelo mundo”, afirma. “De repente, de uma hora para outra, quem realmente tinha dinheiro para investir, patrocinar a criação de moda, passou a colocar o dinheiro em outras coisas.”

Vindo de alguém que também comandou o estilo de três das grifes outrora mais poderosas do país, a de jeans Zoomp, a de moda praia Rosa Chá e a feminina Cori, todas jogadas no ostracismo e sem rumo aparente no curto prazo, o questionamento define a dificuldade da indústria nacional em transformar grifes independentes em empresas robustas.

“Lá fora, quando um estilista começa a despontar, um grupo já compra a marca e, com gestão eficaz, permite que ela se desenvolva fazendo o que já faz, preservando seu DNA, algo que não acontece no Brasil. Então, fico pensando se não é o nosso modelo [de gestão] que está errado”, questiona, mais uma vez, sem encontrar respostas para as perguntas que pairam na cabeça.

O fato é que há seis anos ele não põe os dedos nas mesas de corte do grupo InBrands, dono de titãs como Ellus, Richards e da própria marca homônima do estilista, comprada com festa pela empresa em 2013 e na qual Herchcovitch se manteve como diretor criativo até 2016.

As memórias daquele tempo não são lá as melhores, apesar de ele jurar não se arrepender “nem um pouco” do negócio, cujos valores nunca foram divulgados. “Me encantava com a promessa dos diretores, de expandir, mas isso não aconteceu”, revela.

“Percebo que, no Brasil, a ânsia é comprar uma outra marca, uma euforia inicial. Senti [na época da venda] que a ideia era elaborar o contrato, uma ideia de ‘comprei, já tenho’, e não haver uma sequência [dos planos].”

O estilista afirma não procurar culpados para a estagnação da etiqueta, que hoje não tem lançamentos e, por ora, é apenas um nome dentro da InBrands.

“Havia uma crise financeira e as pessoas começaram a se preocupar com coisas que não a roupa. Mas, de verdade, não sei o quanto a Alexandre Herchcovitch era uma prioridade dentro de um grupo com marcas que faturavam não sei quantos milhões. Tentei de tudo, mas marcava uma reunião com o CEO e só conseguia por uma hora e, depois, sabe-se lá quando.”

Por isso, também, é um alívio para ele poder exercitar as ideias na À La Garçonne, em que aplica toda a sua expertise em modelagem, estamparia e ideias bem amarradas que já incluíram desde parcerias com estúdios de animação, como fez com a Looney Tunes, até empresas tradicionais de camisaria, a exemplo da Colombo.

Na coleção que desfilará no museu dentro das dependências da Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap, após dois anos sem realizar um desfile presencial, o estilista vai mostrar sua versão para a moda festa. Uma expressão que, aliás, ele detesta.

“Quando falamos de festa pensamos naquela coisa bordada dos pés à cabeça. Não tem isso. Diria que é uma moda festa extravagante na forma, porém não no embelezamento dela. Ainda é um tecido com um puta corte, mas nada bordado”, descreve Herchcovitch.

Menos matemática, a ÀLG, marca mais jovem da grife principal, também apresentará um desfile, esse virtual, no próximo sábado, o último dia da SPFW.

Nela, logos, cores e acessórios despretensiosos convergem para formar o estilo urbano que poderia vestir fashionistas do TikTok, microcosmo online cujo espaço substituiu o estroboscópio das noites rebeldes um dia dominadas por ele –só nos looks, vale dizer, porque o designer afirma sempre ter sido “careta”.

“Acho que minha dose de rebeldia na moda já aconteceu de maneira muito contundente. Então, assim, hoje eu realizo os meus sonhos de costureiro, de fazer a melhor roupa possível, o melhor produto possível, com a melhor vestibilidade possível. Acho que minha rebeldia está em não ceder minhas roupas à prateleira de supermercado. Isso eu não consigo fazer.”

Aos saudosos quarentões, ele não descarta a ideia de costurar mais uma vez, se for convidado, na marca própria semeada a partir de seu desfile de formatura, em 1993, no qual chocou o fashionismo da época ao recriar camisas de força. “Sim, voltaria”, confessa. Mas você quer voltar? “Acho que sim.”

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