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Berço de grandes bandas nacionais, festival Rock na Ciclovia volta à ativa

O idealizador do projeto, Philippe Seabra, dá detalhes da retomada em entrevista ao JBr

Rebeca Kemilly

04/08/2023 5h00

Atualizada 03/08/2023 17h58

Rock na Ciclovia no Parque da Cidade em 2017. Foto: acervo Rock na Ciclovia

Idealizado por Philippe Seabra e companhia, o festival Rock na Ciclovia está de volta neste sábado (5), após cinco anos de pausa. O retorno acontecerá na Chácara do Padre, no trecho 2 do Sol Nascente. Crucial para o crescimento e consolidação de nomes do rock brasileiro como Plebe Rude e Aborto Elétrico (que em seguida daria origem a Legião Urbana e Capital Inicial), o projeto começou em 1982, com o intuito de revelar para o mundo as bandas locais ainda pouco conhecidas.

Os shows neste sábado (5) acontecerão das 13h às 16h, com as bandas Ultra Metade, Intokáveis, Prisão Civil e Barbarella B. Tudo acontece no esquema ‘Do It Yourself’, como sempre. “Eu sou de uma época em que a gente tinha sede pelo novo, coisa que eu tô vendo se perder nas novas gerações. Falta aquela coisa de curiosidade intelectual, de querer ir atrás, sabe? De querer saber!”, conta Philippe Seabra, em entrevista ao Jornal de Brasília. O responsável pelo projeto também fala sobre o festival, expectativas e futuro. Confira:

Philippe Seabra, cantor, compositor instrumentista e produtor musical; vocalista da Plebe Rude. Foto: TV Brasil/Divulgação

O intuito do festival Rock na Ciclovia é, de fato, dar visibilidade às bandas?

Há anos, estou vendo o espaço da música autoral diminuir, e como produtor, isso me frustra muito. Então, a ideia é abrir mais um espaço para o rock autoral, no melhor ambiente para a contundência do rock se propagar, que é ao ar livre e durante o dia (ou fim de tarde). Os melhores e maiores shows sempre foram ao ar livre e em fim de tarde, então, eu tô revivendo esse clima. Não havia casas noturnas, casas de rock, na nossa época. A maneira que encontrávamos para poder fazer som era encontrar uma tomada numa lanchonete, num estacionamento, numa quebrada, e colocar o som para as pessoas apreciarem.

De que forma um festival como este é relevante para o rock brasiliense?

É importante divulgar o trabalho do pessoal. Eu fico um pouco angustiado vendo só sertanejo e essas porcarias tocando. E até aí tudo bem, é um país livre, a pessoa pode escutar a porcaria que quiser. Mas eu não tô vendo o rock conseguindo entrar. Como é que a gente vai ter novas bandas? Como os artistas vão aprimorar seu som, se eles não têm onde tocar? Quando eles tocam em alguma casa noturna, a galera pede para tocar cover, daí a banda se acostuma mal e vira banda cover, entendeu? Eu não posso deixar isso acontecer.

O pessoal é muito carente de rock, cara. E tem muito roqueiro nas cidades, mas, das duas uma: ou as pessoas vão ao barzinho ouvir somente rock cover, ou vão a um evento sertanejo se quiserem ter a experiência de um show grande. Então, a ideia do Rock na Ciclovia é levar a experiência de um show grande, só que com bandas autorais. Porque eu sou de uma época em que a gente tinha sede pelo novo, coisa que eu tô vendo se perder nas novas gerações. Falta aquela coisa de curiosidade intelectual, de querer ir atrás, sabe? De querer saber! Eu dou oportunidade para essas bandas se expressarem num palco bacana, digno.

Primórdios do festival com a presença do Renato Russo, em 1982. Foto: acervo Rock na Ciclovia

Qual a expectativa de levar para o Sol Nascente o Rock na Ciclovia, um festival que sabe o que é conviver com o adverso?

Ah, muito bacana. As raras vezes em que a gente conseguiu tocar no Sol Nascente foram fantásticas. E o Rock na Ciclovia é um festival que existe há décadas. As pessoas se esquecem que, bem no comecinho, a Plebe Rude e o Aborto Elétrico nem haviam nascido ainda. Os shows eram tão precários, não tinha nada, mas a gente botava fé e conseguia fazer o som. Pela postura, pela atitude. Hoje, é tanta documentação junto às autoridades que você fica meio zonzo. Até passei a ter mais respeito pelos produtores culturais. Você tem que ter equipamento seguro, a plateia tem que estar segura.

O Rock da Ciclovia era tão punk, tão ‘Do it yourself‘ (faça você mesmo)… quando a Defesa Civil chegava para avaliar o local, não tinha nada montado. “Eles falavam: ‘Cadê o equipamento?’, e a gente dizia: ‘Não, equipamento a gente monta duas horas antes do espetáculo. Rock and Roll chegou!'” Era tão fora do padrão que nem dentro dos moldes do poder público esse evento se encaixava. Isso é legal, porque o rock de Brasília não se encaixava. E olha o que aconteceu, olha a ressonância nacional que isso teve. Olha os milhões de discos, os filmes…

E isso não veio do vácuo, veio de um bando de moleques inconformados num ambiente em que éramos obrigados a mandar música para a censura, sabe? Até para tocar numa lanchonete no meio da rua, tínhamos que mandar música. Vivíamos numa ditadura, sob repressão, e olha só o que esse pessoal conseguiu fazer!

Eu estou querendo reviver esse espírito — e também dar um chute no rabo da nova geração e mandar todo mundo parar de ficar de braço cruzado, esperando, entendeu? Porque a minha geração não ficava esperando nada. A gente foi lá e tomou. E olha a ressonância nacional que teve. Olha quantos milhões de pessoas foram tocadas por esse som, pela postura, pela atitude, pela densidade das letras. E essa densidade não vinha de um vácuo, esse embasamento não vinha de um vácuo. Vinha uma clave na nossa inquietação. A inquietação de uma geração. 

Vocês pretendem levar o Rock na Ciclovia para mais regiões periféricas do DF e Entorno?

Sim, claro. Com o apoio do Sesc, a gente está conseguindo. Quero que isso entre permanentemente no calendário. Afinal, apesar de alguns hiatos grandes, esse evento ajudou a difundir inúmeras bandas e artistas, como a Plebe Rude, Legião Urbana, Mel da Terra, Liga Tripa, Por do Sol, Renato Matos. E vamos resgatar isso. Vamos ter essa nova geração de bandas e vamos ver as pessoas saindo de casa para assisti-las!

A Plebe Rude é um grande nome do rock nacional. Vocês pretendem trazer mais bandas de peso para o Rock na Ciclovia?

É um pouco mais difícil, porque é preciso bem mais estrutura. E a ideia não é isso, a gente quer ajudar as novas bandas. Tem muita banda legal. Engana-se, inclusive, quem diz que o rock está morto. O rock só não está aparecendo muito na mídia, acabando por ser engolido pelo arco do negócio que empurra seus artistas goela abaixo. Mas tem coisa legal por aí, e isso é importante, porque a gente está num momento cultural difícil no Brasil. Sempre teve música ruim na história da Música Popular Brasileira, mas sempre existiu o contraponto. Hoje, porém, a gente não está tendo esse contraponto, precisamos resgatar. Esse é o grande intuito do Rock na Ciclovia. Agora, também depende das bandas, viu?! O pessoal tem que correr atrás. Estamos abrindo uma plataforma para eles se expressarem.

Rock na Ciclovia no Parque da Cidade, em 2017. Foto: acervo Rock na Ciclovia

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