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Música

Mulheres reclamam de preconceito no cenário musical 

Destaques femininos do ramo analisam a disparidade de gênero no mercado da música 

Agência UniCeub

24/09/2019 13h15

Clara Lobo e Patrícia Martins
Jornal de Brasília/Agência UniCeub

Uma luta por mais voz (literalmente) na profissão.  No mundo da música, cantoras, produtoras, DJs reclamam de falta de espaço e de equidade de condições com os homens. . Desde o movimento punk “Riot Grrrl”, que surgiu há mais de 20 anos nos Estados Unidos e depois se espalhou para outros países, as mulheres deram visibilidade à luta por  destaque no cenário musical. No entanto, a disparidade de oportunidades   na indústria da música ainda é notória, como mostra o relatório “Por elas que fazem a música”, publicado em 2018, pela União Brasileira dos Compositores (UBC).

O levantamento feito pela professora Stacy Smith, da Universidade do Sul da Califórnia (USC), indica que, nos último sete anos, as listas Hot 100 da Billboard mostram que apenas 22% das músicas são interpretadas por mulheres, 12% são composições femininas e 2% das canções são produzidas por elas. 

O desajuste também ocorre no mercado nacional. A primeira edição do estudo “Por Elas que Fazem a Música”, realizado em 2017, mostra que apenas 14% dos associados à UBC, são mulheres. Quanto aos valores arrecadados, a renda média das mulheres associadas é 28% menor do que a dos homens. 

A coordenadora da pesquisa, Elisa Eisenlohr, em entrevista para a reportagem, afirma que  a motivação para realizar um estudo tem relação com a baixa participação da mulher artista no mercado musical.  “A gente sempre ouve dizer que o Brasil é o país das cantoras, mas analisando os dados coletados, eu percebi que a participação feminina era na verdade muito baixa. Ao longo dos anos, achei que seria interessante fazer um relatório só disso para levantar a consciência e tentar fazer com que as pessoas mantenham isso em mente e façam algo”.

A pesquisadora  explica que a música não está descolada da sociedade, e reflete que o mercado  hoje é patriarcal. Ela acrescenta  que é um momento de mudança para as próximas gerações. “ Quanto mais a gente mostrar que tem mulheres nessas posições pouco ocupadas, mais as gerações que estão vindo terão referências para se espelhar. O fato é que ter poucas mulheres na música certamente faz com que a gente perca um potencial criativo enorme”.

 “Ter poucas mulheres na música certamente faz com que a gente perca um potencial criativo enorme.”

Dados divulgados pela Casa da Música Escuta as Minas, um projeto criado pelo plataforma streaming de música Spotify, também mostram a desigualdade de gênero na indústria musical. De acordo com a pesquisa realizada pela plataforma, no mundo, as mulheres são apenas 12,3% dos compositores, 2,1% dos produtores e 10,4% dos indicados ao Grammy nos últimos sete anos.

“Essas meninas tocam alguma coisa?” 

Tatiana Valente é uma das integrantes e fundadoras da banda brasiliense Maria Vai Casoutras. O grupo, que existe desde 2012,  é uma banda de percussão exclusiva de integrantes mulheres. 

A produtora conta que a ideia de criar uma banda com o conceito de protagonismo feminino surgiu de uma observação do mercado cultural da época, em que a maioria dos grupos eram compostos apenas por homens. Assim, ela e mais três amigas decidiram ir a fundo no projeto. 

Integrantes da banda Maria Vai Casoutras. Foto: Divulgação

“A gente queria criar uma banda com um conceito diferente, mesmo sabendo que isso também poderia gerar uma barreira e algum tipo de preconceito. ‘Ah, mas uma banda feminina. Essas meninas tocam alguma coisa?’  E, de fato, tivemos que lidar com isso em algumas situações, como de discriminação“.

Preconceito

Como produtora musical da banda, Tatiana acredita que o machismo na produção musical não parte só dos homens. “Esse tipo de preconceito permeia inclusive dentro do próprio público feminino. Há muitas bandas que são compostas por mulheres, mas que a produção é feita por homens”.

Do total dos rendimentos de direitos autorais distribuídos para produtores fonográficos, apenas 3% são de mulheres, contra 97% de homens, aponta pesquisa da UBC. , Tatiana percebe que a porcentagem desigual pode ser resultado de uma indústria que, por muito tempo, foi dominada por homens. “As mulheres ainda estão começando a se mostrar no mercado e a ter destaque no mundo musical que, até então, era essencialmente masculino”.  

Entretanto, ela , também observa que as mulheres estão cada vez mais atuantes na cena. “Atualmente, já tem muitas produtoras musicais investindo na economia criativa. Vejo muito isso quando organizamos o bloco de Carnaval, que ainda tem muitos representantes masculinos, mas já pode-se perceber a presença de mais mulheres na parte da organização cultural”.

Projeto Mais

A pauta do empoderamento feminino transcende à banda. A percussionista relembra que logo quando criaram o grupo, as integrantes tinham grande interesse em aliar à parte musical  alguma ação social. Dessa ideia surgiu o “Projeto Mais”. “Dentro do nosso projeto como banda, tínhamos como norte traçar ideias que fossem vinculadas a questões da mulher”. 

