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Brasília

Liberados por falta de professores, alunos ficam à mercê das próprias escolhas

Arquivo Geral

05/10/2016 7h00

Alguns preferem perambular pela rua e, muitas vezes, fazem uso de drogas. Foto: Josemar Gonçalves

Jéssica Antunes
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Na porta da escola, os estudantes que deveriam estar em sala de aula se dispersam. Foram liberados mais cedo pela ausência inesperada de um professor. Alguns usam o tempo livre para o consumo de drogas. Outros, inseguros, preferem correr para casa e evitar assaltos. Com quase 30 mil pedidos de licença médica de professores registrados neste ano e sem temporários suficientes, essa é a realidade da maior parte das unidades de ensino do DF. Além de perderem conteúdo, os alunos ficam à mercê das próprias escolhas, como mostra a segunda matéria da série do Jornal de Brasília sobre os Caminhos da Educação.

A Secretaria de Educação lidera o número de atestados médicos, com 56% do total recebido pelo Governo de Brasília. Mais de 28 mil pedidos de afastamento de professores para tratamentos de saúde foram recebidos pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag) de janeiro a agosto de 2016. Entre os principais motivos, segundo a pasta, estão problemas psicológicos e comportamentais, além de doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo. Outros 2.366 atestados foram para acompanhamento de familiares enfermos. Nesse período, 330 docentes também tiraram licença-maternidade.

A Secretaria de Educação minimiza a questão. Diz que as ausências de professores em salas de aula são pontuais. “O número de ausências oscila, pois ao mesmo tempo em que há educadores saindo em razão de licenças, há também retornos. Quando a equipe gestora de uma unidade educacional verifica o afastamento de um professor, solicita imediatamente o substituto para uma das 14 coordenações regionais de ensino”, explica.

Atualmente, há cerca de 28,6 mil professores ativos – 23 mil em sala de aula. Outros seis mil temporários reforçam o sistema anualmente e são convocados conforme a demanda. Somadas as licenças, porém, a conta parece não fechar. Nas escolas, não há determinação do que fazer em caso de falta de professores e ausência de substitutos. Segundo a secretaria, os gestores das instituições têm autonomia para planejar ações em casos de ausências. Liberação é a medida mais adotada.

“Toda semana ficamos sem alguma aula. Geralmente somos liberados após o professor da disciplina seguinte dar aula junto com a outra turma”, contou um aluno do 2º ano do Centro de Ensino Médio EIT, fora da escola duas horas antes do sinal de saída oficial. Ele garante que prefere ir embora. “A gente corre muito risco de assalto”, justifica.

Um colega da mesma classe, de 16 anos, revela que os pais não são avisados das faltas e liberações. “Só avisam em caso de morte”, brinca. O uso de drogas, diz, é constante nessas situações. “Eu, que trabalho depois da aula, prefiro ir para casa, mas muitos aproveitam o horário livre para perambular pela cidade”, conta.

Flagrantes

O Jornal de Brasília flagrou menores de 18 anos consumindo álcool e drogas nas proximidades das escolas, de onde haviam sido liberados minutos antes por ausência de professores. “Eles fazem barulho, bagunça, usam maconha, bebem cerveja. Saem mais cedo da escola e ficam andando por aí fazendo o que não deviam. Alguém tinha que resolver esse problema, a gente se sente inseguro”, reclamou uma dona de casa, de 46 anos, que pediu para não se identificar. Ela mora na Asa Sul, próximo a duas escolas de ensinos fundamental e médio, e diz que as cenas são recorrentes.

Saiba mais

O número de pedidos de afastamento não é, necessariamente, a quantidade de servidores afastados. Segundo a Seplag, o mesmo docente pode prorrogar ou realizar novo pedido de afastamento por mais de uma vez ao mês e durante o decorrer do ano.

Em setembro, o GDF restringiu o número de atestados de comparecimento que podem ser apresentados por servidores públicos. Em um ano, cada funcionário poderá usar apenas 12 documentos que abonam a falta em um turno. Acompanhamentos terapêuticos devem ser negociados com o chefe imediato.

Afastamentos devem ser verificados

“Não podemos deixar alunos sem aula”, adverte Célio da Cunha, mestre e doutor em Educação e professor da Universidade de Brasília (UnB). “Não tem como as consequências serem boas”, emenda. Para ele, é preciso investigar a fundo os motivos que levam a tanto afastamento, cuidar da saúde do professor e manter um planejamento para não faltarem docentes.

Rosilene Corrêa, diretora do Sindicato dos Professores, estima que cerca de cinco mil docentes estejam afastados das salas de aula por falta de condições de saúde. “Mas ninguém discute o motivo disso. Não temos plano de saúde e nem política de prevenção”, observa a sindicalista.

“O Instituto de Psicologia da UnB fez uma pesquisa que revela que, pela alta carga horária, chega um momento em que a carreira afeta a saúde”, ressalta Célio da Cunha. Mais importante, porém, seria manter um quadro de professores reservas para lançar mão e cobrir faltas em cada escola.

O Centro Educacional Gisno, na Asa Norte, decidiu eliminar a prática de antecipar aulas. Erika Satles, supervisora pedagógica da escola, diz que eles mantêm justamente um arquivo de atividades que são aplicadas no caso da falta de um professor. Lá, os pais são avisados quando há liberação fora do horário. A escola envia recados por um aplicativo de mensagens. “ Assim, a informação vai direto para eles”, conta.

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