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Literatura

Ivy Compton-Burnett, autora comparada a Virginia Woolf, sai no Brasil pela 1ª vez

O nome de Ivy, uma autora enaltecida por vários críticos da época, foi minguando, década após década, dos ensaios e das livrarias

FolhaPress

31/05/2023 10h34

Foto: Reprodução

Guilherme Pavarin
São Paulo – SP

Em 31 de março de 1941, Virginia Woolf escreveu em seu diário que havia perdido o sono ao lembrar das críticas a seu romance “Os Anos”, publicado quatro anos antes. Um comentário em particular, de um resenhista britânico, martelava em sua cabeça. “Minha escrita é muito inferior à amarga verdade e à intensa originalidade de Miss Compton-Burnett”, anotou, copiando o trecho que a incomodava. “Essa dor me acordou às quatro da manhã e sofri muito.”

Mais de 80 anos após sua morte, não existem dúvidas a respeito do lugar de Virginia Woolf na história da literatura. Já em relação à escritora com a qual ela foi comparada, não se pode dizer o mesmo. O nome de Ivy Compton-Burnett, uma autora enaltecida por vários críticos da época, foi minguando, década após década, dos ensaios e das livrarias.

Nos últimos anos, porém, editores e escritores estão redescobrindo o valor da sua obra. Depois de ser reeditada no Reino Unido e ser incensada por nomes como Hilary Mantel, Ivy Compton-Burnett teve sua primeira obra publicado no Brasil pela Edições Jabuticaba, “Párocos e Mestres”, de 1925. A tradução ficou a cargo de Vilma Arêas, que já verteu textos de Anne Carson, e Marcelo Lotufo, fundador da editora.

Híbrido de prosa e teatro, “Párocos e Mestres” foi escolhido pela dupla por ser o primeiro livro reconhecido pela autora -o de estreia, “Dolores”, um romance aos modos de Jane Austen, foi renegado por ela até o fim da vida.

No título que agora chega ao Brasil, Ivy faz um retrato crítico de uma escola preparatória inglesa para meninos no começo do século 20. O estilo é de uma prosa seca, quase toda construída por diálogos, com a mínima interferência do narrador e nenhuma descrição dos ambientes. Uma estética que, segundo a crítica Barbara Hardy, era “inovadora como Joyce e Woolf, mas mais acessível e menos teórica”.

“É por meio dos diálogos bem construídos em diferentes situações que ela monta as nuances e descrições do romance”, diz Vilma. “Não são diálogos realistas. É na escolha das palavras que você percebe as ironias, as intimidades, as questões de classe.”

Assim como seus narradores, Compton-Burnett era uma pessoa discreta. Viveu boa parte da vida com Margaret Jourdain, também escritora, no seu apartamento em Londres. Era tão reservada que, quando terminou “Párocos e Mestres”, Jourdain ficou surpresa com o fato de que a companheira tinha escrito um romance sem que ela percebesse.

De origem rural e formada em estudos clássicos na Universidade de Londres, Compton-Burnett costumava dizer que sua vida era monótona e desinteressante. Ela aparecia pouco nos jornais e não desafiava o “establishment” como os modernistas da época. A relação com o grupo de Virginia Woolf e seu marido Leonard não era nada afetuosa.

Em 1929, a escritora enviou seu livro para ser publicado pela Hogarth Press, a editora dos Woolf, mas foi recusada. Em seu diário, em 1937, Virginia comentou que “havia algo descolorido em Miss Compton-Burnett: como um cabelo que nunca teve cor”.

Ivy nunca escreveu sobre os Woolf, mas há um registro da escritora francesa Nathalie Sarraute em que esta pergunta se a autora chegou a conhecer Virginia. Ivy responde que a viu duas ou três vezes. “Não gostei dela, uma esnobe terrível.”

Em “Párocos e Mestres”, além de satirizar costumes e estratos sociais, Compton-Burnett aborda temas como a subserviência feminina, o despreparo de professores e a sexualidade não normativa. Ainda assim, tudo é apresentado de maneira sugestiva, muito aberta.

“A Ivy parece muito cética”, diz Lotufo. “Não dá lugar a grandes questões presentes nas obras de Proust e de muitos modernistas, por exemplo.” Para Vilma, trata-se de uma forma pensada para criar um humor mais incisivo. “Ela faz uma coisa bruta e seca, o que hoje faz ela soar como moderna.”

O aspecto sugestivo e afiado, porém, não implica em uma literatura fácil. Mesmo seus admiradores mencionam uma demora para apreciar o estilo de Ivy. “Não parava de repetir a mim mesma que não gostava daqueles romances”, escreveu Natalia Ginzburg em dezembro de 1969, meses depois da morte da autora inglesa. “Mas de repente eu os amava com fúria. Neles reinava uma clareza alucinante, nua e inexorável.”

Hilary Mantel foi outra. Em entrevista para a revista New Republic, em 2014, disse que achava o texto de Compton-Burnett desajeitado e com tramas ruins. Mas passou a adorá-la ao perceber que era uma literatura que exigia “esforço e atenção reais”, com “diálogos apaixonados, intelectuais e elegantes”.

Outros romancistas conceituados que teceram elogios aos livros de Ivy foram Graham Greene e Pamela Hansford Johnson. Em parte por Ivy ter tantos admiradores célebres em épocas diferentes, o sumiço da autora intriga os pesquisadores.

Para Lotufo, pode estar ligado ao isolamento da escritora em relação à cena literária da época. Resgatar sua obra seria uma maneira de enriquecer os estudos literários sobre esse momento da história. Vilma não arrisca uma teoria para o apagamento de Ivy. Limita-se a uma frase que poderia servir como uma descrição do estilo da autora, que aos poucos volta a intrigar os leitores: “É estranhíssimo.”

PÁROCOS E MESTRES
Preço R$ 40 (188 págs.)
Autoria Ivy Compton-Burnett
Editora Edições Jabuticaba
Tradução Vilma Arêas e Marcelo Lotufo

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