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Música

Björk, que canta no Brasil em novembro, diz que novo álbum é ‘toca dentro de casa’

Cantora islandesa, que encabeça um dos dias do festival Primavera Sound, em São Paulo, lança seu 10º disco, ‘Fossora’

FolhaPress

21/09/2022 18h39

Foto: Divulgação

DIOGO BERCITO
WASHINGTON, EUA

Björk desceu do céu e pousou na terra. A cantora islandesa cavoucou um buraco aconchegante, aninhou-se dentro dele e escreveu seu novo álbum, “Fossora”, que lança no próximo dia 30. É um disco sobre espaços subterrâneos, cidades feitas de fungos e o retorno do nosso corpo à terra.

Em uma conversa com a reportagem por telefone, Björk descreve o disco como “uma toca dentro de casa”. “Você está tão à vontade que fica tempo o bastante para criar raízes”, diz. A ideia reflete sua própria jornada de retorno à Islândia, onde vive em definitivo depois de décadas no exterior.

A cantora –que vem ao Brasil em novembro como headliner do Primavera Sound– busca imagens para falar de sons. Vai escavando montanhas e lapidando metáforas certeiras. “Fossora” soa mesmo como estar com o pé no chão, sentindo a terra úmida entre os dedos. O título evoca seu significado –é o feminino do latim “fossore”, aquele que escava.

Björk consegue transmitir essa sensação de aterramento por meio da escolha inusitada de instrumentos. A pedra angular do álbum é um sexteto de clarones, que são clarinetes mais graves.

“Queria pousar no solo e ir fundo”, diz. É o oposto sônico de seu disco anterior, “Utopia” (2017), que ela descreve como “uma cidade nas nuvens” marcada por sons agudos. “Era como flutuar no céu ouvindo flautas.”

Em seus últimos trabalhos, Björk surpreendeu ao inventar novos instrumentos musicais. Foi o caso, em especial, de “Biophilia” (2011). “Se você não está feliz que algo não existe no mundo, você precisa criá-lo”, diz. Em “Fossora”, no entanto, a cantora canaliza sua criatividade não para construir novos instrumentos –e sim para pensar em novas maneiras de utilizar os que já existem.

“Eu estava a fim de pegar um instrumento para o qual é difícil escrever e tentar criar cores diferentes com ele”, Björk conta. Ela explica que, na canção “Atopos”, usou os clarones para pintar um ritmo agressivo. Em “Victimhood”, buscou um território mais melancólico, romântico. Já em “Fungal City” soprou tons alegres. “Se deu certo, já é outra conversa”, diz.

Björk, uma introvertida assumida, fala com uma modéstia que parece sincera. “Acho que em todos os meus álbuns eu sempre tento voltar à escola de música. Sempre tento aprender ao menos um software novo, fazer algo que nunca fiz”, diz. “Todos somos estudantes. Sábios e estúpidos. Não tem a ver com a idade.”

“Fossora” tem mesmo essa coisa de estar externo ao tempo, de ser um álbum maduro e ao mesmo tempo inocente. O disco mescla faixas leves, como “Atopos”, com outras duríssimas, como “Ancestress”. “Muitas das canções são calmas nos primeiros três ou quatro minutos e, de repente, no último minuto, você se levanta e dança, e depois se senta de novo”, Björk explica.

É um reflexo dos tempos. Björk passou a pandemia da Covid-19 na Islândia caminhando em praia gélidas. Ela tinha a alegria de receber amigos em casa e transformar a sala de estar em pista de dança, com música eletrônica pesada. Mas viveu também a dor de perder sua mãe, Hildur Rúna Hauksdóttir.

Duas faixas de “Fossora” homenageiam Hildur Rúna. Na oração funerária “Sorrowful Soil”, Björk diz que “em solo triste cavamos nossas raízes”. No epitáfio “Ancestress”, lamenta que “quando você morre, leva consigo o que você deu”. A melancolia, nesse trecho, é areia escorrendo pelos dedos. Mas a cantora diz que não estava em busca de catarse, de curar feridas. “Estava mais preocupada em celebrar a vida dela, dar crédito pelas coisas boas que fez”, afirma.

Uma frase, em especial, corta fundo em “Sorrowful Soil”. Björk repete à mãe, diversas vezes: “Você se deu bem. Você deu seu melhor”. Ela explica que teve a ideia há alguns anos, quando visitou o avô no hospital e leu um panfleto com conselhos para familiares de doentes terminais.

“Antes de morrer, as pessoas querem saber se elas se deram bem. Tentei falar isso para a minha mãe, mas talvez não tenha sido o suficiente”, diz. “Às vezes você coloca na música algo que não teve oportunidade de expressar.”

Pensando na frase, Björk se deu conta também de que havia musicalidade. Era um mantra. “O ritmo era muito interessante. Você se deu bem, você se deu b-b-b-b-bem. Como se eu estivesse tentando enfiar isso na consciência deles antes que partissem.”

Como em seus outros álbuns, Björk presta atenção não só na música mas também em como embrulhá-la em imagens. Explica que, como uma carta de tarô, a capa de “Fossora” está repleta de símbolos. As cores escuras remetem à terra. O fato de que ajoelha sinaliza sua conexão com o solo. Todos os elementos visuais estão embaixo dela, marcando sua descida do céu para a terra.

“Fossora” é seu décimo álbum. Celebrando o marco, Björk lançou também uma série de podcast chamada “Sonic Symbolism”, em que conta a história de cada um de seus discos. Em geral, a cantora tem falado bastante do passado, talvez com o saudosismo de quem chegou aos 56 anos.

Na faixa “Ovule”, do novo álbum, ela faz uma espécie de resumo de sua vida amorosa, por exemplo. A canção diz: “Quando eu era uma garota eu pensava que o amor fosse uma construção na direção da qual eu estava caminhando, mas divórcios mortais demoníacos demoliram o ideal”.

Na conversa com a reportagem, Björk fala bastante do passado. Lembra, inclusive, de como chegou à música brasileira, que marcou sua carreira. A faixa “Human Nature” tem um sample de Tom Jobim, “Isobel” foi inspirada por Elis Regina e Björk encontrou Milton Nascimento quando esteve no Brasil –as fotografias dos dois juntos volta e meia reaparecem nas redes.

“Uma das razões pelas quais tenho afinidade com o Brasil é porque consigo ouvir a natureza nos sons, que são ao mesmo tempo modernos e relevantes”, diz. “São músicas que você pode dançar, mas as letras são alta poesia.”

Björk ouvia música brasileira nos anos 1980, quando era raro um vinil chegar à isolada Islândia. Juntava dinheiro o inverno todo para ir ao exterior. Trazia álbuns para a ilha e saía emprestando para os amigos.

“Às vezes só havia uma cópia circulando, e geralmente era no momento errado. Se um disco saía em 1976, a gente ouvia em 1981, e estava pouco se lixando”, conta. “Eu meio que gosto disso. Os meus CDs favoritos eu ouvi no ano errado. Um bom álbum é um bom álbum.”
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FOSSORA
Quando: 30 de setembro
Onde: Nas plataformas digitais
Autor: Björk
Gravadora: One Little Independent Records

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