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Teatro e Dança

Círculo de Atores faz boa versão de Bernard Shaw, mas perde em adoração

O coração da peça, do grupo Círculo de Atores, pulsa todo em torno da interpretação. É uma marca forte do grupo, como também da diretora

FolhaPress

30/01/2023 13h56

Foto: Divulgação

Paulo Toledo
São Paulo – SP

É difícil sair do espetáculo “O Dilema do Médico” sem se impressionar com o conjunto das atuações. São atores e atrizes que se afastam dos vícios exibicionistas da profissão e atuam coletivamente, se escutam em cena, compreendem o que dizem e a importância dos gestos na construção do papel. Parecem recursos óbvios desta velha arte, mas não são.

O coração da peça, do grupo Círculo de Atores, pulsa todo em torno da interpretação. É uma marca forte do grupo, como também da diretora Clara Carvalho, que carrega a experiência de vários anos de trabalho como atriz junto ao Grupo Tapa, de São Paulo.

Desde a criação do Círculo de Atores, em 2013, o autor irlandês Bernard Shaw é o principal objeto artístico do grupo. “O Dilema do Médico” é a quinta produção a partir de obras do autor. Escrito em 1906, o texto coloca um cena um debate que adquiriu atualidade: o dilema do título se refere a escolha que o médico deve fazer quando se depara com mais doentes do que recursos e é obrigado a decidir quem salvar.

Durante a pandemia, todos se lembram, profissionais de saúde do mundo todo também viveram momentos nos quais foram obrigados a escolher para qual doente forneceriam um respirador e qual seria deixado para trás.

Shaw, contudo, não apresenta apenas os aspectos filosóficos da questão. Seus personagens não são o que se pode chamar de paradigmas íntegros da medicina. São médicos oportunistas, charlatães, ególatras e carniceiros; sempre ávidos para transformar seus -duvidosos- conhecimentos no ofício de Hipócrates em ganhos monetários ou fama. Um dos personagens enriqueceu ao colocar um letreiro em seu consultório dizendo “cura garantida”, embora sempre receite um placebo qualquer; outro fez fortuna fazendo cirurgias inúteis.

Vemos a prática da medicina movida pela vaidade, pela cobiça e por procedimentos aleatórios. Na peça, os doutores são quase todos uns palermas preocupados sempre com eles mesmos. O debate de fundo trágico na peça escrita por Bernard Shaw convive, portanto, com uma raivosa sátira da profissão.

A montagem brasileira consegue lidar muito bem com essa duplicidade. As cenas deixam evidente a dimensão profunda do dilema, sem desativar o tratamento satírico que o autor dá aos médicos e à mercantilização da medicina.

Tudo, portanto, funciona bem. Atuações, rigor técnico da montagem, comicidade, compreensão da obra. O espetáculo é ótimo. Mesmo assim, há algo que o impede de ir além. O debate e a sátira da peça são atuais, é verdade. Dizer isso, contudo, é diferente de dizer que a peça escrita há mais de cem anos é uma obra universal, um clássico que dialoga com todo e qualquer tempo. Talvez sequer existam obras assim. O potencial crítico que há no texto de Shaw perde força justamente na reverência desmedida que o grupo presta a ele.

É verdade que o debate ético-filosófico e a sátira da medicina fazem pensar sobre a nossa sociedade atual, mas, em contrapartida, o idealismo do artista amoral Louis Dubedat, um dos candidatos a receber o tratamento contra a tuberculose na peça, soa ingênuo e fora de época.

A montagem abraça a visão romântica e quase religiosa que vê a arte como um espécie de categoria universal, eterna, pulsão criadora que faz a ciência “vergar os joelhos”, quase como um tipo de revelação. Também aceita muito rapidamente os traços melodramáticos que rondam a peça de Shaw, transformando o debate social em sentimentalidades individuais.

Existe sempre um paradoxo quando se monta um texto antigo –para se aproximar de sua força é necessário se afastar dele, isto é, criticar, desconfiar, reposicionar historicamente ou mesmo reescrever suas linhas. É esta atitude mais livre e autoral que ainda deixa a desejar no trabalho do Círculo de Atores e na direção de Clara Carvalho. A sublimação do que é histórico funciona no museu, mas quase nunca no teatro. Mesmo que o palco inspire ares antigo, precisa sempre expirar no agora.

O DILEMA DO MÉDICO
Avaliação Muito bom
Quando Até 26 de março. Sex. e sáb., às 20h, e dom., às 19h
Onde Auditório do MASP – Av. Paulista 1578
Preço R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia)
Classificação 14 anos
Autor Bernard Shaw
Elenco Sergio Mastropasqua, Iuri Saraiva, Bruna Guerin
Direção Clara Carvalho
Link https://www.sympla.com.br/produtor/odilemadomedico

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