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Brasília

Tremor no DF: Brasília não está preparada

Arquivo Geral

03/04/2018 7h00

Atualizada 02/04/2018 22h08

Foto: Breno Esaki

Jéssica Antunes e Raphaella Sconetto, com agências
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As estruturas prediais do DF são completamente vulneráveis aos abalos sísmicos como o sentido ontem na região central de Brasília. O terremoto, com epicentro no sul da Bolívia, mexeu o solo da capital, deslocou prédios e brasilienses tiveram de evacuar pavimentos às pressas. Segundo a Defesa Civil, não houve danos provocados pelas oscilações, mas especialista alerta que casos cada vez mais constantes atingem a região e não há norma técnica para construções à prova de tremores.

O tremor registrado em Brasília às 10h40 foi reflexo do terremoto de magnitude 6,7 na escala Richter que atingiu um ponto próximo à cidade de Carandayti, na província de Luis Calvo de Chuquisaca, segundo o Observatório Sismológico da Universidade de Brasília. O caso aconteceu a 557 quilômetros de profundidade e durou cerca de 30 segundos, próximo da fronteira com a região norte do Paraguai.

No DF, os abalos foram sentidos especialmente na região central. O Corpo de Bombeiros recebeu mais de 50 chamados. Há relatos de impactos principalmente na Asa Sul, mas também na Asa Norte, Setores de Autarquias, Setor de Armazenagem e Abastecimento, Sudoeste, Cruzeiro, Setor de Indústrias Gráficas, Guará e Planaltina.

“Concreto e ferragens, juntos, são capazes de suportar pequenas variações físicas. Isso está previsto em prédios mais altos”, diz o subsecretário de Defesa Civil, coronel Sérgio Bezerra. Ao todo, o órgão recebeu 38 solicitações, destas 28 resultaram em vistorias. Nenhuma manifestação de dano às estruturas provocado pelo episódio foi observada. Para os órgãos de segurança, não há riscos.

Falta norma

Neusa Mota é Engenheira Civil especialista em fundações e estruturas, com doutorado em Geotecnia. Professora do UniCeub, ela diz que as estruturas brasileiras não foram construídas pensando na segurança de ações sísmicas e na resposta em casos de deslocamento no solo. “Nossas normas de estrutura e de fundações não têm previsão de consideração estrutural dessas ações. Apesar de termos regiões com abalos mais constantes, a velocidade com que a atualização da norma não é a mesma”, explica.

Depois de construído, não há o que fazer. Para a especialista, os prédios brasileiros não estão preparados e não é simples de resolver. A preocupação fica por conta dos deslocamentos de pavimento que às vezes são imperceptíveis, mas podem provocar sensação de labirintite.
Uma explicação para ausência de preocupação nas normas seria justamente a ausência de casos no Brasil. “Mas a partir do momento em que está se aproximando da gente, nós, como projetistas, associações e sindicatos, precisamos começar a pensar na modificação junto à comissão da norma brasileira de fundações ”, acredita.

Professor George Sand França, responsável pelo Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB)/
Foto: João Stangherlin

Nem o primeiro, nem o último susto

Coordenador do laboratório do Serviço Geológico do Brasil, Marcos Ferreira explica que o que ocorreu no país vizinho é normal. “É um choque entre duas placas, Nazca e Sul Americana, em uma região que é sismicamente ativa, e há diversos eventos dessa magnitude e maiores. O que ocorreu em Brasília foi um reflexo das ondas que trafegaram até aqui”, esclarece.

Esta não foi a primeira e nem será a última vez que Brasília passará por abalos sísmicos. É o que ressalta o professor George Sand França, responsável pelo Observatório Sismológico da Universidade de Brasília. “Acontece esporadicamente. Não há novidade”, resume. Segundo o especialista, o diferencial do sismo de ontem foi o horário. “Foi a primeira vez que tivemos um leque maior de regiões atingidas. O horário facilitou isso, porque mais pessoas estavam presentes e, consequentemente, mais pessoas sentiram”, alega.

França elenca pelo menos quatro fatores que facilitam a propagação dos efeitos dos terremotos: a geologia da cidade, a população, o horário e a direção das edificações. Para medir a intensidade – diferente de magnitude, que aponta qual foi a energia do terremoto -, pesquisadores usam a Escala de Mercalli. Aqui no DF, ainda não há dados da intensidade do abalo sentido ontem. Mas, segundo o professor, há possibilidade de o parâmetro variar entre 3 e 4 – escalas consideradas fracas e moderadas.

A tendência é de que haja novamente, já que réplicas de menores magnitudes geralmente ocorrem após os sismos. Inclusive, três horas após o terremoto, a Bolívia registrou novos tremores de magnitude 4,5. Segundo o especialista, não são raros os casos de tremores de terra na capital. No entanto, com edifícios baixos, a população do DF não costuma senti-los, diferentemente de São Paulo.

