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Brasília

UNB: Festival de queixas contra empresa contratada

Conversas entre colaboradores e reportagem versam sobre redução salarial, atrasos nos vales-transporte e assédio moral

Olavo David Neto

16/07/2021 7h24

Depois de publicar denúncia a respeito de descumprimento de normas trabalhistas e atentados à Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) de funcionários terceirizados na Univerisdade de Brasília (UnB), o Jornal de Brasília recebeu diversos outros relatos sobre o tema. Em geral, as conversas entre colaboradores e reportagem versam sobre redução salarial, atrasos nos vales-transporte e assédio moral por parte de um representante da Servitium – empresa pernambucana responsável pelos serviços de portaria – para com os trabalhadores.

Bruno Filipe é apontado como preposto da terceirizada na UnB. A ele são atribuídos comportamentos pouco republicanos quando procurado por agentes de portaria. Eduardo conversou com a reportagem na varanda de sua casa, tamanho o receio de ser identificado como fonte. Com atrasos no vale-transporte a partir de março – já que recebeu os R$ 279 no cartão do BRB Mobilidade em 31 daquele mês e não mais percebeu o benefício -, ele já ouvira de colegas relatos de maus tratos por parte de Filipe.

Represália

Assim, decidiu reclamar por mensagem dos atrasos, que a forçavam a pagar do próprio bolso os R$ 18,60 diários para chegar ao local de trabalho. “Eu mandei a mensagem, nunca cheguei a ir lá. Ele [Bruno Filipe] falou que o problema é que o BRB Mobilidade não estava fazendo repasse”, comenta Eduardo, cujo nome foi preservado em respeito ao sigilo da fonte.

Sem se convencer, o funcionário compareceu ao balcão do banco estatal, onde lhe informaram não haver repasses da empresa desde o final do terceiro mês do ano – e também de contrato da Servitium com a Universidade de Brasília.

O JBr. tentou contato com o preposto. Sem atender às ligações, ele respondeu mensagens encaminhadas pela reportagem se esquivando de conceder entrevistas. “Você deve entrar em contato com a gerente da empresa, não estou autorizado a falar com ninguém”, respondeu o homem, que se recusou a passar contatos da Servitium. A reportagem tenta contato com a empresa desde 29 de junho, mas não obteve retorno até o fechamento dessa matéria.

Apontada como uma das gerentes, uma mulher identificada como Ana Lara chegou a atender o telefone, mas desligou após a identificação.

Apurações internas

Diagnosticado com ansiedade clínica, Eduardo teve novas crises após o incidente com Bruno Filipe. Em nova consulta com o psiquiatra, teve as doses de fluoxetina de um para três comprimidos diários, conforme receita médica obtida pelo Jornal de Brasília. “Fiquei pensando ‘como vai ficar nossa situação?’; as coisas vêm erradas, a gente não tem a quem recorrer”, desespera-se o agente de portaria, que também denuncia a ausência de Filipe no local onde deveria estar diariamente.

De acordo com o relato, o preposto – espécie de representante da empresa no local de prestação de serviços – não costuma frequentar a universidade e se dedica a viagens como fiscal de provas em concursos do Cespe.
Contactado, Fernando Couto, diretor de Contratos Administrativos da UnB, afirmou que o Decanato de Administração apura as denúncias de forma interna.

“Até então, essa situação não havia chegado ao nosso conhecimento. Reforçamos que as denúncias devem ser devidamente encaminhadas à Ouvidoria da UnB”, aponta Couto.

Sem reajuste salarial após CCT

Fernando Couto acrescenta, ainda, que as reclamações foram encaminhadas à administração da universidade apenas neste mês. Sobre os desfalques no vale-transporte, Couto informa que “a Servitium enviou comprovantes, devidamente conferidos pela fiscalização administrativa. A situação estava dentro da normalidade e a demanda foi cancelada.” Apesar disso, consultas ao aplicativo do BRB Modalidade, por meio da conta de Eduardo, e, lá, não constam pagamentos entre abril e junho.

