Menu
Brasília

Saúde mental: Caps investem em atividades alternativas

Os Caps promovem a humanização via sistema público e gratuito de atendimento

Redação Jornal de Brasília

30/09/2022 18h31

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Ana Clara Neves, Milena Dias, Mayara Mendes e Nathalia Maciel
Agência de Notícias CEUB/Jornal de Brasília

Horta, capoeira, crochê, caminhada, relaxamento, ecolavagem de carros, bazar, artesanato, teatro, cinema, yoga, futebol, música, dança… Nem parece atendimento de saúde. Mas essa rotina diferenciada faz parte de pacientes dos centros de atenção psicossociais (Caps) do Distrito Federal. São, ao todo, 18 unidades de saúde , incluindo Plano Piloto e Regiões Administrativas. Os Caps promovem a humanização via sistema público e gratuito de atendimento.

André Silva, de 36 anos, é paciente do Caps Paranoá e participa dos grupos de artes e teatro. Ele conta que foi sugestão da família ir ao Caps, mas foi ele quem escolheu as atividades que mais se identifica. ELe relata que é um ambiente de muito aprendizado, que o ajuda a ficar mais animado e progredir. “Eu aprendi muito. Eu gosto bastante”, afirma.

Segundo o psicólogo Ricardo Alves, que é gerente do Caps Paranoá, o o objetivo é o tratamento adequado de saúde mental de uma forma integradora. “O objetivo do Caps não é excluir a pessoa da sociedade. Pelo contrário, é incluí-la novamente”, diz o profissional. A unidade conta com 634 pacientes e 19 grupos de apoio, incluindo trabalhos de geração de renda.


“Tem um ex-paciente nosso que era bipolar. Ele tinha um prognóstico muito bom, até porque ele já veio pra cá no início, nas primeiras crises. Hoje ele trabalha em um ministério. De vez em quando, ele vem visitar a gente, vem de terno e eu até digo: quem te viu, quem te vê.”

Inclusão

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são unidades especializadas em saúde mental para tratamento e reinserção social de pessoas com transtorno mental grave e persistente. De acordo com a Secretaria de Saúde, o Caps é um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros que demandam cuidado intensivo, comunitário e personalizado para os pacientes.

“Às vezes, o paciente já perdeu as referências familiares. Já perdeu trabalho, parou de estudar, se separou… Perdeu contato com a família, já se queimou de todo jeito, já entrou em crise várias vezes, parou de tomar remédios ou agrediu alguém. E se continuar assim, ele vai ou já sumiu no mundo. O fato é: há necessidade do paciente estar no Caps porque é como se fosse uma UTI de saúde mental”, diz Ricardo Alves.

Atendimento nas unidades

Diferentemente do que as pessoas possam pensar, o Caps não é um centro ambulatorial onde tem especialidades para que as pessoas possam se consultar e ir para casa. “Muitas pessoas acham que o Caps faz psicoterapia”. Mas vai além de consulta com um médico ou receber remédio. “O intuito do Caps é justamente apoiar o sujeito numa condição psicossocial muito grave”.

A fisioterapeuta Karine Vieira de Oliveira, que é residente em saúde mental, atua no Caps. Ela diz que cada unidade tem uma equipe multiprofissional, que trabalha com áreas específicas. Fazem parte enfermeiros, psiquiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e, às vezes, nutricionistas.

A fisioterapeuta ainda explica que a equipe sempre tenta inovar e reinventar os tratamentos oferecidos. “A gente tenta trabalhar dessa forma, mais integrada possível para que o paciente seja entendido nessa complexibilidade, como um corpo físico, um corpo social, um corpo biológico e até cultural”, diz.

Entretanto, apesar de ser um ambiente que tenta ser mais leve e descontraído, as unidades tratam de situações de vulnerabilidade delicadas, conforme relata Ricardo Alves. “Quem passa aqui na frente todo dia não imagina as coisas que acontecem aqui”.

Atividades alternativas

O enfermeiro Paulo Candido de Souza, de 45 anos, que trabalha no Caps do Paranoá desde 2016, afirma que os profissionais de atenção psicossocial têm atividades de acordo com a natureza do serviço, que é multiprofissional. “Mas com o sentido de reabilitação psicossocial. Então aqui eu faço a mediação de alguns grupos”.

Dentre eles, horta, bazar e ecolavagem de carros são de geração de renda, que, conforme diz o gerente do Caps, Ricardo Alves, têm o objetivo de oportunizar e potencializar o espaço para que os pacientes criem seu próprio negócio e consigam sua própria renda. “Cada grupo tem sua regra. Todos sentam, pensam e repensam as normas estabelecidas pelos próprios participantes”.



O grupo Arte e Expressão é coordenado pelo enfermeiro Paulo Cândido. Segundo ele, a arte ajuda as pessoas a expressarem aquilo que, às vezes, em palavras não conseguem dizer. Além disso, ele também desenvolve o grupo da ecolavagem, que é a lavagem ecológica de carros. É uma atividade ecológica, terapêutica e de geração de renda.



O coordenador diz que utiliza produtos orgânicos, além de gastar de 2 a 4 litros de água em uma lavagem, o que em uma limpeza normal seria de 200 a 400 litros. É também uma atividade terapêutica, em que o paciente aprende a ter responsabilidade, cuidado e concentração, conviver em grupo, a lidar com dinheiro e com pessoas. Ademais, é uma fonte de geração de renda para os pacientes.

