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Moda e Beleza

Estilistas se voltam à arte popular para exaltar em suas coleções as raízes do Brasil

Se no passado a moda nacional se voltava quase exclusivamente para a Europa em busca de inspiração, hoje estilistas têm apostado em roupas com as cores, a textura e a temperatura do Brasil

Redação Jornal de Brasília

21/10/2025 8h51

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Foto: Reprodução/ Atelie Foz

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Em 2015, o estilista Antonio Castro visitava uma exposição no museu A Casa, na capital paulista, quando viu impressa na parede uma frase que chamou a sua atenção. “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”, dizia o aforisma atribuído ao escritor Leon Tolstói. Naquele momento, Castro teve uma espécie de epifania.

“Entendi que, se eu quisesse falar com uma audiência mais ampla, o melhor caminho seria expressar o que eu tinha de mais próximo e íntimo.” Surgia assim o embrião da Foz, marca que leva às passarelas o artesanato e a arte popular de Alagoas, terra natal do estilista. “Eu despertei para um jeito de fazer moda que não sabia que podia ser possível.” Castro, aliás, não foi o único a perceber isso.

Se no passado a moda nacional se voltava quase exclusivamente para a Europa em busca de inspiração, hoje estilistas têm apostado em roupas com as cores, a textura e a temperatura do Brasil. Essa tendência pôde ser vista, por exemplo, nos desfiles da São Paulo Fashion Week deste ano. Na passarela, modelos ostentavam peças de tons quentes e terrosos, costuradas com técnicas tradicionais, como crochê, bordado, macramê e redendê.

São coleções que não apenas se inspiram nos rincões do Brasil, mas também são produzidas em parceria com quem mora nessas regiões.

A Foz, de Antonio Castro, é um exemplo disso. As roupas que ele apresentou na última edição da SPFW foram feitas com o auxílio de Maria de Lourdes da Silva Correia Bezerra, bordadeira de Entremontes, município a cerca de 288 km de Maceió.

O estilista aprendeu a bordar pelas mãos de dona Lurdes, como a bordadeira é conhecida na cidade. A parceria começou quando Castro estava prestes a terminar a faculdade de moda. À época, ele passou uma semana em Entremontes fazendo uma oficina com a artesã. O resultado dessa mentoria nasceu em 2018, quando ele concluiu a faculdade com uma coleção inspirada no artesanato brasileiro. Esse trabalho lançou os pilares da Foz, empresa fundada dois anos depois.

“Nosso método é desenvolver junto com o artesão e a partir do repertório que ele já tem. É diferente de apenas comprar o artesanato ou se apropriar do que já existe”, diz Castro, acrescentando que tentou trabalhar com moda e artesanato depois que terminou a faculdade, mas não conseguiu encontrar postos de trabalho nessa área.

Em razão disso, atuou como designer de produtos antes de fundar a própria marca. “A arquitetura e o design foram os que melhor incorporaram o artesanato à sua produção. É diferente da moda, que está vindo atrás.”

Esse cenário foi desafiado de maneira episódica por estilistas como Zuzu Angel, designer que integrou elementos da cultura popular às suas criações.

No entanto, de modo geral, a moda brasileira olhava com ressalvas para os fazeres manuais, preferindo apostar em tradições europeias. “A gente bebia diretamente do que era produzido na moda de Paris”, diz Valeska Nakad, coordenadora do curso de design de moda do Centro Universitário Belas Artes, na capital paulista. “O país considerava chique uma moda que era gringa.”

De acordo com ela, isso mudou diante da valorização da produção regional e do aumento da preocupação com a sustentabilidade.

“As pessoas começaram a olhar mais para dentro de seus universos, principalmente no pós-pandemia”, diz Nakad. “Além disso, o consumidor está pensando muito em questões relacionadas à sustentabilidade, então faz sentido prestar atenção nos materiais usados, nos recursos humanos e nas técnicas empregadas para fazer as roupas.”

Apesar desses avanços, estilistas dizem que o artesanato e a brasilidade ainda são alvo de preconceito. É essa a opinião de Patrick Fortuna e Vinícius Santana, responsáveis pelo Ateliê Mão de Mãe, marca que tem no crochê um de seus carros-chefes.

“A gente ainda vive uma realidade muito eurocêntrica na moda. O que é de fora tende a ser mais valorizado”, diz Fortuna. Para exemplificar isso, ele afirma que há quem reclame dos valores praticados pela marca, enquanto compra itens estrangeiros até mais caros.

“O artesanato brasileiro ainda não tem o protagonismo que deveria ter”, diz Fortuna. Para Marina Bitu, criadora da marca que leva seu nome, um dos alicerces do preconceito reside no fato de essa ser uma atividade majoritariamente feminina.

“São mulheres que fazem isso em seu tempo de descanso. Por isso, não é visto como um trabalho de fato, e sim quase como uma distração, quando na verdade é muito mais do que isso. Muitas vezes, as atividades se tornam o sustento delas”, afirma Bitu, que administra a marca ao lado da sócia Cecília Baima.

Para elaborar a coleção exibida na última edição da São Paulo Fashion Week, a dupla trabalhou com a Associação Fibrarte. Localizada em Missão Velha, no Ceará, a instituição congrega mulheres que concebem produtos artesanais baseados em fibra de bananeira.

Bitu diz que parcerias como essas são uma forma de difundir técnicas artesanais ameaçadas de extinção. “A gente está pensando na manutenção desses ofícios para o futuro e na criação de espaços para estabelecer diálogos com os mais jovens.”

A preservação do fazer manual é de fato um desafio. Em muitos casos, são técnicas transmitidas por meio da oralidade. Por isso, é preciso haver quem ensine e quem esteja disposto a aprender. Essa relação, porém, tem se enfraquecido diante da morte de artesãos e do pouco interesse dos mais jovens.

É um problema que está ameaçando a existência do bordado labirinto no povoado Mata da Onça, localizado às margens do rio São Francisco, na fronteira entre Sergipe e Alagoas.

“A produção do labirinto está acabando porque a gente tem poucas pessoas fazendo”, diz a bordadeira Rosélia Corrêa. “Quem sabe mais são as mulheres mais velhas. Mesmo elas não estão fazendo mais por problemas de visão.”

Corrêa diz que manter essas tradições vivas é importante para garantir a subsistência das comunidades. “Muita gente não tem estudo para ter um emprego formal, então o bordado é de onde a gente tira o nosso sustento.”

Celina Hissa, fundadora da marca Catarina Mina, é uma das estilistas que atuam para preservar esses saberes. Para isso, decidiu incluir nas bolsas vendidas pela empresa um QR Code que leva o consumidor a uma página sobre a artesã que produziu o item. No perfil, as pessoas encontram informações sobre a biografia da artista.

“Proteger a cultura artesanal é preservar outras maneiras de olhar o mundo”, diz Hissa. “É uma forma de respeitar a nossa ancestralidade e de zelar pela nossa história.”

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