Menu
Gastronomia

Mulheres descobrem que produzem café especial e se unem para exportar

Um certo dia, uma importadora da Austrália quis receber amostras de café brasileiro. Uma mulher, agricultora familiar numa área a mais de 1.100 m de altitude na Mantiqueira de Minas Gerais, enviou. Deu certo.

FolhaPress

01/12/2022 12h21

Pexels/imagem ilustrativa

Marcelo Toledo
Lambari-MG

Um certo dia, uma importadora da Austrália quis receber amostras de café brasileiro. Alguns pequenos produtores mineiros até estranharam, mas uma mulher, agricultora familiar numa área a mais de 1.100 m de altitude na Mantiqueira de Minas Gerais, enviou. Deu certo. Mais do que certo, pois já são 12 as mulheres que integram uma associação que exportam sua produção, e com uma vantagem: algumas nem sabiam, mas o café que vendiam como commodity era, na verdade, especial.

A Amecafé (Associação de Mulheres Empreendedoras de Café da Mantiqueira de Minas), com 80 associadas, já existia antes das exportações e unia as mulheres em busca de práticas conjuntas, mas os embarques deram um impulso extra às pequenas produtoras, que têm área média de cultivo de 10 hectares (o equivalente a 14 campos de futebol). Hoje, produzem cerca de 22 mil sacas (de 60 kg cada), 2.000 a mais que na safra anterior, com 70% sendo composta por cafés especiais.

A denominação é dada a cafés que atingem mais de 80 pontos. Melhores e mais caros, chegam a custar o dobro do convencional, dependendo da produção no país, mas em média ficam entre 30% e 40% acima do valor, segundo elas. Em comum, têm notas de rapadura, melaço, caramelo e chocolate. “É preciso ter qualidade e constância no fornecimento, é isso que o mercado busca”, disse a presidente da associação, Simone Carneiro de Morais Sousa.

A pontuação de um lote é feita por entidades certificadoras, como a BSCA (associação brasileira de cafés especiais), e pode atingir até 100 pontos. A análise inclui doçura, acidez, sabor, corpo, gosto remanescente e balanço geral da bebida e é preciso que haja equilíbrio (não pode ter um parâmetro zerado, por exemplo).

Composta em sua maioria por pequenas produtoras (90% do total), a Amecafé engloba lavouras em nove cidades do sul de Minas –São Gonçalo do Sapucaí, Campanha, Cambuquira, Conceição do Rio Verde, Lambari, Heliodora, Pedralva, São Sebastião da Bela Vista e Jesuânia. A primeira a exportar foi Leda Fernandes, que com o marido e o filho são donos do sítio Roseira, com sete hectares (9,8 campos de futebol) de café plantados. Depois de colher 150 sacas em anos anteriores, a família chegou a 280 sacas em 2021, sendo metade delas de café especial. Há dez anos, praticamente toda a produção deles era vendida como commodity. “Era café especial, mas a gente não sabia”, disse Leda.

O negócio deu tão certo que a família decidiu renovar parte da lavoura, para que no futuro os pés possam render ainda mais.
O grande espaçamento dos pés de café nas lavouras e a idade dos cafezais, muito antigos, são dois dos problemas que as mulheres passaram a resolver de forma gradativa após se unirem. Passaram também a planejar plantio e comprar insumos de forma coletiva e a trocar experiências sobre análise do solo e uso de fertilizantes. “Do jeito que estava, não dava mais. Ou a gente acompanhava o mercado, a tecnologia, ou iria ficar [vendendo como] commodity. Busquei capacitação e fui mostrando ao meu marido que a gente deveria crescer. Hoje ele me acompanha. Continuo na liderança de algumas questões, mas conversamos muito. Quem me vê pensa que sou fazendeira, mas não, sou sonhadora”, afirmou Leda.

Em um dos embarques, um contêiner levou 320 sacas de café, das /quais 55 foram produzidas por sua família. A iniciativa de levar o café para a Austrália foi da empresa Southland Merchants, comandada por um casal brasileiro que reside naquele país. A empresa incentivou a participação das pequenas produtoras mineiras num projeto do Sebrae, que fornece consultoria a cada uma delas, para passarem a ter escala com o tempo.

Antes da participação no projeto e na associação, muitos pequenos produtores, por desconhecimento, vendiam seus cafés especiais –alguns com 90 pontos– como se fossem comuns. Descobrir que seu café tinha qualidade superior motivou a produtora Sandra Momoeda a permanecer e apostar na atividade. Ela chegou a perder toda a sua produção há cinco anos após um incêndio no campo. “Perdi tudo, tudo, mas não me arrependo nem um pouco. Estamos aí, produzindo e crescendo”, afirmou a produtora.
A presidente da Amecafé disse que os resultados são variados entre as propriedades, já que cada uma tem um terroir próprio [conjunto de fatores que afetam o resultado final da bebida, como plantio e o que foi usado no processo], mas todas tiveram crescimento, especialmente após passarem a fazer parte do Educampo, projeto do Sebrae. “Passaram a saber o custo real de uma saca, a entender a importância da divulgação da nossa identidade e da origem do produto”, disse.

Analista do Sebrae Minas, Ticiana Tranqueira Malta Lopes disse que as produtoras já trabalhavam com qualidade no campo, mas precisavam de gestão e entender questões como a composição de preços de custo e venda para crescerem. “O foco é mostrar tudo o que envolve a cadeia cafeeira para que avancem de forma global. A primeira orientação que demos é que elas tivessem um grupo de compras, para reduzir a compra de insumos delas. Tem sido uma quebra de paradigmas”, afirmou.

O Sebrae estima que existam na região da Mantiqueira de Minas cerca de 8.000 produtores de café, sendo 89% deles pequenos, que produzem em áreas de até três hectares (4,2 campos de futebol).

A avaliação da analista é que a participação das mulheres e da associação ainda são pequenas no universo da Mantiqueira de Minas, mas promissora, por estar numa região que já conta com denominação de origem (que designa um produto cuja qualidade se deve ao meio em que está inserido). “O potencial é grande, pois passaram a entender de fato a propriedade como um negócio, não só um meio de sobrevivência”, afirmou a analista.

Embora a associação seja formada por mulheres, há homens nos negócios nas propriedades, como Antonio Fortes Bustamante, 88.
As filhas Claudia e Cristiana tocam um café especial cultivado numa propriedade a 1.350 m de altitude e que leva o seu nome. A marca tem alcançado pontuação próxima a 90 e recebido premiações em concursos do setor. “Elas sabem tudo, tocam muito bem [a empresa], mas eu nasci numa família de produtores, está no sangue, não consigo largar”, disse ele.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado