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Gastronomia

A forma da arte em um queijo goiano

Primeira queijaria goiana a conquistar o Selo Arte no estado de Goiás procura dar vazão à singularidade e inovação do produto em capitais do Centro-Oeste

Redação Jornal de Brasília

02/02/2021 6h31

Cezar Camilo
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Desde o início deste ano, está liberada a venda dos produtos com o Selo Arte de produção – uma forma que o governo federal achou para regularizar os produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal. A caminho da Fazenda Coqueiral, a primeira a receber o carimbo de qualidade em Goiás, no município de Corumbá, a pouco mais de 100 quilômetros do Distrito Federal, já é possível encontrar unidades da especiaria nas prateleiras dos supermercados próximos. A singularidade e as características tradicionais do produto também estão presentes em Goiânia e Brasília, mas não pára por aí. Com a desburocratização da venda, a meta dos produtores é alcançar outras capitais e quiçá até a exportação.

Ao total, cerca de R$ 400 mil foram investidos na queijaria pioneira da produção artesanal goiana desde 2019. Na Fazenda Coqueiral, vizinha à cidade turística de Pirenópolis (GO), a gestão teve de organizar a linha de fabricação em concordância com as instruções normativas assinadas pelos estados participantes e o Distrito Federal.

No documento também assinado pelo Ministério da a Agricultura, Pecuária e Abastecimento, está prevista uma rotina com horários para o trato, o descanso e a ordenha dos bovinos, em local ventilado, limpo e seco e distante de fontes de contaminação ou odores indesejáveis.

“Não é só o fato de ter o Selo Artesanal, nos preocupamos com a estrutura de primeira linha para atender a um mercado mais exigente. O nosso leite sai da teta da vaca e vai para os tanques de armazenamento sem nenhum contato humano e nenhuma interferência com produtos químicos. Procuramos a saúde da vaca, uma aposta em transformar o nosso queijo em um produto cada vez mais orgânico”, disse o gerente da Coqueiral, Wallber Castro, em entrevista ao Jornal de Brasília.

A fazenda produz 150 litros de leite por dia, uma média limitada para manter a qualidade exigida pelo registro artesanal. Até que o queijo se estabeleça no mercado, a ideia dos queijeiros é produzir cerca de 10 unidades diariamente – mesmo com a possibilidade de aumentar para 30 queijos em 24h. Outra ideia é participar de feiras expositoras para divulgar o produto. “A pandemia travou tudo, mas chegamos a receber convites, em conversações com a Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Serviços de Goias. Pretendemos participar até de feiras internacionais para apresentar o Queijo Coqueiral”, citou Walber Castro.

Três outros produtores artesanais de queijo do estado de Goiás também receberam a concessão do selo na sede do Sindicato dos Produtores Rurais de Alexânia. Além da Coqueiral – propriedade que pertence a Lourenço Peixoto, diretor do grupo JBr. de Comunicação, que recebeu o certificado das mãos da ministra da Agricultura, Tereza Cristina – o registro foi entregue em conjunto à Queijaria Lima, de propriedade de Rafael Lima, e à Queijaria Santa Fé da Lagoinha, de propriedade de Fernando César Ribeiro.

”O setor vem cada vez mais se unindo, de Norte a Sul, sinalizando para o Congresso que devido sua relevância precisa do ser ouvido nos trabalhos legislativos, sobretudo na reforma tributária que está na base do desenvolvimento que o setor alcançou nos últimos 20 anos”, disse a Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (Abiq).

No Brasil, o consumo médio por ano é de 5,13 quilos de queijo por habitante. Em 2019, isso representou 1,12 milhões de toneladas, segundo a Abiq. Mesmo que o valor seja expressivo, ainda é considerado que há potencial para ampliar esse mercado. Segundo os últimos dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a produção orgânica nacional cresceu mais de 20% até novembro do ano passado. No entanto, esse crescimento é inferior à demanda pelos produtos. O quadro se agrava pelo fato de que 70% da produção é exportada para a Europa.