A empresa chegou a depositar R$ 279 na conta corrente do trabalhador, em abril, conforme mostra extrato bancário do agente de portaria. Tal prática é vedada pela Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) do Sindicato dos Empregados de Empresas de Asseio, Conservação, Trabalhos Temporários e Serviços Terceirizáveis (Sindiserviços-DF), registrada no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em 22 de janeiro deste ano.

Nada no bolso

Na Convenção Coletiva de Trabalho também consta reajuste salarial dos agentes de portaria, que, em tese, passaram a receber R$ 1.403,56 desde o início desse ano, mas nada foi feito.

A Servitium não atualizou o valor pago a seus funcionários. Contracheques de quatro trabalhadores comprovam que foram depositados R$ 1.348, salário referente a 2020 – isso quando foi pago. Nos dados bancários de Eduardo é possível aferir reduções a partir de março. Naquele mês, o funcionário recebeu R$ 845, e em abril, R$ 700. “Eles falaram que estava descontando a passagem que haviam pago a mais”, conta o homem. O desconto se referia a um depósito de R$ 2,4 mil efetuado de forma equivocada pela própria empresa. “O preposto falou que a empresa não ia descontar no salário; isso é um desfalque para nós”, completa o trabalhador, que gastou cerca de R$ 280 em abril só com passagens para o local de trabalho. Bruno também não respondeu a estes questionamentos.

Servitium já recebeu duas notificações

“A Servitium respondeu que o pagamento estaria sendo ajustado neste mês de julho, em documentos que receberemos para conferir a partir de 16/07”, indica Couto. São duas notificações analisadas pela Diretoria de Contratos Administrativos. Não se sabe se haverá pagamento retroativo dos montantes devidos até agora.

Em meio a uma pandemia cujo contágio se dá pelo ar, a Servitium não distribuiu Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos funcionários. Agentes de portaria compraram os próprios EPIs que os protegem na labuta diária. Além disso, já são cinco mortes de trabalhadores em decorrência da covid-19 – três agentes terceirizados, um do quadro efetivo e uma senhora da limpeza, cujos nomes não serão revelados.

“A gente que comprou tudo, a gente que higieniza os balcões; tudo é por nossa conta”, revolta-se Francisca.
Insalubre

Para Eduardo, o descaso com a saúde dos terceirizados é responsável pela morte dos colegas. “Eles não nos deram os equipamentos que a gente precisa para não correr riscos e os agentes morreram; e agora, quem arca com isso?”, esbraveja. Ele, que acorda às 4h30 para chegar às 7h na universidade, pega dois ônibus “lotados até a tampa” na ida e na volta, e sequer tempo para almoço lhe é concedido.

“Agora está mais tranquilo porque não tem aula, mas se chegar alguém eu tenho de estar lá; nem saio do balcão para comer, é desagradável”, finaliza Eduardo.

Como dito, a reportagem ainda não conseguiu contato com a Servitium. Parlamentar federal pelo DF, Érika Kokay (PT) encaminhou ofício à reitoria da UnB cobrando explicações e atitudes da instituição a respeito da situação dos trabalhadores. O Jornal de Brasília não conseguiu contato com a deputada.

Saiba Mais

  • De acordo com Fernando Couto, da Uinversidade de Brasília, “há uma notificação em andamento para esse acerto de salários e benefícios pela CCT.”
  • O gestor também aponta que a empresa terceirizada se comprometeu a equiparar os salários ao combinado junto ao sindicato da categoria.
  • Não é a primeira vez que os terceirizados da Universidades passam por problemas com contratos não cumpridos e assédio moral.
  • O Jornal de Brasília já mostrou várias outras reportagens mostrando o descaso com os funcionários por parte de propreitários de empresas que venceram algumas licitações para gerir setores da Unb.

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