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Brasília

Uma aventura de nostalgia brasiliense: as emoções que permanecem e as que não voltam mais

A memória afetiva resgata referências locais na gastronomia e polos culturais que fizeram parte da infância dos brasilienses

Redação Jornal de Brasília

21/04/2023 12h06

Miriam Teresa com seu pai Ailton Cabral e sua mãe Celina Cabral

Marcos Nailton
redacã[email protected]

Os 63 anos de Brasília foram construídos perante muita tradição, com locais que marcaram a história da capital e a infância de muitos, sejam os trabalhadores que vieram até o Planalto Central para a construção da cidade, ou as primeiras gerações de brasilienses que cresceram em meio ao projeto ousado que o quadradinho representava .

Com o surgimento dos primeiros núcleos urbanos, obras de infraestrutura foram necessárias para habitar os candangos. A própria Cidade Livre (hoje o Núcleo Bandeirante) foi pensada para funcionar como centro comercial e recreativo para as pessoas diretamente ligadas à construção da capital. Hoje, Brasília é um dos polos gastronômicos de referência no país. Com o crescimento da população, multiplicaram-se os bares, lanchonetes, restaurantes, docerias, entre outros.

Ao longo dessas mais de seis décadas de história, há os estabelecimentos que conseguiram se fixar como tradição até hoje, a exemplo do Bar Beirute (109 Sul), do Restaurante Roma (511 Sul), da Pizza Dom Bosco e do Xique-Xique (ambos na 107 Sul), e da Pastelaria Viçosa (Rodoviária do Plano Piloto).

Mas foram muitos os que marcaram a memória de muitos, mas tiveram que fechar as portas, como por exemplo, o Foods (110/111 Sul), Janjão (102 Sul), Gugu (104 Norte), Gaf (Gilberto Salomão) e recentemente, em 2020, o antigo ponto de encontro da política desde a redemocratização, o Restaurante Piantella (202 sul).

Berço de talentos

Já nos anos 1980, os bares famosos revelaram grandes nomes da música. Cássia Eller e Zélia Duncan se apresentaram repetidas vezes no bar e restaurante Bom Demais (706 Norte), que funcionou entre 1984 e 1990, conquistando o público brasiliense. O Só Kana (Gilberto Salomão), era um dos locais prefeitos pelo pessoal do punk rock, entre eles, a banda Aborto Elétrico, que originaram o Legião Urbana e o Capital Inicial . Já o bar do Chorão (302 Norte), era um verdadeiro reduto da MPB.

Inaugurada em 1986, a boate Zoom, que também ficava no Gilberto Salomão, era o ponto de encontro da juventude de Brasília. Em pouco tempo, logo tornou-se o principal lugar para festas, shows e eventos no DF. A danceteria funcionou até meados dos anos 90.

Infância açucarada e cheia de brincadeiras

A criançada que vivenciou o período dos anos 1980 e 1990 com certeza se lembra dos doces de época que eram vendidos aos montes no Conic. A bala Dadinho era preferida por muitos, mas as balas Azedinha e Chita também não ficavam para trás. Moedas e guarda-chuva de chocolate eram outras opções, além do pirulito de iogurte e da bala caramelo.

Doce de abóbora, maria-mole e bala de coco, que vinham nos saquinhos da comemoração do dia de São Cosme e Damião, também não podiam faltar. Nos dias de riqueza, a Tortuguita era a escolha, com seu famoso ritual para comer o chocolate. Primeiro as patinhas, em seguida o rabo e a cabeça. Por fim, o casco recheado. São sabores inesquecíveis que atravessaram gerações.

A contadora, Miriam Teresa, 50, destaca que ao falar de doce, lembra-se do chocolate Surpresa, que vinha com cartões colecionáveis de animais. “É um dos chocolates que a gente comia que não existe hoje. Em relação à balinha, me lembro de uma que o desenho era um elefantinho azul em forma de dadinho, mas não é o dadinho que existe hoje. Outra que eu consumia com frequência era a bala soft”, recorda.

Miriam conta que a primeira lembrança que vem quando criança, é na época em que brincava muito com outras crianças do prédio onde morava. “Sempre morei no Plano Piloto, tinha horas de fazer as tarefas da escola, mas também tinha esses momentos no período da tarde e final de semana que juntava uma criançada e brincava de tudo que se possa imaginar”.

