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Teatro e Dança

Releitura de obra shakespeariana alerta sobre o feminicídio

A peça se baseia no Ato V, cena II, de Otelo, clássico de Wiliam Shakespeare

Amanda Karolyne

04/07/2023 12h14

Foto: Ian Nogueira/Divulgação

O Distrito Federal bateu um triste recorde de feminicídios em 2023, com 20 mulheres assassinadas em cerca de seis meses segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). Com isso em mente, a obra clássica de William Shakespeare, Otelo, ganhou um novo olhar de jovens artistas de Brasília com a peça DesdeSempre, que traz uma visão mais contemporânea focada na realidade da violência contra as mulheres. A releitura conta com o apoio da IECAP Agência de Transformação Social, da Secretaria da Família e Juventude do DF e do Centro de Juventude. A peça é gratuita e estará em cartaz no Teatro Sesc Silvio Barbato, no Setor Comercial Sul, nos dias 7 e 8 de julho às 20h, e no dia 9 de julho, às 19h.

A atriz e estudante Malu Guimarães, 17 anos, conheceu o teatro através de um funcionário que entregou panfletos do Centro de Juventude na escola dela. Ela sempre gostou de arte e decidiu participar e ver no que ia dar. O DesdeSempre é a segunda peça que participa. “Eu espero que essa peça consiga ser um alerta, um sinal para as mulheres que sofreram ou sofrem alguma violência dentro de casa consigam denunciar.”

Para ela, a releitura pode falar também com os homens, para que eles possam ter a consciência de saber o que é certo e o que é errado, o que é elogio e o que não é, o que deve ou não ser dito. “É revoltante. A gente está gritando no palco, é um grito. A gente passou muito tempo engasgado, a obra é de 1603, e até hoje acontecem casos de feminicídio”, declara. “Várias mulheres já gritaram, mas parece que as pessoas ainda estão surdas. Mas cada grito e cada palavra é importante”, frisa Malu.

O enredo do espetáculo nasceu com o estudo dos jovens artistas após a leitura do Ato V, Cena II de Otelo, em que duas mulheres são assassinadas pelos seus maridos. De acordo com o diretor da peça, Dill Diaz, os alunos começaram a ler a obra como uma forma de se aproximarem do clássico shakespeariano. Para ele, é fato que Shakespeare não estava falando sobre as mulheres quando escreveu Otelo. Mas essa releitura, feita por esses jovens, sim. “Esse trabalho realizado pelos jovens é a soma de vozes que clamam por mudanças e que evidenciam as diversas violências que acometem os corpos femininos”, afirma.

São 45 artistas do Centro de Juventude que compõem o grupo, jovens dos módulos I e II da oficina de teatro, na jornada por um espaço cultural na cidade para debater temas urgentes do dia a dia. Os alunos reunidos, se sentiram provocados a falar sobre o tema do feminicídio. A atriz Clara Luz, 22 anos, conta que reparou bastante durante o filme, na intenção de fala das personagens. “Principalmente da personagem Emília e todas as falas marcantes dela”. Para ela, depois que é percebida essa familiaridade com a personagem, é muito mais doloroso assistir a morte dessas personagens no filme.

Clara considera que um pouco da vivência de ser mulher, das experiências de vida e de conhecer outras vivências, a ajudou a observar esse tom mais contemporâneo neste clássico. “Todas nós temos um relato para contar, e eu em específico trabalho com necrópsia, com pessoas mortas”, adiciona. Ela viu vários casos de feminicídio durante o estágio. “Recebi muitos casos em que a vítima era de feminicídio e vi essa realidade bem próxima”.

Para ela, é doloroso e difícil abordar esse tópico na arte, porque é difícil de sair. “Engasga, mas depois que sai e você vê que todo mundo tem alguma coisa parecida para contar, é até um pouco libertador colocar para fora”.

Os profissionais do setor cultural local, como Marcelo Lucchesi, Lacerda Rodrigues, Manu Maia e Doug Zanon, estiveram envolvidos na preparação e nos ensaios desses jovens. A peça vai contar com cenas do texto original, e também com relatos pessoais. Dill frisa que nem toda atriz que está interpretando, foi a autora do relato, mas eles são relatos reais. A produção faz parte do ‘teatro-palestra’, em que, com a ajuda de informações, matérias, dados de pesquisas e outras coisas, a história vai ser contada diante do público. O diretor complementa que no próximo fim de semana, eles vão falar de amor em um outro espetáculo no Sesc Ceilândia. “Depois de falar da ausência dele, onde a brutalidade impera, essas mesmas atrizes vão atuar no espetáculo Delirante, porque falar de amor no Brasil tem que estar realmente em delírio”.

Serviço
Espetáculo DesdeSempre

Dias: 07 e 08 de julho às 20h / 09 de julho às 19h
Local: Teatro Sesc Silvio Barbato, Ed. Presidente Dutra. Setor Comercial Sul – Quadra 2
Ingressos gratuitos no Sympla

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