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Cena Drag ganha cada vez mais espaço no DF

Prática transforma identidade feminina em manifestação artística e ganha progressivamente mais admiradores

Redação Jornal de Brasília

01/06/2022 19h50

Atualizada 02/06/2022 10h33

Cena Drag ganha cada vez mais espaço no DF

Andyva Divã. Foto: Vitor Diniz

Por Mayra Dias

Do Picumã ao Lip Sync, muitas são as particularidades envolvidas no universo drag. Somente no Distrito Federal são mais de 200 praticantes dessa arte que quebra os limites da caracterização e maquiagem pesada. “Ser Drag é ter a sensação de liberdade, é poder mostrar para o público quem eu posso ser”, compartilha Luiz Gustavo Amorim, que há 6 anos performa nos palcos da capital como Bonnie Butch.

Como pondera a performista de 27 anos, sua arte vai muito além de uma profissão. “Não é só passar maquiagem, ou fazer uma apresentação. É o carinho e a sensibilidade que ganhamos do público”, declara. “Isso nos traz vontade de fazer de novo, só para que possamos ver o brilho no olhar de quem está ali, abraçando a nossa arte. Ser drag é um ato político, de resistência”, completa a artista.

Assim como Bonnie, Andyva Divã, que também é transformista, tem um carinho especial e pessoal com o trabalho que tanto lhe proporciona alegrias devido sua pluralidade de linguagens. “Ser Drag Queen, pra mim, é um encontro com muitas das minhas vontades artísticas. Digo que a arte drag é 80% trabalho artesanal, que envolve a produção de figurino, cenografia e maquiagem. Os outros 20%, são feitos de construção cênica e performática”, compartilha.

Já para Emerson Lima, ou Kelly Queen, que dirige o coletivo Distrito Drag, ser drag é ser artista. “Ela não tem um padrão definido, ela é arte e a arte é definida por quem a faz. Ser queen é levar a cultura, o humor, a música e, claro, levar representatividade”, defende. “A gente tem uma imagem da drag muito maquiada, com muito brilho, com perucas extravagantes, com glamour e uma maximização do feminino, e é realmente tudo isso, mas também pode não ser, pois essa arte não tem limites”, acrescenta, lembrando que esse universo é muito amplo, e que existem transformistas de diversos segmentos. “Temos drags barbadas, drags polidas, caricatas, drags atrizes, performers, dançarinas…”

Alto custo

Andyva salienta ainda que trata-se de algo que requer muitas ferramentas e, infelizmente, muitas delas não são baratas. “Variam de acordo com a proposta da ‘montação’. Alguns desses materiais são realmente inacessíveis. Então a gente dá aquele ‘truque’ buscando recursos mais baratos”, diz, acrescentando ainda que costumam reciclar muitos figurinos e indumentárias, além dos produtos de maquiagem. “Não conseguiria dar uma média de preço por produção. Mas a média de cachês da cidade não supre a realidade”, pondera.

A prova disso está no que declara Bonnie Butch. “Eu gasto cerca de 2 ou 3 mil reais para poder repor tudo o que uso. Deixam pensar que maquiagens, perucas, roupas, calçados e acessórios, são baratos, e não é essa a realidade”, expõe. “Tudo o que consumimos tem um valor muito alto, para que possamos trazer um melhor desempenho para o público. O cachê que cobramos é para suprir e sempre repor o que usamos”.

A gente vê uma crescente muito grande no segmento de entretenimento Queen na capital. mas sim, ainda existe muito preconceito

Kelly Queen

Conforme explica o criador da Kelly, trata-se de uma arte cara. “Não dá para mentir! mas é muito possível fazê-la com o que se tem de uma forma barata e consciente. Perucas, saltos, figurinos tudo isso custa dinheiro”, aclara. Como ele explica, seria impossível mensurar quanto se gasta com a prática, pois isso vai depender do tipo de drag, do público e do quanto essa personagem quer investir. “Eu posso ter uma drag que usa uma peruca de cabelo humano que pode chegar a custar R$3.000, assim como eu posso ter outra que usa uma peruca simples, encontradas em lojas de festa por 20 ou 30 reais”, elucida.

Desafios diários

Tendo suas primeiras manifestações nos primórdios do teatro, onde, devido a proibição de atuação feminina os homens se apresentavam como mulheres, hoje, a cultura Drag Queen vem ganhando cada vez mais espaço. “Muita coisa tem mudado com o avanço da tecnologia e o acesso à informação. No entanto, hoje, não só no DF mas em todo o país, o maior impasse que encontramos é a questão do conservadorismo, que ainda é muito forte”, afirma Diego Lago, criador da Mary Gambiarra e que também é diretora do coletivo Distrito Drag. “As pessoas ainda confundem muito questões de identidade de gênero, e não sabem que drag queen não está relacionado a isso. Ser drag é uma manifestação artística”, completou.

Compartilhando da mesma ideia, Andyva, que é Drag Queen e travesti, relata que ainda enfrenta muitas dificuldades para exercer a sua arte de maneira plena. “Embora seja o centro e a capital do país, de ser um espaço de diálogos das culturas brasileiras, ainda existe limitações geográficas, ideológicas e de fomento financeiro nas produções dessa arte”, pontua, mencionando a lei do silêncio, que interfere nas apresentações que são conhecidas por acontecerem na noite.

