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Brasília

Vídeo: roqueiros realizam verdadeiro show de solidariedade

Músicos de bandas conhecidas no DF se unem para melhorar a vida de famílias e catadores na Cidade Estrutural

Afonso Ventania

11/08/2023 5h00

Foto: Afonso Ventania/Jornal de Brasília

O rock and roll surgiu nos Estados Unidos no final dos anos 40. Mais do que um estilo musical com ritmo contagiante, é conhecido por estimular rebeldia e atitude nos jovens. Ao longo do tempo, derrubou barreiras raciais e revolucionou a cultura e o comportamento com as notas poderosas de guitarras, baixos e baterias. Seus instrumentos e as letras contundentes elaboradas com denúncias e reivindicações das minorias, foram usados como meio de expressão para questionar os padrões sociais vigentes e, sobretudo, a sociedade capitalista. Tornou-se uma ferramenta social de contestação.

Em terras brasilis, o rock teve o seu auge enquanto usava combativos refrões e a eletricidade de suas guitarras contra os canhões da ditadura militar. Na capital de República, surgiu o Rock Brasília. Movimento de resistência criado por jovens roqueiros que tomaram de assalto o cenário musical brasileiro para confrontar o sistema totalitário da época. 

Os músicos do rock and roll usam barbas longas, roupas pretas, brincos e muitas tatuagens. O visual aparentemente agressivo camufla a indignação com os padrões estabelecidos e as injustiças. Não tão jovens, mas igualmente inconformados, os atuais representantes do rock Brasília descobriram que mesmo na democracia há feridas sociais expostas a menos de 20 quilômetros das sedes dos Três Poderes. Eles, então, formaram um grupo em prol dos mais necessitados. Os músicos não cantam, mas tocam a alma de pessoas vivendo na miséria. A mais covarde das condições humanas. 

O líder do grupo Eu Solidário, Djalma Phu, baixista da banda de hardcore Macakongs 2099, percebeu que seus acordes poderiam fazer mais do que entreter o público e reuniu outros músicos para ajudá-lo na missão de ajudar os moradores da Cidade Estrutural. Também vocalista do grupo, ele tem sido a voz de quem sobrevive com muito pouco. Ou quase nada. 

Todas as sextas-feiras, ele e os companheiros entregam cestas básicas, kits de higiene, brinquedos e o que mais for necessário para resgatar a dignidade de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. São catadores de materiais recicláveis e pessoas em situação de rua que dependem da ajuda que recebem dos músicos para atravessarem mais uma semana ou duas. Afinal, o calendário de quem vive na rua ou em barracos improvisados de madeirite se mede em dias e não em meses. 

Além de Phu, muitos músicos e apaixonados do rock and roll integram a “banda do bem”. Entre eles, o baterista dos Raimundos, Caio Cunha, e o comediante Victor Leal, da trupe Os Melhores do Mundo, que, para quem não sabe, também é roqueiro e tocou bateria na banda Os Wallaces. 

“A ideia surgiu em 2019 por que nos shows da banda, pedíamos 1k de alimentou ou agasalhos para baratear a entrada. E precisávamos encontrar um destino para esses produtos. Foi aí que a minha ex-namorada deu ideia de doarmos para a Creche Sorriso, na Estrutural. Pouco tempo depois, em 2020, a pandemia da Covid-19 ameaçou o mundo e principalmente as pessoas que vivem em fragilidade social. E naquele período havia apenas um ponto de água na região. Não tinha como manter a higiene que aqueles tempos sombrios exigiam. Foi aí que intensificamos o trabalho e pedimos ajuda aos amigos. E todos responderam de pronto e estamos até hoje na mesma missão”, conta Phu, com a pele repleta de tatuagens, de chinelos, bermuda, camisa do Slayer e uma longa barba. 

Segundo ele, as doações são feitas por amigos por meio das redes sociais e arrecadadas em shows e outros eventos culturais. É a cultura em favor da solidariedade.

