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Entenda como o colorismo apagou os negros retintos da arte e Beyoncé fez o inverso

O colorismo, também conhecido como pigmentocracia, é portanto, discriminação racial baseada exclusivamente em fenótipos e tons de pele

Redação Jornal de Brasília

24/09/2020 13h23

Marina Lourenço
São Paulo, SP

“Muito do que eu aprendi sobre cores, foi porque tenho uma filha mestiça. Como ela tem a pele mais clara e o cabelo mais liso do que o meu, sua vida -nesta sociedade racista e colorista- é infinitamente mais fácil”, conta a escritora Alice Walker em seu livro “Search of Our Mothers’ Gardens: Womanist Prose”.

Foi nesta obra, publicada em 1982, que a autora cunhou o termo “colorism”, ou colorismo, em português, para designar um tipo de discriminação racial.

Quanto mais próximo do branco for o tom da pele e mais distante do negroide for o fenótipo, a tendência é de maior aceitação social. É o que defende Walker, autora do sucesso “A Cor Púrpura”, vencedor do prêmio Pulitzer de melhor ficção, também na década de 1980.

O colorismo, também conhecido como pigmentocracia, é portanto, discriminação racial baseada exclusivamente em fenótipos e tons de pele. E é sobre esse assunto que o recém-lançado videoclipe de “Brown Skin Girl”, do álbum-visual “Black Is King”, de Beyoncé, se debruça.

“Brown Skin Girl”, que estreou em meio a um boom de protestos do movimento Black Lives Matter, é um prato suculento para militantes que propõem o combate ao colorismo, seja pela letra, de enaltecimento à raça negra, ou pelas participações de Kelly Rowland, Naomi Campbell, Lupita Nyong’o, WizKid e SAINt JHN, que são artistas retintos.

No ano passado, o pai de Beyoncé, Mathew Knowles, usou a própria filha para exemplificar a dinâmica do colorismo no setor musical e afirmou que nos últimos 15 anos as cantoras negras retintas dos Estados Unidos tiveram um reconhecimento notoriamente menor em relação às de pele clara, como Beyoncé, Alicia Keys, Rihanna, Nicki Minaj e Mariah Carey.

“Eu acho que [ter a pele mais escura] teria afetado o sucesso [de Beyoncé]”, disse ele em entrevista à rádio SiriusXM Urban View.

Mas o assunto é extenso e já impulsionou inúmeras polêmicas. No mês passado, a atriz americana Zoe Saldana pediu desculpas, numa live no Instagram, por ter interpretado a cantora Nina Simone no filme “Nina”, de Cynthia Mort.

“Na época, eu achei que tinha permissão para a interpretar, porque sou uma mulher negra. E sou mesmo. Mas estamos falando de Nina [Simone], e ela teve uma jornada que deveria ser honrada de forma específica”, disse Saldana, depois de receber muitas críticas pelo trabalho, no qual usou tinta para escurecer o tom de pele e prótese para alargar o nariz. “Ela merecia mais, e eu sinto muito, porque amo sua obra.”

Segundo a cineasta Sabrina Fidalgo, casos como o de “Nina” são lamentáveis. “Não é culpa desses atores, mas é uma falta de sensibilidade e estudo desses diretores que escolhem artistas que não correspondem ao fenótipo de quem será retratado”, critica ela, lembrando o caso polêmico do musical “Dona Ivone Lara – Um Sorriso Negro”, ocorrido em 2018, quando Fabiana Cozza renunciou ao papel de protagonista depois de receber uma onda de críticas.

“Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e, numa quarta, após o anúncio do meu nome como protagonista do musical, acordar ‘branca’ aos olhos de tantos irmãos”, anunciou Cozza, na época.

Fidalgo enfatiza também a importância das particularidades do contexto histórico de cada país, exemplificando diferenças entre Brasil e Estados Unidos.

“Lá [nos Estados Unidos] há a ideia do ‘one drop rule’ [‘regra do sangue único’, em português]. Ter um avô negro é o suficiente para ser considerado afro-descendente, mas aqui não. O Brasil foi forjado etnicamente. Houve uma propaganda de embranquecimento patrocinada pelo governo”, diz ela.

“As pessoas que não são negras retintas têm outra vivência, muitas falam sobre um processo de se descobrirem negras, o que é quase uma piada para quem é retinto. Nem todo negro é preto. Não dá para chegar agora e passar por cima da dor de outras pessoas que são de fato a base da pirâmide, as que têm menos chances e são totalmente invisibilizadas.”

Uma das pinturas mais famosas do espanhol Modesto Brocos, “A Redenção de Cam” é uma das obras mais emblemáticas quando o assunto é a miscigenação no Brasil. O quadro, de 1895, retrata três gerações de uma família diante da busca pelo embranquecimento e relaciona a raça negra a um mito bíblico, no qual Noé amaldiçoa o filho Cam como o “servo dos servos”.

Mesmo que a maioria da população brasileira se autodeclare como preta ou parda, como apontam os dados do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o negacionismo em relação à realidade étnica do país ainda é muito presente entre os cidadãos.

Depois de vencer um concurso popular para ser a Globeleza, exibido pelo Fantástico, da TV Globo, em 2013, a modelo e atriz Nayara Justino teve uma alegria efêmera. Diferentemente das outras mulheres que haviam sido o símbolo carnavalesco da emissora -acusado diversas vezes de ser racista e misógino-, ela, que tem a pele retinta e fenótipos negroides, foi vítima de ataques racistas nas redes sociais.

“Me machucou muito porque eu via pessoas negras envolvidas nos ataques”, diz ela. Os crimes, no entanto, não foram o único problema. No final daquele ano, Justino foi demitida do cargo. “Não teve diálogo. Todas as escolhidas para o posto depois dela foram negras não retintas, mas a Globo nega que o fim do contrato tenha ocorrido para agradar aos criminosos que atacaram Justino.

A ex-Globeleza afirma ainda que participou muitas vezes de processos seletivos de agências de modelo. Mas, mesmo quando os critérios exigiam pessoas negras, os vencedores raramente tinham pele retinta ou traços negroides.

“Quem mais deveria estar trabalhando para resolver isso são as pessoas brancas. O colorismo nada mais é do que um braço do racismo”, diz a youtuber Gabi Oliveira, que ganhou sucesso na internet falando sobre movimento negro.

Segundo ela, a indústria artística precisa não só se reinventar, mas também combater a busca pelo embranquecimento, que, segundo Oliveira, já pressionou diversos artistas negros a modificarem o corpo, almejando maior aceitação social. A youtuber lembra então o exemplo da cantora Azealia Banks, que, embora seja uma militante da causa negra, clareou sua pele.

“Quem são as nossas principais referências [artísticas] de pele retinta?”, questiona ela. “Não é difícil entender essa exclusão. Está em toda a indústria.”

As informações são da FolhaPress

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