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Brasília

Tic-tac… o senhor das horas

Mais antigo relojoeiro de Brasília está há 57 viradas de calendário no mesmo ponto na comercial da CLS 207

Gustavo Mariani

21/12/2021 5h00

Brasília pegava fogo, em 1964, com a derrubada do presidente João Goulart, pelos militares. Sem ter noção do que rolava, o jovem Nélson desembarcava na cidade, pensando em melhorar de vida, como relojoeiro.

Aos 22 de idade, ele tinha precária formação intelectual lhe dada pelos colégios de Douradas, Aquidauana e Campo Grande, no hoje Mato Grosso do Sul. Com a sua pouca bagagem, foi tentar a sorte na capital paulista e em Bauru. Na primeira, em 1961, os relógios começaram a marcar a sua vida, que foi encaminhada, em 1962, para a segunda.

Este sujeito, que não gosta de citar o seu sobrenome, preferindo ser conhecido por Nélson Relojoeiro, é o mais antigo profissional das horas, em Brasília, com um detalhe: está no mesmo ponto há 57 viradas de calendário, como conta:

“Quando cheguei, só vi banquinhas (de relojoeiros), em locais onde passavam mais pessoas. Mas os relojoeiros já estavam por aqui desde os inicios da construção de Brasília, na Cidade Livre. Até conheci um deles. Então, escolhi me instalar pela comercial da 207 Sul, por ter observado bom fluxo de gente onde havia uma revenda de água mineral e o Mercadinho Big Ben, do qual me valeu a sua marquise. Ficava do lado do Bloco B da (quadra) residencial. “Fui ficando, ficando e passei 24 anos no local. Em 1971, a área ainda era separada da residencial por uma cerca de arame farpado. Há quatro, me mudei para onde estou – SHCS – CL – Quadra 207 – Bloco “B” Fundos, como está escrito em seu cartão de apresentação, no qual colocou um desenho do Big Ben britânico e afirma: “Mais de meio século concertando relógios aqui na quadra e fazendo amigos”. E prossegue, em parágrafo abaixo: “A existência do relógio atesta a engenhosidade do mecanismo, a inteligência e a sabedoria do RELOJOEIRO”, destacando a sua profissão por letras maiúsculas.

A filosofia apresentada acima é uma das caracteristicas do Seu Nélson Relojoeiro, que garante ter vencido a sua fase de pouca iluminação cultural e se tornado um “filósofo autodidata”, que cultua tudo o que nos foi passado por Sócrates e Platão.

“A Grécia foi o grande berço da nossa civilização”, vê assim, sem se ligar muito nos filósofos brasileiros, dos quais diz não curtir mais do que uns dois, sem citar nomes.

Vovô Nélson – seis netos, um filho empreiteiro de obras e duas filhas, uma professora e a outra contabilista – ajudou a formar esta prole, só acertando os ponteiros dos relógio dos brasilienses. Certa vez, ele arrumou o relógio do cacique xavante Raoni, que queria cronometrar o tempo dos chás de cadeira que levava do (homem) branco.

De uma outra, um militar parou em frente a ele, puxou da sua autoridade de ajudante de ordens do presidente (da República) João Figueiredo e disse-lhe o chefe tinha pressa no concerto daquele relógio. “Deveria ser da primeira dama (Dona Dulce), por ser do tipo usado por mulheres” – ou da amante? Falava-se, muito, de um rolo do João com a filha de uma grande autoridade nomeada por ele.

Por falar em rolos do coração, o Vovô Nélson é (ou era) do time dos gaviões malvados. Antes da atual companheira, já havia batido asas com três. “Duas não deram certo, porque os filhos delas (as parceiras) eram muito ciumentos”, jura ele, que pediu:

“Escreva uma matéria romântica, viu”, garantindo que, ainda, não estar fora do mercado. “Tesão, tenho pro gasto, embora ereção nem tanto. Mas já experimentei o Viagra e outros da mesma escala (vasodilatadores), e não passo vergonha com a namorada” – da qual mantém o nome sob sigilo, só citando ter ela 67 de idade, 15 velinhas apagadas a menos do que ele que, no próximo 15 de janeiro celebrará 82 viradas da folhinha.

Embora seja um octogenário, o Vovô Nélson garante, também, ter as vistas em dia para cuidar dos relógios. Não esconde já ter se submetido a uma cirurgia, para se livrar de uma catarata, mas garante ver o mundo muito bem, ao ponto de ainda dirigir o carro com o qual (Livina, da japonesa Nissan) vai para o trabalho (exceto aos domingos), onde chega, entre 8h20 e 9h00. E só sai após as 17h, marcando o tempo de chegar ao Guará (reside na casa do filho) usando um relógio Citzen Demographic.

Aposentado, como autônomo, o relojoeiro mais antigo de Brasília recebe o salário mínimo e economiza não pagando aluguel e nem a alimentação nos domingos. Mesmo já sendo um autêntico patrimônio de Brasília – há 57 temporadas no mesmo ponto -, ele não tem boa vida com o Governo do DF que, há 30, lhe cobra pelo uso de 1m50 cm x 1m50cm da calçada.

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