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Brasília

Racismo: Mais vítimas quebram o silêncio

Arquivo Geral

06/07/2016 7h00

Mateus Alencar

Eric Zambon
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O Disque Racismo ainda não é uma ferramenta efetiva, mas ganhou visibilidade. Em 2016, conforme a Subsecretaria de Igualdade Racial do DF, apenas 0,05% das denúncias ao 156, opção 7, resultaram na abertura de processo e encaminhamento ao Ministério Público e Polícia Civil. Por outro lado, foram 15 mil ligações somente neste primeiro semestre, contra nove mil no ano passado inteiro. O Ministério Público, responsável por ajuizar as ações, informou ter recebido 78 denúncias este ano. Em 2015, foram 90 nos 12 meses.

“Muitas vezes, as pessoas denunciam um caso, mas passam informações insuficientes”, explica o subsecretário de Igualdade Racial, Victor Nunes. “É preciso saber o nome do agressor, onde foi, para que possamos concluir a denúncia”, complementa. Segundo ele, assim que alguém sofrer ou presenciar o crime, deve acionar imediatamente a Polícia Militar ou Civil. “Sem o boletim de ocorrência, fica difícil responsabilizar o autor do crime”, alerta.

O subsecretário garante que a punição tem aumentado. Foram 95 condenações em 2015 e, até maio deste ano, já havia 72. “Existe a ideia falsa de que não há consequências. A população desacredita na Justiça”, diz.

Estagiário de um hospital, Manoel Victor Silva, 24, não conhece a fundo o Disque Racismo, mas apoia a iniciativa, que existe há três anos. “Mas é preciso cuidar bem desse programa. É necessário ter atendentes negros, pessoas próximas da realidade da vítima”, sugere.

Manoel diz nunca ter sofrido situação parecida à da produtora audiovisual de 38 anos, vítima de ofensas no último dia 28, enquanto fazia compras. O caso ganhou notoriedade pelo fato de a agressora, de 77 anos, ter ofendido inclusive uma delegada ao ser presa. O estagiário garante, porém, ser alvo de preconceitos velados no dia a dia.

Atitudes já o fizeram se sentir inferior. “No hospital, ninguém diz que uma colega, também negra, faz Medicina. Sempre perguntam se ela é de enfermagem”, relata. “As pessoas estão acostumadas a ver os negros em posições inferiores”, critica.

Para ele, sistemas como o de cotas, que garantem um percentual mínimo de vagas, ajuda a equilibrar a balança. “O espaço que o branco ocupa parece que sempre foi dele, enquanto o nosso precisa ser conquistado, ter luta”, aponta.

Falta reação aos números

A professora de Comunicação Social da Universidade Católica Isabel Cristina Clavelin da Rosa enaltece o trabalho do Disque Racismo, por juntar dados e servir de base para formulação de políticas. Mas o número não funciona sozinho. “É preciso um conjunto de respostas, não são só do Executivo, mas da Câmara e dos tribunais, defensorias e delegacias”, propõe.

Para ela, falar sobre racismo ainda é um tabu e isso dificulta o debate e as denúncias. “Só quando o tema ganha notoriedade e algum caso grave se torna conhecido é que outras pessoas ganham consciência sobre isso”, dispara. “A Justiça ainda não pune o racismo como deveria, pois classifica erroneamente a maioria como injúria racial, que ameniza o crime. Racismo é inafiançável”, lembra.

Tecnicamente, a injúria racial é a ofensa contra um indivíduo por ele pertencer a um conjunto social ou ser de determinada etnia, enquanto o racismo seria o preconceito declarado contra todo o grupo.

Os estudantes Ludmila Brasil, de 20, e Hugo Martins, 19, frequentam o mesmo círculo social na Universidade de Brasília e enumeram casos de preconceito vividos e presenciados. “Eu e um amigo estávamos no banheiro outro dia e havia um rapaz, branco, de saída. Ele apagou a luz com a gente lá dentro”, relata Hugo. Seu sentimento foi de inferioridade.

Sua colega, há três meses, sofreu ofensas de policiais que faziam ronda no campus. “Um deles falou: ‘Olha lá, um grupo de neguinhos, vai dar ruim’”, conta Ludmila. Ela diz mal ter conseguido reagir.

“Trabalhar o Disque Racismo é válido, mas não basta. Essa discussão tem que chegar às escolas”, argumenta a jovem.

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5 denúncias recebidas pelo MPDFT

1. Entre janeiro e maio deste ano, um homem ofendeu uma colega de trabalho, em um salão de beleza no Terraço Shopping, na Octogonal. Ele a teria chamado de “crioula”, “morcega” e preta”.

2. Em dezembro de 2015, em Taguatinga, uma mulher ofendeu a vizinha dizendo que ela era uma “neguinha noiada, traficante, negra-preta”.

3. Em setembro de 2014, uma promotora de vendas de um supermercado no Riacho Fundo I ofendeu uma funcionária de limpeza. Ela disse: “Não sei como uma nega fedida dessa quer ser limpa. O xixi desse cachorro cheira muito melhor do que você”.

4. Em outubro de 2015, um motorista alcoolizado na Asa Sul afirmou “ser superior por ser branco” a um policial militar. Na delegacia, ele reiterou as ofensas dizendo que o policial era “crioulo safado”.

5. Em agosto de 2015, um vendedor de uma loja em Ceilândia ofendeu um locutor de vendas que trabalhava no mesmo local. Ele afirmou que o locutor nunca iria se casar, pois “se parece com um urubu”.

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