No entanto, a artista comenta que, mesmo assim, hoje, consegue visualizar uma evolução das movimentações na arte drag no DF, mesmo que de forma lenta. “Por ser uma cidade política, com uma expansão da consciência cultural pela mistura de todo o Brasil, surgiram coletivos e grupos de arte que hoje são representantes de conquistas significativas para a exposição e recepção da arte drag”, acredita. “Muitos desses coletivos são da periferia e muitos formados por corpos dissidentes (pessoas trans, negras, com deficiência e outras minorias)”, completou.

Distrito Drag

Com o objetivo de trazer representatividade e protagonismo em ações e políticas culturais LGBTI no Distrito Federal, a iniciativa dirigida por Mary é um dos espaços da capital que, há 5 anos, abraçam as artistas. “O Distrito Drag hoje é uma das maiores forças da cidade. Durante a pandemia deu suporte para quem tem essa profissão e que se viu sem trabalho durante o período de dois anos. Observo uma rede muito potente e inspiradora para outros estados e regiões do país”, defende Andyva.

Como explica Hony Sobrinho, criador da personagem Rojava e um dos idealizadores do Distrito, no início das suas atividades, era projetado, sempre, o apoio para a categoria, criando referências na capital do Brasil. “Aos poucos estamos construindo esse legado, a partir de projetos importantes para nossa cena”, diz, mencionando iniciativas como o Calendrag, que já reuniu mais de 100 artistas locais e nacionais em 5 edições, e o Bloco das Montadas, que em 3 anos já transformou o carnaval da capital em um espaço de segurança, entretenimento e promoveu empregabilidade. “Na última edição, mobilizamos 60 mil pessoas. Formações políticas e técnicas para nossa comunidade”.

Como defende Mary Gambiarra, o DF conta, hoje, com várias drags que são referências nacionais. “E acredito que o Distrito Drag tem tido papel fundamental no crescimento e reconhecimento dessas pessoas. Muitas iniciativas isoladas aconteciam e o nosso coletivo chegou para unificar todas elas, unir forças mesmo. Isso fortaleceu a arte drag no DF, seja artisticamente ou socialmente”, argumenta.

No mês de Abril, o coletivo inaugurou sua sede, localizada no Plano Piloto, aberta ao público para atividades culturais. Com camarim, auditório, estúdio e acolhimento artístico e político, o espaço, que fica no Setor Comercial Sul, tem 330 metros quadrados (m²). O local, desta forma, funcionará como um ambiente de capacitação, formação política-cultural e artística, por meio de cursos, oficinas e workshops para a comunidade LGBTQIA+ do DF. Contará também com espaço de convivência, camarim, salas multiusos e um estúdio para vídeos e fotos. “

Cada vez mais espaço

Antes da pandemia, Mary diz que haviam poucos lugares que abraçavam a arte mas que, desde o retorno das atividades presenciais, esse cenário vem mudando. “Tínhamos a Victoria Haus, La Fiesta, Lah no Bar, algumas baladas da Ceilândia… Mas, desde o retorno das atividades, mais locais surgiram”, comenta. “Muitos bares começaram a nos convidar para apresentações, como o Birosca do Conic, mas depende da festa que irá acontecer no local. Às vezes também nos convocam para eventos pessoais como chás de lingeries, despedidas de solteiro e aniversários”, diz. Além destes, Andyva também cita alguns nomes como o Putz lounge e Gaiola Bar, ambos em Ceilândia, o Mais Flor, em Taguatinga, e o No Vale, localizado no Paranoá.

Para Kelly Queen Brasília tem, cada vez mais, se aberto para arte drag. “A gente vê uma crescente muito grande no segmento de entretenimento Queen na capital. mas sim, ainda existe muito preconceito e essa é uma luta que é nossa, enquanto coletivo”, afirma. “Buscamos fomentar a arte drag, e temos notado Brasília se abrindo a ideia”, acredita. “O Distrito Drag tem fomentado projetos junto a Secretaria de Cultura justamente para ocupar espaços e quebrar o preconceito que ainda existe”, finaliza o gestor.

Alguns conceitos básicos

“Arte Drag é exagero, a maquiagem é nossa principal referência, então muito foco nisso”, antecipa Hony Sobrinho, a Rojava. Partindo desse princípio, o artista traz alguns conceitos que aparecem frequentemente no dia a dia dessas artistas e que não podem ser deixados de lado.

Contorno e iluminação bem forte: Conceito para mudar um pouco o rosto, diminuir, disfarçar e dar profundidade aos pontos que deseja ocultar, como base do queixo ou testa maiores, ou ainda encurtar uma face alongada.

Picumã

Perucas (Wigs, Laces ou Front-lace), coloridas e penteados bem altos.

Figurinos

Criação conceitual, temática e com base nas características da personagem criada. Roupas coloridas, brilhos, saltos altos, muito acessório, brincos grandes, colares, pulseiras e anéis.

Aquendar

Uma ação de escolha para esconder/ocultar parte íntima. “Mas não é um conceito obrigatório para ser Drag”, pondera Rojava.

Lip Sync

Dublagem com o movimento dos lábios com o áudio gravado, falado ou cantado. Uma das características mais fortes da atuação Drag.

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