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Brasília

Testes feitos pela UnB buscam evitar que aves colidam em fachadas envidraçadas

As fachadas envidraçadas nos centros urbanos são uma das maiores causas de mortalidade aviária no mundo

Redação Jornal de Brasília

04/02/2021 17h53

Com modernidade, leveza e otimização energética, as fachadas de vidro estão cada dia mais presentes na paisagem dos centros urbanos. Entretanto, isso pode trazer problemas, já que as fachadas envidraçadas são uma das maiores causas de mortalidade aviária no mundo, contribuindo para um desequilíbrio ecológico que atinge a todos os seres vivos.

Existem diversos métodos para contornar o impacto negativo do material no meio ambiente, e a Universidade de Brasília começou a adotá-los, em fase de teste, no campus Darcy Ribeiro. O Bloco de Salas de Aulas Sul (BSAS) e o Centro de Excelência em Turismo (CET) são os primeiros prédios a receber medidas mitigatórias.

“Um dos prédios mais altos da UnB, o Bloco de Salas de Aulas Sul, tem vidros laminados e espelhados que refletem a vegetação e o céu, dando a impressão aos pássaros de que o habitat deles continua ali. Já os vidros do CET são totalmente translúcidos, ocasionando o choque das aves que tentam atravessar o material por não perceber essa barreira”, explica a egressa Ilza Fujiyama, que desenvolveu pesquisa sobre o tema em seu trabalho de conclusão de curso (TCC) em Ciências Ambientais.

Segundo o docente do Instituto de Ciências Biológicas (IB) e orientador do estudo, Roberto Cavalcanti, estimativas apontam que “entre 120 e 150 espécies de aves transitam no campus, o que corresponde praticamente a um quarto da população de avifauna do Distrito Federal”. Ele ressalta que por ter bastante área verde, especialmente nas proximidades do Centro Olímpico, o Darcy Ribeiro é uma importante rota de aves.

A pesquisa foi apoiada pela Secretaria de Meio Ambiente (SeMA) da UnB e pela Prefeitura da UnB (PRC). “Nossa intenção é institucionalizar ações que deem continuidade à pesquisa em outros pontos do Darcy Ribeiro e dos demais campi”, conta o secretário da SeMA, Pedro Zuchi.

Dimensão do problema

Estudos apontam que, somente nos Estados Unidos e Canadá, cerca de um bilhão de aves morrem por ano em decorrência de colisões com construções envidraçadas. No continente europeu, a estimativa é de 250 mil mortes por dia. No Brasil ainda não há estudos suficientes sobre o tema.

Outro fator a ser considerado é a crescente urbanização e degradação dos ambientes naturais. No Brasil, por exemplo, a taxa de urbanização entre 1940 e 2010 quase triplicou, subindo de 31,2% para 84,3%, de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“As cidades, que antes eram razoavelmente secundárias para a conservação das espécies, hoje têm importância cada vez maior. Transformá-las em ambientes seguros para espécies nativas melhora a qualidade da experiência humana, já que fatores como poluição do ar, contaminação das águas e redução de áreas verdes impactam todos os seres viventes”, observa o docente Roberto Cavalcanti.

“A pesquisa evidencia que muitas construções humanas inadvertidamente têm um impacto negativo forte para as espécies nativas. Mostra também que o conhecimento científico permite combinar duas necessidades: a de criar construções sustentáveis e modernas para pessoas e menos agressivas para outras espécies”, completa.

Medidas mitigatórias

Não é preciso abrir mão do uso de vidros nas construções para garantir que as aves possam vivenciar o ambiente urbano de modo seguro. Diversas soluções já têm eficácia cientificamente comprovada para mitigar a mortandade de aves em vidraças.

“Para fachadas com vidros translúcidos, o uso de cortinas ou persianas no ambiente interno já sinaliza à ave que existe uma barreira ali. Outra opção é a aplicação de películas com eficácia comprovada para esse fim”, cita Fujiyama sobre recursos para edificações já existentes.

