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Cinema

Cannes premia uma diretora e discute futuro na era streaming

Ela entregou o troféu para a francesa Justine Triet, por seu filme Anatomie d’une Chute

Redação Jornal de Brasília

29/05/2023 8h46

Foto: Reprodução

Jane Fonda veio a Cannes ministrar uma master class. Na noite de sábado, entregou a Palma de Ouro do 76.º Festival. Lembrou sua primeira vez em Cannes, em 1963. Há 50 anos! “Não havia mulheres diretoras. Este ano foram sete na competição. Estamos avançando, mas é preciso mais.”

Ela entregou o troféu para a francesa Justine Triet, por seu filme Anatomie d’une Chute. Embora tenha esquecido os grandes italianos – Marco Bellocchio, Nanni Moretti -, o júri presidido por Ruben Östlund saiu-se melhor que a encomenda. Eles premiaram o extraordinário ator de Wim Wenders em Perfect Days, Koji Yakusho, deram o prêmio de direção ao vietnamita Tran Anh Hung, por La Passion de Dodi Boufflant, o Grande Prêmio a Jonathan Glazer, por sua adaptação do livro de Martin Amis, Zona de Interesse – vencedor do prêmio da crítica -, e o prêmio do júri para o Aki Kaurismaki de Folhas Mortas.

E fizeram história premiando Justine. Uma mulher acusada de matar o marido – ele caiu ou foi empurrado na escada. A Anatomia de Uma Queda vira anatomia de um casamento. Talvez somente Ingmar Bergman, nas suas Cenas de Um Casamento, tenha alcançado essa profundidade (e grandeza estética).

Discurso

Foram 11 dias de descobertas, encantamento – e algumas decepções -, mas principalmente foi um período para se discutir o cinema na era do streaming, pós-pandemia. 

Ocorreram debates acirrados – o cinema, como linguagem, está em vias de acabar? O que fazer para levar o público de volta às salas? Acima de tudo, foram 11 dias de apreensão. Duas vezes vencedor da Palma de Ouro, por The Square – A Arte da Discórdia e Triângulo da Tristeza, o diretor sueco Ruben Östlund não é o que se poderia chamar de 100% confiável. 

Ele questiona a correção política numa perspectiva cínica. Grandes diretores como Bellocchio, Moretti, Kaurismaki e o britânico Ken Loach voltaram a Cannes com filmes que reafirmam humanidade, solidariedade. Não é um discurso fácil de se levar hoje em dia.

O festival foi inaugurado na terça, 16, com o longa Jeanne du Barry, dirigido e interpretado por Maïwenn, sobre a favorita do rei Luís XV, Jeanne Bécu. Não é um filme nulo, mas também carece de elementos para permanecer vivo – e forte – no imaginário dos cinéfilos. 

Na entrevista coletiva na abertura do festival, o responsável pela seleção oficial, Thierry Frémaux, negou veementemente que existisse um tema a unir os filmes da competição. Disse que sua escolha não se faz por aí. 

Ele fez sua seleção baseado na qualidade, e diversidade. Mas a verdade é que atravessa toda a seleção a já assinalada conversa sobre o futuro do cinema. 

Em 2000, quando o festival ingressava no século 21, houve aqui um seminário para discutir as novas tecnologias. Na era do digital, o cinema iria mudar? E, se mudasse o suporte, ainda seria cinema? Naquele ano, só para lembrar, o júri presidido por Luc Besson outorgou a Palma de Ouro a Dançando no Escuro, do dinamarquês, ex-Dogma, Lars Von Trier. 

Passaram-se 23 anos. Foi o tempo ou a pandemia que mudou tudo? Por segurança, o grande público desacostumou de ir ao cinema. Muitas gente só vê hoje os filmes nas plataformas. 

Os blockbusters seguem atraindo multidões. O cinema autoral, que os franceses chamam de arte/ensaio, atrai muito menos. 

Os mestres – Bellocchio, Kaurismaki e Moretti – vieram defender os filmes para passar nos cinemas. O próprio Bellocchio diz que há uma diferença grande entre sua obra-prima deste ano – Rapito – e a sua série do ano passado, Noite Exterior

Holocausto

Houve filmes marcantes nesta seleção. Duplamente – pelo tema e pela realização. A adaptação de A Zona de Interesse, de Martin Amis, por Jonathan Glazer, recolocou o tema do Holocausto em evidência. 

Recolocou? A solução final do nazismo é uma questão a atormentar as consciências – de quem tem. O comandante de Auschwitz leva o que se pode considerar uma vida ‘normal’ na casa junto ao campo de extermínio. 

Glazer leu direitinho seu Amis, mas também as considerações de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal. Anatomie d’Une Chute, de Justine Triet, provocou sensação entre os mais jovens. A escritora suspeita de haver matado o marido. O caso vai a julgamento. 

Um grande senhor do cinema, o turco Nuri Bilge Ceylan, voltou com Les Herbes Sèches, outra investigação sobre o tempo. Um casal de professores, uma aluna. 

No chapliniano – o final é uma homenagem a Tempos Modernos – Les Feuilles Mortes, Aki Kaurismaki mostra o complicado processo de aproximação de um casal. Nada mais do que isso, mas vendo o filme o público se dá conta de que já é tudo. 

E o que dizer de Ken Loach? O drama dos refugiados em The Old Oak. O filme é uma utopia, como o de Nanni Moretti, Rumo a Um Futuro Radioso. Moretti conta a história de um filme dentro do filme. Celebra o comunismo com todas as bandeiras vermelhas que se possa imaginar. E Loach? A solidariedade atravessa essa história em um espaço sagrado para os ingleses, o pub.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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