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Teatro e Dança

Óperas de Brecht e Weill desbancam heroísmos com libretos didáticos

Cantadas em alemão, mas com supertítulos projetados sobre a cena, as duas óperas trazem um belo time de cantores

FolhaPress

12/05/2023 15h43

Foto: Divulgação

João Batista Natali

O Theatro São Pedro estreou nesta quinta-feira um espetáculo com duas curtas óperas escritas pelo dramaturgo Bertolt Brecht e pelo compositor Kurt Weill -“Aquele que Diz Sim” e “O Voo através do Oceano”.

O espetáculo, com récitas diárias até domingo (14), traz como ponto alto a regência do maestro americano Ira Levin, que já foi o regente titular do Theatro Municipal de São Paulo e hoje mora no Brasil. Ele levou a orquestra do teatro a interpretar as duas peças com a sonoridade derivada de suas raízes de Berlim ao final dos anos 1920, na República de Weimar.

Os músicos, com uma partitura que suprimiu as violas, mas previa inesperados saxofones, interpretaram com a precisão de um grande conjunto de câmara. Eles repetem no São Pedro o desempenho, também regido por Levin, dos programas da dupla Brecht-Weill em “Os Sete Pecados”, em 2011, e “A Ópera dos três vinténs”, no ano passado.

O libreto das duas óperas é simples, construído como prática do didatismo numa época em que Brecht e Weill projetavam extrapolar dos sisudos recintos líricos e conviver com o público expandido do rádio. A linguagem exigia simplicidade.

Em “Aquele que Diz Sim”, baseado em um conto japonês, um garoto acompanha seu professor numa longa e acidentada viagem para a obtenção de um medicamento para sua mãe. Mas o jovem personagem adoece com os sacrifícios físicos e precisa cumprir uma profecia: atirar-se de um labirinto por não ter cumprido seu projeto. Ele diz “sim” a esse sacrifício.

A ópera havia sido produzida uma única vez no Brasil, em encenação paulistana de 1960. Estava desde então engavetada.

A segunda peça do programa é inédita e está em sua estreia brasileira. O voo ao qual o título se refere é o grande acontecimento jornalístico de 1927, quando, obtendo êxito num feito em que antes dele dezenas fracassaram, o americano Charles Lindbergh fez em 33 horas um voo solitário sobre o Atlântico. Decolou de Nova York e aterrissou em Le Bourget, pertinho de Paris, com o monomotor Spirit of Saint Louis.

A ópera estreou em 1928. Depois disso, no entanto, Lindbergh se transformou de herói nacional a não-respeitável simpatizante do nazismo, tendo sua boa imagem reconfigurada -o escritor Philip Roth abordou isso em “Complô contra a América”.

Pois bem, Brecht, um marxista e na época próximo de Moscou, reescreveu o libreto da ópera e deixou de lado os festejos ao heroísmo inicial do aviador.

A montagem, dirigida por Alexandre Dal Parra, é uma soma bastante original de recursos cênicos relativamente conhecidos. Por exemplo, os 12 cantores do coro -maneira brechtiana de evocar o didatismo do teatro grego- espalham-se pela plateia ou cantam alinhados diante do fosso da orquestra.

Na primeira das óperas esses cantores circulam uniformizados com uma malha escura e a inscrição “little boy” (menininho) em letras claras -menção ao personagem que sai em busca do remédio, mas que pode também simbolizar outras coisas, como o apelido militar da bomba de Hiroshima, que vitimou o país do qual a história é originária.

Um ator empunha uma câmera de vídeo que projeta as cenas sobre um tapume que fecha a parte dianteira do palco. É uma espécie de tela que amplifica as caretas do rosto dos cantores ou a iluminação de lanternas que eles empunham e que provocam um bom efeito de sombras e claridade.

Cantadas em alemão, mas com supertítulos projetados sobre a cena, as duas óperas trazem um belo time de cantores, como Luciana Bueno, Manuela Freua, Vitor Bispo e Anderson Barbosa.

Mais algumas observações: a dupla de alemães que escreveu a música e o libreto foi objeto no passado de um culto que se devia à influência do marxismo no pensamento das esquerdas. Mas isso desapareceu com o colapso do Leste Europeu e o fim de seus modelos políticos. O que acabou por afetar a credibilidade dramática de Brecht e Weill.

O que se vê hoje -e o Theatro São Pedro reflete bem esse clima- é um outro tipo de leitura dessas peças fabulosas do repertório, que nos encantam em termos estéticos e nos fazem pensar.

‘AQUELE QUE DIZ SIM’ E ‘O VOO ATRAVÉS DO OCEANO’
Avaliação Muito bom
Quando Sex. (12) e sáb. (13), às 20h; dom. (14), às 17h
Onde Theatro São Pedro – r. Barra Funda, 171, São Paulo
Preço R$ 30 a R$ 100
Autoria Kurt Weill e Bertolt Brecht
Elenco Manuela Freua, Luciana Bueno, Flávio Leite, Vitor Bispo
Direção Ira Levin e Alexandre Dal Farra

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