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Entenda a ‘Cosmococa’, de Hélio Oiticica e Neville D’Almeida, que faz 50 anos

A inspiração, conta D’Almeida, foi precisamente o artista e músico americano John Cage, um dos maiores renovadores musicais do século 20

FolhaPress

15/03/2023 9h13

Foto: Reprodução

Danilo Thomaz
São Paulo – SP

Quem entrasse no castelinho da Escola de Artes Visuais do Parque Lage na noite da última segunda-feira, 13 de março, sem qualquer informação prévia da obra “Cosmococa”, dos artistas Hélio Oiticica e Neville D’Almeida, jamais diria se tratar de uma efeméride de exatos 50 anos de uma das criações mais radicais da arte brasileira.

Um grupo de pessoas, em sua maioria jovens, esbeltas, de roupas de banho, saindo e entrando da piscina, ao som de ritmos instrumentais, sob luzes verdes e azuis. Em cada extremo da borda, dois telões onde eram exibidas imagens do livro “Notations”, do compositor americano John Cage, que dava a trilha da noite, com uma coleção de seus manuscritos musicais, na capa do qual Oiticica e D’Almeida fizeram intervenções artísticas, as “mancoquilagens”.

Tudo isso era demais. Até para a arte contemporânea. É a “Cosmococa”. No caso, a “Cosmococa 4 Nocagions”. Uma experiência que permanece radical -e, felizmente, celebrada sem qualquer solenidade- cinco décadas depois.

“Nunca esperei estar 50 anos depois aqui. A obra sobreviveu. Ficou mais importante. A gente tinha um conceito radical, fazer uma coisa que ninguém nunca tinha feito. Essa obra é a primeira instalação da arte contemporânea, interativa, audiovisual e sensorial”, conta D’Almeida, criador da obra com Oiticica.

A única a contar com a interação junto da água é a chamada “CC4”, dedicada aos poetas Augusto de Campos e Haroldo de Campos, criadores da poesia concreta junto com o poeta e intelectual Décio Pignatari. “Pela primeira vez na história da arte, uma obra que envolve água. Você convida à imersão. Nós temos participantes. Nós chamamos a participar, a estar dentro da obra.”

A inspiração, conta D’Almeida, foi precisamente o artista e músico americano John Cage, um dos maiores renovadores musicais do século 20, pioneiro da eletroacústica.

“Ele ousou escrever música de outra forma num país com a maior indústria musical do mundo. Uma transgressão de fato.” A ideia da dupla, que criou a série em Nova York, era realizar um filme. “Em vez do filme fizeram essa coisa que extrapola o filme”, conta César Oiticica Filho, artista e organizador da mostra “Cosmococa”. D’Almeida ficou encarregado dos desenhos e Oiticica, das filmagens, usando a câmera fotográfica como se fosse de cinema.

O evento no Parque Lage deu início à celebração dos 50 anos da “Cosmococa”, que faz parte do acervo do Instituto Inhotim, em Minas Gerais. Estão previstas ainda mostras em São Paulo, em um novo espaço da SP-Arte em parceria com a galeria Gomide & Co na vila modernista desenhada por Flávio de Carvalho, na capital, e na casa que pertenceu ao arquiteto, em Valinhos, no interior de São Paulo, também da “Cosmococa 4 Nocagions”.

A Lisson Gallery, em Nova York, deve mostrar a “Cosmococa 5 Hendrix War” e a “Cosmococa 2 Onobject” será exibida na The Mistake Room, em Los Angeles.

Hoje a série “Cosmococa” faz jus à ideia de Oiticica de que “o museu é o mundo”. Mas nem sempre a obra gozou do mesmo prestígio. Sua primeira exibição no Brasil foi há apenas 20 anos. “Tamanha audácia e inventividade dessa obra. Ela é muito avançada no tempo e no espaço”, afirma D’Almeida.

O artista multimídia atribui essa rejeição à obra ao preconceito e ao moralismo da burguesia.

“A cocaína se transforma em pigmento branco pela primeira vez na história da arte. Isso gera uma série de visões distorcidas baseadas no preconceito, na intolerância. Isso gerou um preconceito muito grande. Por que não usar esse material nunca usado antes?”, pergunta o artista. “A arte é transformação, a arte é transmutação O que interessa é o pigmento branco.”

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