Entre as brincadeiras mais comuns, bolinha de gude e os diversos tipos de pique não podiam faltar. A contadora chegou à capital aos cinco meses de idade. O seu pai, Ailton Cabral, 77, é militar aposentado e veio transferido para Brasília com sua esposa e filha. A família morou no Cruzeiro, depois em três quadras da Asa Norte, e agora reside há 35 anos na 104 Sul.

“Meus pais na época tinham um fusca, foram dois dias de viagem do Rio de Janeiro para cá. Pelo relato deles, eu era bebê então tinha que parar muitas vezes para cuidar de mim e a gente poder chegar a Brasília”, afirmou.

Miriam diz que teve uma infância muito tranquila junto com os outros dois irmãos, Mônica Cabral, 47, e Ailton Junior, 43. Ela se lembra de ir aos fins de semana com a família no espelho d’água do Congresso Nacional, onde tinham cisnes brancos. “A gente ia lá dar comida para os patinhos, era muito gostoso. Hoje não existe mais, mas foi uma coisa que ficou guardada na minha memória”, relembra. Outros passeios frequentes, eram para o Parque da Cidade para andar de bicicleta e para o parque de diversão do Nicolândia, onde passavam o dia se divertindo nos icônicos brinquedos.

Miriam e sua filha Ana Beatriz no Parque da Cidade (2002)

Apesar de ser um pouco retraída, Miriam lembra que, durante a sua adolescência, costumava sair com os amigos para a Boate Zoom, no Lago Sul, e para a Boate no Clube do Exército. Ela destaca que sente falta daquela época e queria que os filhos pudessem ter vivenciado as brincadeiras de rua. Hoje, a família segue a tradição de realizar pelo menos uma refeição em conjunto, apesar de toda a correria do dia a dia.

“Não vejo outro lugar melhor pra criar meus filhos hoje. Tenho minha família, meu marido é de Brasília, minha filha tem 22 anos e meu filho 17 anos. Então é uma cidade tranquila tanto para a gente crescer quanto educar nossos filhos e crescer com a nossa família”, salientou Miriam Teresa.

57 anos repleto de tradição

Ícone de Brasília, e aniversariante na mesma semana da capital, o tão conhecido Bar e Restaurante Beirute completou 57 anos de existência no início da semana. A história do bar iniciou-se em 1966, com a recém chegada dos árabes, Youssef Sarkis Maaraouri e Youssef Sarkis Kawai à capital. Os dois irmãos compraram o espaço na esquina da 109 Sul para montar o restaurante árabe, que foi inaugurado em 16 de abril de 1966.

Em dezembro de 1969, os irmãos Bartô, que faleceu em 2001, e Francisco Marino, o Chiquinho, que veio para Brasília a convite do irmão. Eles começaram a trabalhar no Beirute como garçons e, no Natal daquele ano, eles decidiram assumir o lugar após proporem uma oferta ao então atual dono do bar, o árabe José Cauhy. A notícia se espalhou pela cidade e os moradores começaram um movimento para apoiar os garçons, que conseguiram honrar a proposta de compra feita.

Na época da Copa do Mundo de 1970, Brasília não tinha um lugar específico para comemorar os jogos da seleção, naturalmente, os moradores começaram a se reunir no Beirute, que virou um ponto de encontro e o local era sempre comentado quando havia jogos de futebol. O restaurante voltou a ter grande movimento. O bar também virou ponto de encontro de movimentos artísticos e políticos.

Ao Jornal de Brasília, Francisco Emílio, filho de Chico, explicou o motivo de o bar ser reconhecido como o ambiente que acolhe todas as tribos. “Foram surgindo diferentes grupos e pessoas de outras regiões, e o Beirute foi se firmando como esse ponto de encontro cultural, e a medida que iam surgindo as bandas de rock, grupos musicais, grupos de teatro, todos eles acabavam vindo ao Beirute para dar uma relaxada e sempre sendo aquele lugar de debate de ideias e criações”, informou.

Atualmente, Chiquinho segue a todo vapor à frente do restaurante, e não escondeu a alegria do estabelecimento continuar transmitindo tanta tradição por Brasília. Hoje, além do espaço na 109 Sul, há uma segunda unidade na 107 Norte.

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