O bikerrepórter do Jornal de Brasília, Afonso Ventania, acompanhou um dia do grupo e percebeu a diferença que faz a solidariedade. Djalma e mais cinco amigos chegaram às 16h na sede do Eu Solidário, na Cidade Estrutural. O espaço é organizado e limpo. Lá, organizam as doações que arrecadam durante a semana e que serão distribuídos na invasão “As Chagas”, no setor de Chácaras do bairro Lúcio Costa e próxima ao Setor de Inflamáveis. Na favelinha do “buracão”, como chamam a comunidade de catadores, Phu e os amigos vão distribuir cestas básicas, kits de higiene e brinquedos. 

Enquanto isso, um dos amigos, o músico Fábio Teixeira vai buscar 100 marmitas de macarrão que foram preparadas por uma voluntária da creche Sorriso na invasão Santa Luzia para serem doadas no fim do dia. Além das marmitas, fornecidas pela organização Ajudar é Massa, o grupo oferece o mesmo número de sacos de pão e muitos chocolates. As pessoas podem escolher entre a marmita e o pão. Apesar da boa quantidade, algumas vezes não há o suficiente para atender a todos da fila. 

Tudo organizado, eles seguem para a invasão de caminhonete. Ao longo do caminho é possível notar o abandono. A sociedade virou as costas para aquelas pessoas. Não há comida, nem água, nem saneamento básico e muito menos respeito. Todos ali são carentes de tudo. De todos. Estão à mercê da sorte e da ajuda alheia.

Ao chegarem, os roqueiros do bem pegam uma lista de chamada para entregar os alimentos e produtos de limpeza e de higiene. A lista é elaborada pela líder da comunidade, Janaína, que conhece a necessidade de todos que vivem ali, no buracão. No meio do barro vermelho do Cerrado, margeando a linha do trem, há um barranco e muita poeira no período da seca. Na chuva, a lama maltrata ainda mais os moradores daqueles barracos de madeirite improvisados. São famílias inteiras que vivem amontoados em cômodos apertados. A maioria tem entre 5 e 15 filhos. 

“A gente agradece muito a ajuda do Eu Solidário. Sem a força deles, a dificuldade seria ainda maior. É muito bom saber que podemos contar com eles”, diz Silvaneide Henrique da Silva, 35 anos. Mãe de nove filhos, ela é solteira e vive como catadora de materiais recicláveis. O sonho dela é conseguir morar em uma casa com “paredes de tijolos”. Segundo ela, faz toda a diferença no frio e no período da chuva. “O mundo não é fácil, mas dá para ir levando a vida. Do jeito que Deus quer”, acrescenta. 

Para a psicóloga Ísis Mendes, voluntária do Eu Solidário, é gratificante poder ajudar. “É importante sair da minha bolha. Tenho uma situação financeira estável e conhecer esse outro lado é importante. Fico feliz em poder ajudar, mas a cesta básica que a gente entrega ajuda, mas não é a solução do problema. É um paliativo. Dependeria do poder público resolver essa situação. Mas fazemos o que está ao nosso alcance”. 

Muitas vezes, os roqueiros e roqueiras tatuados (as) e com cara de poucos amigos são vistos como pessoas rudes e radicais. Mas é justamente a atitude rock and roll dessa galera que faz toda a diferença. A diferença entre ter ou não o que comer. Se eles usam a música para expressar os sentimentos e a indignação com a sociedade que segrega pessoas em condições sub-humanas, por que não usar a cultura e as redes sociais para engajar as pessoas e criar um espírito colaborativo para subverter essa realidade perversa?

“Somos radicais mesmo. O estereótipo é verdadeiro. Afinal, tem que ter radicalismo para trabalhar diariamente pedindo e recolhendo doações para estar aqui toda semana. Se não formos radicais nisso, a ação de sexta-feira não acontece. É ter atitude. E isso é muito rock and roll”, conclui Djalma Phu. 

Para ajudar o Eu Solidário com doações:

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