“Conseguimos fazer uma parceria junto com a Casa Abrigo, onde são acolhidas mulheres que sofreram violência e buscam proteção do Estado. A gente via o protagonismo feminino como algo que buscamos abraçar a causa. Então, desenvolvemos em paralelo o Projeto Mais, que é: mulher, arte, informação e sociedade”, explica.

A produtora ressalta que, com a criação do projeto, a equipe começou a desenvolver atividades com as mulheres da Casa Abrigo, como oficina de artesanato, de música e capacitações. “Além das oficinas, o intuito principal do Projeto Mais é trabalhar e fortalecer a autoestima das mulheres. Assim, elas se empoderam para seguir o próprio caminho, seja no âmbito emocional, profissional ou musical”.

Artista e produtora premiada 

A artista brasiliense DJ Donna foi reconhecida na categoria “Melhor DJ 2018”, no Women’s Music Event (WME), evento voltado para prestigiar as mulheres brasileiras na música. Além da premiação, o WME também reúne shows, painéis e debates para promover a inclusão da mulher na música.

“A qualificação no seu trabalho, no que você ama, acaba silenciando muito macho sem noção.”

DJ Donna. Foto: Arquivo pessoal

“Foi surreal. Tanto ganhar, quanto ver de perto toda a movimentação e reconhecimento das Mulheres (a artista sempre se refere às mulheres com letra maiúscula).  Em diversas áreas da música. Sempre acreditei que se não nos abrem oportunidades, nós mesmas criamos umas para as outras e isso é maravilhoso”, comentou Donna sobre a premiação.

Além de DJ, Donna também é produtora cultural e diz que teve que lidar com obstáculos ao longo da carreira. “Sempre enfrentei dificuldades criadas pelo machismo. Ainda acontece, mas a diferença é que hoje sei lidar melhor com isso. A qualificação no seu trabalho, no que você ama, acaba silenciando muito macho sem noção”.

Donna acredita que a indústria musical mudou muito desde quando entrou, há 18 anos. “As Mulheres invadiram a produção de eventos, criando oportunidades para que outras pudessem se inserir, qualificando e encorajando umas às outras.”

Além da música

“O Hip Hop sempre nos exigiu muita qualificação. Em um movimento ainda tomado por homens, quando uma Mulher passa para as outras suas experiências, existe uma delicadeza, um conforto, confiança e, principalmente, a vontade de alimentar a garra para que não desistam mesmo diante de todas as dificuldades”, comenta a DJ.

Diante do que enfrentou para se qualificar como mulher dentro do movimento Hip Hop, Donna tomou a iniciativa de criar os projetos: “Conexões Urbanas – Impressões Femininas na Cultura de Rua” e a “Oficina de Discotecagem para Mulheres”. 

O projeto ‘Conexões’ é composto por oficinas e workshops  onde são trabalhadas a formação profissional, social e individual das mulheres. A ‘Oficina de Discotecagem’ busca despertar o interesse pela profissão de DJ e apoiar a criação de emprego e renda a partir da música. A iniciativa oferece aulas práticas que ensinam sobre equipamentos e técnicas de mixagem para Mulheres*.

100% profissional

A cantora brasiliense Moara (foto em destaque) diz que já enfrentou o machismo na carreira. “Desde o primeiro show que fiz na minha vida, eu tive problemas com homens. A partir de então, eu entendi o que estava por vir e soube que a minha postura naturalmente mudaria.” 

Moara leva uma vida agitada como musicista, empresária e produtora. “Eu faço 100% das coisas da minha vida, tanto pessoal como profissional. Demanda muito tempo, muita organização e muita dedicação. Mas eu cheguei a grandes lugares com o meu próprio trabalho”. 

Ela diz que a vivência na indústria modifica o olhar “nos endurece”. Ela recorda que mudou o comportamento em função das condições.  “Ficar quase que imediatamente mais dura e mais assertiva quando estava no palco tendo que lidar com um homem”. A artista, de 26 anos, reflete que a experiência da vivência é o que traz voz e força às mulheres. 

“Ser uma mulher na indústria é poder falar o que eu quero falar”

No canto desde os 18 anos, Moara percebe o mercado musical feminino como um local de fala: “Ser uma mulher na indústria é poder falar o que eu quero falar, o que eu falaria no mundo real”. A artista reconhece que a fala das mulheres ainda é legitimada e muitas vezes não aceita pela sociedade, mas acredita que se tem conquistado um maior espaço no mercado musical.  

Sobre as estatísticas publicadas pela Casa da Música Escuta as Minas, Moara assusta-se com o número desigual de mulheres na indústria da música. “Eu faço parte dos 12,3% de compositoras. É um absurdo este número, mas acho que estamos nos mostrando mais. Não precisamos de homens para falar sobre o que pensamos”. A artista entende a situação como um reflexo da sociedade machista e patriarcal e acredita que é um processo de evolução. 

Entretanto, mesmo com a disparidade de gênero significativa no mercado musical, a cantora e compositora acredita em um crescimento no número de mulheres na música. “O progresso da mulher na indústria é inevitável. Estamos sem paciência de sermos deixadas para trás. E percebo que este espaço, que é nosso, tem sido cada vez mais ocupado por nós, pelo simples fato de não aguentarmos mais”. 

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