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Brasília

Projeto de pesquisa vai mapear trancistas do DF

Com recursos do FAC, Layla Maryzandra pretende resgatar tradição afro-brasileira e construir a 1ª Cartografia Sociocultural das trancistas

Redação Jornal de Brasília

15/05/2023 15h51

Foto: Acervo pessoal

As mãos ágeis trançam fios e histórias enquanto reforçam a identidade de meninas e mulheres. Muitas vezes, nem a trancista nem a cliente sabem a importância da arte de usar os cabelos como quem borda uma tela. Trata-se de uma prática cultural ancestral, de matriz africana, que funciona como resgate da autoestima e da sensação de pertencimento. Quem trança fala de resistência e preserva uma herança cultural. É muito mais que um adorno. É um símbolo.

Tentar descobrir e localizar quem são, onde e como vivem mulheres que passam adiante a tradição é o objetivo do projeto Tranças no Mapa, que pretende construir a 1ª Cartografia Sociocultural de Trancistas do Distrito Federal e Entorno. Financiado com recursos de quase R$ 100 mil do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC) da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF, o projeto é parte de um estudo ainda mais abrangente, o Fios da Ancestralidade.

Iniciado em 17 de abril e com atividades previstas até o mês de agosto, o Tranças no Mapa, idealizado e coordenado pela pesquisadora Layla Maryzandra, faz parte da pesquisa de campo do Programa de Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (MESPT) da Universidade de Brasília (UnB).

“É um projeto de valorização e salvaguarda dos modos de saber e fazer, com objetivo de construir a 1º Cartografia sociocultural no Distrito Federal e Entorno de trancistas negras. Estamos discutindo sobre identidade e território, direito à memória negra, além de realizar ações de educação patrimonial em níveis local e nacional, e especialmente, apontando ações e políticas públicas para o IPHAN, para que se torne Patrimônio Cultural”, detalha Layla.

Sob a orientação da professora doutora Cristiane Portella, o projeto pretende fortalecer a prática e reforçar a necessidade de políticas afirmativas voltadas às mulheres negras que são profissionais trancistas. Para participar, é preciso ter mais de 18 anos e atuar há pelo menos dois.

Tranças que passam mensagens

No início do século XV, os penteados afro já funcionavam como um portador de mensagens na maioria das sociedades da África Ocidental, Oriental e Central, regiões de povos iorubanos, fanti-ashanti, bantos – os mesmos que foram sequestrados para as Américas, em especial para o Brasil. As tranças faziam parte de um complexo sistema de linguagem, que indicava o estado civil, a idade, o segmento religioso, a riqueza e a posição de uma pessoa dentro da comunidade. Atualmente, já é possível afirmar que trançar é uma tarefa familiar, que pentear cabelos é um ofício tão antigo e tão importante quanto qualquer atividade de subsistência.

“Os escravizados desenvolveram diferentes maneiras de subverter o sistema por meio de tecnologias e conhecimentos milenares. Trançar, usar o cabelo crespo é uma delas. Ainda vamos descobrir muito mais, ainda sabemos pouco sobre isso, porque estamos condicionados a pensar o escravizado africano na América como alguém sem condições de criar e desenvolver estratégias inúmeras de sobrevivência”, afirma a pesquisadora.

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é possível preencher o formulário e responder à pesquisa, além de se inscrever para participar da Oficina online de Patrimônio Cultural, em agosto 2023 Entre os questionamentos, o formulário pergunta se trançar é a principal atividade econômica da interessada, com quem ela aprendeu a arte e se ela reconhece a prática como sendo de origem africana.

Layla acrescenta que o ato de trançar é uma forma de reconhecer e preservar uma expressão cultural que é patrimônio cultural afro-brasileiro. “Também é um caminho para a valorização de um ofício que pode e deve ser garantido por iniciativas institucionais”, explica a pesquisadora.

“Os argumentos, não apenas para aprovação da minha pesquisa, mas para a continuidade deste projeto está no que ele propõe, como integração entre as culturas de tradição oral e educação formal e/ou novas tecnologias culturais, sociais e científicas, desenvolvimento de processos criativos continuados, ações de formação cultural e fortalecimento das identidades culturais, além de promover a integração da cultura com outras esferas de conhecimento e da vida social”, enumera.

História pessoal

O projeto tem forte vínculo com a história de vida da sua autora. Layla Maryzandra nasceu no Quilombo da Liberdade, em São Luís do Maranhão. “Minha avó, Raimunda do Nascimento Costa, foi a primeira a chegar em Brasília. Ela, veio para trabalhar como governanta de uma família branca do Maranhão, aqui moradora da parte nobre da cidade (Lago Norte)”, detalha. Ela conta que a avó chegou a trabalhar quase 60 anos para essa família.

“Com a presença da minha avó aqui, minha mãe veio comigo e meus irmãos, na busca de qualidade de vida, emprego, repetindo a história de sair do Nordeste à procura de outras oportunidades para as gerações futuras de nossa família”, explica Layla.

Layla Maryzandra (à esquerda), sua mãe (centro) e a avó Raimunda (à direita). Foto: arquivo pessoal

A pesquisadora conta que dona Raimunda sempre ressaltou que não queria as netas sendo empregadas na casa de brancos. “Ela sempre enfatizou a importância do estudo para sairmos de uma condição vulnerável economicamente e minha mãe afirma que conseguimos isso, afinal todos os filhos estudaram e nos adaptamos à cidade, buscamos nossas oportunidades. Manter nossas práticas culturais e trançar é uma delas”.

Criada nas periferias do DF, Layla Marysandra começou a trabalhar como trancista aos 17 anos, para obter uma renda extra e contribuir financeiramente em casa. Ela aprendeu a técnica observando sua mãe, que sempre trançou seu cabelo.

Layla acredita que o projeto é uma forma de colocar no mapa as questões de raça e gênero. “Dialogar conjuntamente o universo dos mapas sociais nos traz a possibilidade de dar visibilidade aos poderes públicos para a elaboração de políticas públicas de reconhecimento, proteção e garantia de direitos para as mulheres negras no DF”, explica.

Secec

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