Outra possibilidade é adaptar soluções. “Com uso de fita adesivas encontradas em papelarias, é possível aplicar adesivos em formatos circulares, faixas verticais ou horizontais que funcionam como um sinalizador”, elenca a graduada sobre medidas paliativas. Um contraponto dessas abordagens é a baixa durabilidade. No caso da adoção de adesivos ou faixas, é indispensável seguir um padrão na aplicação. “Na aplicação horizontal, o espaçamento máximo é de até 5 cm e, na vertical, esse espaço não pode ultrapassar 10 cm. Esse é o intervalo percebido dentro do campo de visão das aves”, esclarece Fujiyama.

Para obras ainda em execução, uma opção é escolher vidro serigrafado. “Nele, é impresso o padrão desejado, a exemplo de linhas bem finas que não têm grande impacto do ponto de vista estético, mas que são de grande eficácia para sinalizar aos pássaros sobre a vidraça”, pontua Fujiyama. Outras possibilidades são vidros foscos ou vidros pouco reflexivos.

Testes

O primeiro prédio do campus Darcy Ribeiro a receber a instalação das medidas mitigatórias foi o Centro de Excelência em Turismo (CET). A área sinalizada é a porta de entrada do prédio, que recebeu adesivos circulares de 1,9 cm de diâmetro, com espaçamento de 10 cm entre eixos.

A sinalização seguinte foi implementada na porta lateral do Bloco de Salas de Aulas Sul (BSAS). O método escolhido para a parte superior da fachada foi o Acopian BirdSavers, conhecido como cortina de vento, com a aplicação de cordões (paracords) de 4 mm. Na parte inferior, partindo da altura da porta, foram aplicados adesivos circulares seguindo o mesmo padrão adotado no CET.

No CET, a instalação ocorreu em novembro de 2020, seguido pelo BSAS, em dezembro. “Desde então, não houve mais colisão de aves nestes locais. É o primeiro passo para que a Universidade de Brasília amplie a adoção das medidas para outros prédios de seus campi e se torne um modelo para a cidade e para o país”, comenta Ilza Fujiyama.

O secretário de Meio Ambiente da UnB garante que há o desejo de instituir uma política para evitar a mortandade aviária nos campi. “Queremos atuar em parceria com a Secretaria de Infraestrutura para viabilizar uma normativa que nos leve a pensar adequadamente o processo de envidraçamento de nossas edificações”, disse Pedro Zuchi.

Futuro sustentável

Transformar as cidades em ambientes amigáveis à convivência das espécies é uma pauta que mobiliza pessoas por todo o mundo.

No mercado estadunidense já são ofertados adesivos de alta durabilidade próprios para evitar a mortandade aviária, chamados de CollidEscape. Já a Alemanha desenvolveu uma tecnologia de vidros translúcidos com uma camada que reflete os raios UV imitando teias de aranhas, invisíveis ao olho humano mas percebidas pelas aves.

Para Ilza Fujiyama, a pesquisa realizada na UnB pode contribuir para a visibilidade do assunto no país. “Chama a atenção o quanto esse assunto é desconhecido pela população. São mortes silenciosas, que atingem muitas aves, sem que as pessoas percebam. Queremos mobilizar a comunidade, legisladores, arquitetos e construtores para juntos tornarmos esse assunto visível e adotarmos soluções sustentáveis.”

O docente Cavalcanti reforça que a pesquisa “aponta soluções efetivas e economicamente acessíveis”. Ele acrescenta que a “UnB pode se tornar pioneira enquanto instituição acadêmica a adotar uma política normativa sobre uso de vidraças amigáveis às aves”.

O detalhamento completo da pesquisa, bem como a metodologia adotada, constam no trabalho de conclusão de curso Análise dos padrões de mortalidade de aves nas vidraças dos prédios da Universidade de Brasília – Campus Darcy Ribeiro. Em breve o documento estará disponível para consulta no repositório da Biblioteca Central da UnB (BCE).

Com informações da UnB Notícias

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