Neste ano, 60 abalos foram registrados no Brasil, segundo o Observatório Sismológico da UnB. Somente nas últimas duas semanas, foram cinco. O tremor mais próximo ocorreu em Ipiranga de Goiás, a cerca de 250 quilômetros da capital, às 20h30 do dia 16 de março, com 1,5 de magnitude. Desde 1922, o observatório registrou 19 eventos de tremores no Brasil com magnitudes maiores ou iguais a 5. O mais recente desta série foi em Amaturá (AM), em 2015. O município teve um tremor de 5,4 de magnitude.

Expediente interrompido

Suspender, realocar ou retomar os serviços. As empresas do Setor Comercial Sul, local mais afetado ontem, tiveram que escolher uma das três possibilidades após os impactos. Toda a região foi evacuada e os trabalhadores se reuniram sob as galerias. A publicitária Ana Caroline Rodrigues, 25 anos, recebeu a recomendação de voltar para casa até a normalização. “A evacuação foi tranquila, todos desceram de escada e não houve desespero, apesar do susto”, conta. Ela diz não ter reparado nenhuma trinca ou dano à estrutura do prédio.

Fernando Pessoa, 23 anos, foi realocado. Ele trabalha em uma rede hospitalar com unidades espalhadas pela cidade. Ontem, a equipe foi direcionada a outras localidades. À tarde, ele continuou o expediente em Águas Claras, e também diz que não houve desespero. “A mesa deu uma afastada e foi na hora que recebemos a informação para sair do prédio”, lembra.

Em situação de normalidade, Maria Nilza das Chagas, técnica de enfermagem de 49 anos, voltou ao posto de trabalho à tarde. Ela relata medo, mas sem pânico. “Eu senti a mesa balançar muito, aí achava que estava tendo crise de labirintite. Continuei com a cabeça baixa, e balançou mais. Quando levantei, o pessoal já estava pedindo para evacuar o prédio”, diz.

Foto:Leonardo Benassatto/Reuters

Correria maior em São Paulo e em Minas Gerais

Em São Paulo, ao menos cinco prédios comerciais na Avenida Paulista foram evacuados por causa de tremores sentidos nos andares mais altos. O quarteirão entre as alamedas Joaquim Eugênio de Lima e a Campinas ficou apinhado de funcionários assustados.

A contadora Elisângela Corrêa, 39, trabalhava no 10º andar de um prédio quando começou a sentir tontura. Grávida de seis meses, achou que fosse algum sintoma da gestação, mas percebeu que havia algo errado quando viu a persiana bater na janela. “Foi o tempo de pegar o celular e descer as escadas. Foi um alívio quando saímos no térreo”, disse.

O contador Franklin Silveira, 35, estava no mesmo andar e também desceu as escadas após pegar o celular. “Pelo menos se ficasse preso, poderia dizer ‘eu te amo’ para a família”, comentou.

Outra colega de trabalho, Jennifer Dias, 25, traçou uma estratégia mental para sobreviver a um possível colapso do prédio. “Comecei a olhar para os lados e encontrar um lugar para pelo menos respirar até alguém vir resgatar”, disse, sobre a possibilidade de o prédio onde trabalha ter desabado antes de conseguir sair. “Não estamos preparados para isso. Os prédios são todos de concreto e vidro.”

Alarme
Também na Avenida Paulista, no prédio da Petrobras e no edifício número 949, o alarme de incêndio foi acionado, e bombeiros civis passaram pelos andares para avisar que o prédio estava sendo evacuado. “Fecharam o elevador e nos mandaram descer as escadas. Só peguei a carteira e o celular, que é quase um órgão vital, e desci”, lembra a advogada Juliana Lins, 33, que estava no 15º andar.

O engenheiro ambiental Fernando Fae, 36, conta que estava em uma reunião em uma sala no prédio da Petrobras quando sentiu o chão se mover. “Achei que estava passando mal, mas depois vi a cortina se mexer e logo o alarme soou”, relatou.

Na Rua dos Ingleses, na Bela Vista, o tremor também foi sentido nos andares mais altos dos prédios residenciais. Moradores chegaram a ocupar as calçadas com medo de desabamento, mas a situação já tinha voltado à normalidade no final da manhã.

Cidades mineiras

O abalo também foi sentido em cidades de Minas Gerais. Em Belo Horizonte, o Corpo de Bombeiros recebeu um chamado relatando tremor em um prédio comercial no bairro Barro Preto, na região central. No edifício de dez andares, o tremor foi sentido do 6º andar para cima.

Os bombeiros vistoriaram o local, onde funcionam clínicas de saúde, e não observaram danos na estrutura do prédio, que teve o acesso liberado. Pessoas que estavam no edifício, porém, chegaram a abandoná-lo com medo.

Em Araxá, no Triângulo Mineiro, os bombeiros foram acionados em um prédio no centro da cidade, mas não houve danos.

No Paraná, moradores de Umuarama e Maringá, no Noroeste do estado, e em Cascaval, na região Oeste, também sentiram o tremor. Técnicos da Defesa Civil fizeram vistorias para averiguar se os prédios sofreram danos estruturais.

Saiba Mais

O serviço de informações de alertas de atenção da Defesa Civil só informou sobre o abalo sentido no centro de Brasília duas horas após o ocorrido. A terra em vários pontos da capital tremeu às 10h40, e passavam das 12h50 quando as mensagens chegaram aos números cadastrados.

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