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Cinema

‘É um filme de cura’, diz diretora de longa sobre obra de Clarice Lispector

Na trama, a protagonista Lóri, interpretada por Simone Spoladore, é uma professora do ensino fundamental, nascida em uma família tradicional do Rio de Janeiro, que tem dificuldade de estabelecer relações afetivas

FolhaPress

22/09/2022 14h11

Foto: Divulgação

FERNANDA GRILO
SÃO PAULO, SP

Uma livre adaptação da obra literária de Clarice Lispector para o cinema. Quem poderia imaginar algo tão ousado na história da cultura brasileira e transportar a escrita melancólica, profunda e reflexiva da escritora para o cinema? A diretora Marcela Lordy não só pensou, como lança nesta quinta-feira (22) o filme “O Livro dos Prazeres”, baseado no livro homônimo da autora.”

Literatura é uma coisa e cinema outra, por isso ter a liberdade de “brincar” com a simbologia foi um prato cheio porque gosto do lúdico e do sensorial. Conseguimos trazer a escrita da Clarice para o cinema, que é ação, usando elementos de outros contos dela, além de experiências e referências pessoais para fazer isso funcionar”, explica Marcela.

Na trama, a protagonista Lóri, interpretada por Simone Spoladore, é uma professora do ensino fundamental, nascida em uma família tradicional do Rio de Janeiro, que tem dificuldade de estabelecer relações afetivas. Sua vida muda quando conhece o professor de filosofia, Ulisses, papel do ator argentino Javier Drolas, que desperta a necessidade de transformação da vida de Lóri e a faz mergulhar em seus traumas e enfrentar a solidão, até que esteja curada e pronta para amar.

Na versão da diretora, os personagens principais são bem menos conservadores que na obra original, publicada em 1969, o que não significa uma Clarice retrógrada. Nesse livro, ela inverte a narrativa patriarcal, em que o homem é o grande aventureiro. Lóri é quem toma a iniciativa e decide encontrar o seu eixo antes de se entregar ao amor. “A escritora bagunça essa questão de gênero e isso está retratado tanto no livro quanto no filme”, diz a diretora, que faz questão de ressaltar que a produção delicada e poética vem ao encontro do que as pessoas estão procurando atualmente: o amor. “Estamos carentes (risos)”.

Da ideia -vinda de Walter Salles, com quem Marcela Lordy trabalhou durante muitos anos- até o lançamento do longa, foram 12 anos de dedicação. Os dois primeiros ela correu atrás da compra da licença e dos direitos de Clarice e mais sete até a finalização. Só que “O Livro dos Prazeres” também foi afetado pela pandemia e o lançamento oficial que seria em 2020, foi adiado. O que, segundo a diretora, coincidiu com a trama.

“O contexto do filme mudou, mas a nosso favor. Lóri resolveu se isolar para uma jornada de autoconhecimento. Já na vida real, passamos por um período de isolamento compulsório, mas que nos ensinou a gostar de ser uma companhia na solitude, o que se assemelha com a personagem”, conta.

Figura onipresente no longa, Simone Spoladore traduz as mulheres de Clarice Lispector com sua aura misteriosa e excêntrica: “A Simone tem o mistério da Clarice, é uma mulher que sabe silenciar. O livro narra a evolução de uma pessoa que aprende a olhar as suas feridas. É um filme de cura, e a Simone tem essa profundidade que também combina comigo”, celebra a diretora.

Apesar de chegar às salas de cinema agora, a crítica já consagrou a produção. “O Livro dos Prazeres” foi exibido em mais de 15 festivais e recebeu prêmios como o BAFICI (Competição Americana) com o prêmio de Melhor Atriz para Simone Spoladore e Menção Honrosa para o longa; foi eleito pelo Festival de Cinema de Vitória com o prêmio de Melhor Roteiro, Melhor Interpretação para Simone Spoladore e Menção Honrosa para Fotografia de Mauro Pinheiro Júnior, ABC; e o Festival do Rio 2021.

Aos 48 anos, Marcela Lordy tem uma longa trajetória profissional dedicada às artes visuais. Diretora, roteirista e produtora, “O Livro dos Prazeres” marca sua estreia na direção de um longa-metragem de ficção, mas sua jornada no cinema conta com obras como “A Musa Impassível” (2010), telefilme produzido para a TV Cultura, “Ouvir o Rio: Uma Escultura Sonora de Cildo Meireles” (2012), ‘Ser O Que Se É’ (2018) e ‘O Amor e a Peste’ (2022), entre outros. É dela a direção do longa ‘Turma da Mônica’ (2022) da Globo Filmes. O trabalho de Marcela também cruzou as fronteiras e chamou a atenção de uma das principais revistas de entretenimento e cultura do mundo, a “Variety”, que a incluiu na lista da “nova geração de jovens cineastas brasileiras que é um dos fenômenos mais interessantes vistos atualmente no cinema da América Latina.”

Transitar pelas mais diversas mídias e para diferentes públicos continua nos planos da profissional, que está em fase final de produção de “O Silêncio de Aline”, que vai contar a história de uma cientista surda, comunicativa e barulhenta, vizinha de uma musicista que precisa de silêncio para criar -Leandra Leal está confirmada como protagonista. Além disso, ela trabalha na ideia de uma série que terá como pano de fundo o kung fu, arte marcial que faz parte da sua vida e que considera essencial para sua disciplina, equilíbrio, memória e concentração.

Prepare-se, pois “O Livro dos Prazeres” é um mergulho nas próprias feridas como só Clarice Lispector soube descrever. O ensinamento dessa obra é que o amor é cada um na sua, do seu jeito e com alguma coisa em comum. A alma é ímpar e não gêmea. Esse é o amor possível para Clarice”, finalize Marcela.

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