“A gente entende essa potencialidade dessa socialização e de algumas coisas do nosso dia a dia que são terapêuticas. A gente entende que a reabilitação do paciente deve ser pelos afazeres diários dele, da vida mesmo e do que é importante e significativo para cada um”, diz Karine Vieira

Pandemia

Compreender o local de convivência é o primeiro passo para a maioria dos pacientes incluídos nos tratamentos dados. Porém, nos últimos dois anos, este fator essencial não foi uma opção viável dentro dos Caps, devido ao vírus covid-19. “A pandemia foi o calcanhar de aquiles do Caps. Porque a pandemia tirou toda a convivência que tínhamos. Ela proibiu o caps de permanecer com as portas abertas”, conta Ricardo Alves

Uma pesquisa feita com 130 países que foi divulgada no início do mês de outubro de 2022 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 93% dos países pesquisados interromperam serviços essenciais de saúde mental durante a pandemia do coronavírus.

“A pandemia nos obrigou a manter distância, fazer atendimento, tudo a distância, pelo telefone ou internet. Tirou até os grupos, inclusive. E quem não tinha esses recursos, simplesmente entrou em crise”, diz Ricardo Alves

E, como consequência desse período de distanciamento, muitos pacientes abandonaram o tratamento por ficarem dentro de casa sem o acompanhamento devido.

Ainda segundo Ricardo Alves, a pandemia afetou a vida dos pacientes pelo fato de que em casa começaram a ter conflitos que eram resolvidos e, até muitas vezes evitados, somente dentro das unidades de apoio.

“Começaram a apresentar sintomas que a família não sabia lidar, mas que nós sabíamos. Falavam coisas que não foram bem acolhidas, mas que nós acolhíamos”, relata o psicólogo.

O gerente diz que algumas pessoas foram embora na pandemia e não até hoje não voltaram. “Tentamos, na medida do possível, ir atrás, principalmente de casos com prognósticos ruins”, afirma. Houve pacientes que voltaram à unidade, outros se mudaram de cidade e alguns faleceram.

Nos últimos seis meses, a unidade voltou ao funcionamento normal. “Na pandemia isso aqui era um deserto. Depois que voltamos, pudemos ver a importância que o Caps tem na vida das pessoas”, conclui Ricardo.

“Às vezes, os pacientes me dizem: ‘nossa, mas eu vinha pra cá todo dia e agora eu só venho aqui uma vez na semana’. E eu digo: ‘que bom saber que nos outros dias você está estudando, trabalhando, vai sair com a filha, vai rever a namorada, vai viajar pra algum lugar e por isso não está aqui todo dia’. E aí o paciente vê que está preenchendo a vida dele de vida e não de doença”, diz o psicólogo.

Quem deve procurar o Caps

Ricardo Alves afirma que todas as unidades do Caps trabalham em regime de portas abertas. Funcionam e oferecem acolhimento todos os dias. Para ser atendido, não precisa de documentos, tendo em vista que o serviço também é oferecido a pessoas em situação de rua. Alguns deles já são cadastrados e outros chegam ao Caps por recomendação de centros e abrigos.

A orientação é que os pacientes que necessitam de um tratamento de alta complexidade procurem o Caps.

Os casos de pânico, ansiedade ou depressão devem ser atendidos em ambulatórios (nas policlínicas) da rede pública.

Como contribuir com a geração de renda

Para contribuir com a geração de renda dos pacientes, basta ir até a unidade do Caps Paranoá para comprar do bazar, horta ou lavagem de carro.

Além da venda, eles consertam peças e recebem doações. O gerente Ricardo Alves diz que também buscam as peças para doar já que a distância pode dificultar.

História

O trabalho do Caps teve início na década de 1990, mas o decreto de regulamentação foi publicado em fevereiro de 2002, através da Portaria Nº 336 do Ministério da Saúde, que reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade desse serviço, que têm a missão de dar um atendimento às pessoas que sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, oferecendo cuidados clínicos e reabilitação psicossocial.


Segundo a Secretaria de Saúde, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são classificadas em seis tipos:

CAPSi (Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil) – atende crianças e adolescentes que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, até os 17 anos;
CAPS I (Centro de Atenção Psicossocial 1) – atende pessoas de todas as idades, com sofrimento psíquico mental grave ou uso de álcool e outras drogas;
CAPS II (Centro de Atenção Psicossocial 2) – atende pessoas a partir de 18 anos que apresentam intenso sofrimento psíquico;
CAPS III (Centro de Atenção Psicossocial 3) – atende pessoas a partir de 18 anos que apresentem sofrimento psíquico intenso decorrente de transtornos mentais graves e persistentes;
CAPS AD II (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas 2) – atende pessoas a partir dos 16 anos que apresentem sofrimento psíquico intenso decorrente do uso de álcool e outras drogas.
CAPS AD III (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas 3) – atende pessoas a partir de 16 anos que apresentam sofrimento psíquico intenso decorrente do uso de álcool e outras drogas.
Dados da secretaria de saúde.

Arte: Marina Dantas Sousa – Birô de Criação Ceub

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado