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Brasília

Pacientes de hemodiálise sofrem com impasse entre governo e clínicas particulares

Arquivo Geral

31/10/2018 7h00

Atualizada 30/10/2018 23h10

A aposentada Maria do Socorro, 52, faz o tratamento há seis anos: “É difícil. Não dá para se acostumar”. Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasilia

Raphaella Sconetto
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Mais de 1,2 mil pacientes fazem tratamento de hemodiálise no Distrito Federal. Destes, 75% se tratam em clínicas particulares conveniadas com a rede pública de saúde. Apesar da parceria, as unidades alegam que as contas não estão fechando mais, porque o custo real de cada sessão é maior do que o valor que recebem do governo. Segundo a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), a situação é a mesma em todo o País e que, mais do economicamente falando, é preciso pensar nos pacientes que dependem do tratamento para sobreviver.

O setor de nefrologia alerta que vem passando por um “descaso histórico” e que o tratamento ficou quatro anos sem reajuste até janeiro de 2017. Isso fez com que o valor da sessão de hemodiálise passasse de R$ 179,03 para R$ 194,20 – um reajuste de 8,47%. Porém, ainda seria insuficiente e as clínicas precisam arcar com a diferença de, em média, R$ 37 em cada sessão, conforme dados da ABCDT.

Na Clínica Nephron, em Taguatinga, a diferença de valores é ainda maior. O coordenador administrativo da unidade, Felipe Pinheiro, indica que o preço real de cada sessão para os pacientes daquela clínica é de R$ 260 – R$ 65,80 a menos do que recebem do governo. Atualmente, eles fazem o tratamento de 122 pessoas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que dialisam de três a quatro vezes por semana. “A conta, obviamente, não fecha”, resume.

Segundo Pinheiro, a clínica enfrenta mais um agravante: o atraso no repasse das verbas. “De 2014 a 2018, estamos com um saldo no GDF em torno de 4,5 milhões, sendo que nesse período só nos repassaram R$ 450 mil. Então, na realidade, estamos muito aquém de estar recebendo o que estamos produzindo e fornecendo. Esse é o pior agravante”, critica.

Para tentar equilibrar as contas, o administrador conta que eles precisam apostar no ‘mix’ de pacientes: “atender pacientes particulares e do SUS. Isso faz com que a clínica consiga ter saúde financeira”, afirma. “Mas não quer dizer que estamos com capacidade, por exemplo, de ampliar o atendimento para os pacientes do SUS”, pondera. Os pacientes particulares, porém, representam 25% da quantidade total – são apenas 43.

Pinheiro garante que, apesar de as contas estarem no vermelho, o tratamento continua o mesmo. “Mesmo na dificuldade, nossa filosofia é dar o melhor atendimento possível. Mesmo com todos os agravantes, o que está acontecendo não chega ao paciente”, aponta.

“Estamos muito aquém de receber pelo que estamos produzindo e fornecendo. A conta não fecha”. Felipe Pinheiro, coordenador de clínica. Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasilia

Doloroso, mas necessário

A dona de casa Maria Aparecida de Carvalho, 60 anos, faz hemodiálise três vezes por semana há seis anos na clínica Nephron. “Meus rins são policísticos, é uma doença hereditária que veio da minha mãe”, conta. A primeira sessão foi em abril de 2013, logo após ela perder o marido. “Eu não queria aceitar de jeito nenhum que estava doente, porque é um tratamento triste, que te priva de muitas coisas. Não posso sair, além da dor que sinto. Faço a hemodiálise hoje e amanhã me levanto toda dolorida”, completa.
Apesar de tudo, ela diz ter fé. “Sei que não tem cura, que é um tratamento paliativo, mas tenho fé e esperança de que vou conseguir um transplante”, desabafa.

Os seis anos de tratamento foram suficientes para fazer amigos que partilham da mesma rotina. Ao lado de Maria estava outra Maria. A aposentada Maria do Socorro Pereira, 52, também dialisava quando a reportagem esteve na clínica. Ela faz o tratamento há seis anos. “Desde os dois anos de idade tenho problema renal. Naquela época, no Nordeste, não tinha esse tratamento. Passava muito mal”, recorda. Questionada sobre como era o tratamento, ela foi direta: “É difícil. Não dá para se acostumar”.

Desgaste

“O paciente não é obrigado a vir fazer a hemodiálise. É desgastante, são quatro horas dialisando. Então, é um tratamento que é muito fácil de se faltar. Mas o paciente do SUS não falta. E muitas vezes é até por conta do alimento que eles recebem aqui. Muitos chegam e falam que a refeição vai ser o café da manhã, o almoço ou a janta. Com toda essa situação precária, ainda temos mais essa responsabilidade”, lamenta Felipe Pinheiro, gestor da clínica.

Reajuste “justo”

Para um trabalho justo e de qualidade, a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) indica um reajuste de 30%, com sessões de hemodiálise a R$ 253. Segundo o presidente da ABCDT, Marcos Vieira, esse valor seria necessário para suprir todos os custos das clínicas.

“É para que exista, por exemplo, viabilidade de manutenção do tratamento, condições de atualizar equipamentos, pagamento de reajustes salariais, manutenção das exigências de segurança”, argumenta. Vieira exemplifica que a compra dos equipamentos tem ficado cada vez mais cara. “Os valores vêm em dólar”, acrescenta.

Em Brasília, ele cita que três clínicas já fizeram a devolução de cerca de 300 pacientes para a Secretaria de Saúde. No Brasil, algumas já fecharam as portas. “O governo reconhece que existe um problema sério. Já fomos recebidos pelo Ministério da Saúde, mas ainda não recebemos uma resposta positiva”.

Versão Oficial

Em nota, a Secretaria de Saúde informou que a hemodiálise acontece em oito hospitais públicos – Hospitais Regionais da Asa Norte, de Santa Maria, do Gama, de Taguatinga e de Sobradinho, além do Instituto Hospital de Base, do Hospital Universitário e do Hospital da Criança – e em seis clínicas particulares conveniadas. Ao todo, 1.266 pacientes fazem o tratamento no DF. A lista de espera era de 98 pessoas até agosto de 2018. Em relação ao repasse de verba para a clínica Nephron, a pasta alegou que a clínica não assinou o contrato em tempo hábil, “o que gerou faturas de forma indenizatória. Ocorre que, por força da Lei 13.650, de abril de 2018, é vetado ‘transferir recurso a entidade privada em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de contrato’”, argumentou. Portanto, a secretaria diz estar impedida de efetuar o pagamento de R$ 1,9 milhão referente ao período sem contrato. Além de ainda constar um valor em aberto de R$ 1 milhão, mas que também se enquadra na mesma legislação.
A respeito dos valores do tratamento, a secretaria esclareceu que são de responsabilidade do Ministério da Saúde. Este, por sua vez, garantiu que tem assegurado recursos crescentes para o tratamento de hemodiálise no Brasil. “Foram R$ 3 bilhões aplicados, em 2017, sendo que em 2010 foram R$ 1,8 bilhão. Em dezembro de 2017, a pasta redefiniu o recurso financeiro anual destinados ao custeio da nefrologia no montante de R$ 3,17 bilhões por ano. Também houve a expansão de 45% da rede de serviços habilitados para a assistência dos doentes renais crônicos no período: passou de 488 para 707”. A nota diz ainda que são feitos reajustes regulares na tabela do SUS, mas não informou a frequência em que são revistos nem se há previsão para novo reajuste.

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