O Brasil está se consolidando como um grande produtor e exportador de alimentos orgânicos, com mais de 15 mil propriedades certificadas e em processo de transição – 75% pertencentes a agricultores familiares. Para minimizar o problema, o governo brasileiro autorizou três mecanismos distintos para certificação de orgânicos. Dois exigem a aplicação de um selo padronizado nacionalmente – como é o caso do Selo Arte – mas há um terceiro mecanismo de controle que não exige a aplicação dele, viabilizando a venda direta do produtor para o consumidor final, desde que ele esteja vinculado a uma Organização de Controle Social (OCS).

Foco em produto orgânico e sustentável

Para o futuro do queijo artesanal, a intenção dos produtores é que outros ramos sejam desenvolvidos, outros processos de maturação, e novos incrementos à inovação do negócio. Embalagens diferenciadas, material para divulgação, no impresso ou no digital, podem destacar a marca no mercado. Uma tendência mundial para os denominados “negócios verdes”, ou seja, os empreendimentos sustentáveis que tenham atividades de produção e distribuição baseadas em um desenvolvimento socioambiental.

Dados do Ministério da Agricultura mostram que o número de agricultores com certificação orgânica dobrou em oito anos. Além disso, observou-se o crescimento do Comércio Justo e Solidário nos EUA e na Europa. Isso demonstra que a tendência é a valorização da produção e do consumo sustentável.

“O crescimento médio anual das vendas no varejo de produtos orgânicos no mundo foi superior a 11%, no período de 2000 a 2017. O setor se tornou pujante economicamente, ainda mais quando se comparam seus resultados recentes aos dados sobre o consumo de produtos agrícolas básicos não orgânicos, em especial, nos países desenvolvidos”, ressaltou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no último levantamento do setor.

Durante a pandemia, a linha orgânica, mais artesanal, foi um dos setores que mais se beneficiaram com os hábitos de mudança no estilo de consumir alimentos. A Synapcom, uma empresa especialista em soluções full commerce, analisou as vendas online do segmento no primeiro semestre deste ano e detectou alta de 160% apenas no segundo bimestre do ano passado (maio e abril).

Receita de família é o segredo

“É um queijo tradicional do Ceará, é com a mesma receita que minha bisavó fazia em Sobral (CE): um queijo sertanejo”, explica Lourenço Peixoto, à frente da Queijaria Coqueiral. A relação do produtor artesanal apresenta uma história afetiva com os sabores da iguaria, uma receita passada entre gerações, em um ambiente de descobertas e inovações.

Na fazenda goiana, o principal ingrediente para resgatar as raízes do Ceará é o pré-cozimento e a prensa. Não é segredo. Uma diferenciação sensível ao paladar se comparado ao tradicional queijo coalho ou qualquer outra adição de enzimas para diferenciação do gosto.

“É um queijo que fica em evolução o tempo todo, desde a prensa até um acompanhamento excelente para um vinho tinto ou uma ótima parmegiana para a macarronada”, detalha Lourenço

Dentro das normas adotadas pelo governo federal, o queijo pode ser vendido para fora do estado de Goiás e também para exportação. Até agora, as unidades do Coqueiral não saíram da região Centro-Oeste, porém, segundo o gestor da fazenda, é uma questão de tempo.

“Fazemos um queijo feito à moda antiga, uma receita cearense de 100 ou 200 anos atrás, produzido dentro de uma queijaria moderna, com boas práticas de produção”, ressalta o dono do empreendimento

No passado, essa arte caseira correu o risco de deixar de existir. Questões envolvendo a logística da matéria prima, como diminuição na produção de leite e custos para produção de mais queijos refinados.

Mas a situação foi superada com a ajuda dos incentivos ao mercado artesanal, deixando a ociosidade e alavancando uma nova forma de experimentar as delícias da terra. “Somado a tudo isso, é importante ressaltar o carinho que nós temos para a área agrícola. Em um processo sempre voltado ao futuro dos produtos que vem de lá”, completa Lourenço Peixoto.

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