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Brasília

Projeto busca diminuir violência em escolas públicas com base no diálogo

A iniciativa, que já acontece há dois anos, é feita dentro de uma escola pública de Brasília, localizada na Asa Norte

Redação Jornal de Brasília

07/09/2020 7h36

Atualizada 09/09/2020 14h20

Mayra Christie
Jornal de Brasília/ Agência UniCeub

“Antes eu via as situações de violência na minha escola, mas não dava muita atenção. E agora eu passei a me incomodar quando presencio. Conversar sobre isso dentro da escola, com meu grupo de amigos, para conscientizá-los também é fundamental”. A reflexão é da aluna Karla, de 16 anos, do ensino médio de uma escola pública, na Asa Norte, em Brasília. Ao longo do ano letivo, sempre se incomodou com demonstrações de violência e agressividade. Ela relata que, inclusive, já foi vítima de bullying.

Ela optou por agir e integrar o projeto de iniciação científica “Violência nas escolas: Diagnose e Intervenção”, de iniciativa da professora universitária Maria Eleusa Montenegro, acompanhada por um grupo de universitários pesquisadores. Após breve interrupção por conta da pandemia, o grupo voltou a trabalhar pelo caminho virtual. O distanciamento social não foi barreira para mobilização.

A iniciativa, que já acontece há dois anos, é feita dentro de uma escola pública de Brasília, localizada na Asa Norte.

“Pensei em intervir quando percebi que todo mundo conhece o fenômeno da violência, mas precisávamos fazer algo a mais”, explica a idealizadora do trabalho.

Para a equipe, não se trata de uma tarefa fácil. Mas o objetivo do trabalho é fazer os alunos refletirem e enxergarem a violência em situações antes normalizadas. “Queremos fazer com que eles (os colegas) repensem sobre a agressividade”, diz Karla. A estudante ainda expõe que a participação no projeto teve resultado, inclusive, na sua própria percepção do fenômeno.

A ideia da professora era justamente colocar em prática um projeto de intervenção que buscasse promover a paz no ambiente escolar, e tentasse minimizar os danos causados por esses episódios na vida das crianças e adolescentes.

“Rodas de conversa”

O projeto, que já foi inclusive reconhecido e premiado no Distrito Federal, pela Universidade de Brasília, traz como proposta a sensibilização para os casos de violência no local por intermédio de atividades práticas e rodas de conversa com temas relacionados ao respeito e aos tipos de agressão. “Intervimos dentro das escolas tratando sobre todo tipo de violência. Preparamos rodas de conversa e atividades práticas para discutir o bullying, machismo, racismo, homofobia, até as agressões físicas e verbais. Queremos conscientizar os alunos sobre respeito e limites”, esclarece Águeda Tavares, aluna de ciências biológicas e voluntária no projeto.

“Tivemos ajuda do departamento de psicologia do Centro Universitário de Brasília, caso surgisse algum componente emocional que não saberíamos lidar, houve oficina de teatro com um professor que já tem até filme de longa metragem, tivemos também a ajuda de um profissional do Ministério Público, um cantor de rap e uma professora de dança”, relata a pedagoga Maria Eleusa.

Atividades e pandemia

Diante da pandemia, as atividades pensadas para o ano de 2020 foram aplicadas de forma virtual. “Já conseguimos fazer um concurso de música pela paz, uma atividade de produção de um brinquedo reciclável, para trabalharmos a questão do meio ambiente, e depois doá-lo para uma criança carente. Agora, nossa terceira atividade, se trata da produção de um desenho ou de uma redação que mostrem formas de ser solidário durante a pandemia”, explica a professora do campo da pedagogia. Todos os registros das atividades são recebidos via Instagram e Whatsapp.

Quanto aos resultados, a professora conta que, ao realizar uma avaliação, foi possível notar uma diferença. “A violência envolve múltiplos fatores e estamos entendendo que os resultados são positivos para os grupos e para a escola em que atuamos”, considera Maria Eleusa.

Manifestação da violência

Para a professora de psicologia Mara Weber, a violência pode se manifestar de diferentes formas, vindo da escola, na escola, ou contra a escola. A primeira, de acordo com a profissional, pode se dar devido à relação hierárquica presente na instituição. “Manifestam-se como uma forma de dominação sobre os alunos”, esclarece. A forma mais conhecida, a violência na escola, se dá de forma mais explícita, por meio de falas e comportamentos agressivos entre os alunos ou entre os alunos e trabalhadores do local. “Já a violência contra a escola refere-se à desvalorização da instituição educativa como um todo, políticas educacionais que não contemplam a realidade, que desvalorizam professores e alunos, por exemplo”, identifica a professora.

A aluna Karla Christina conta que, na instituição onde estuda, geralmente a forma como os alunos são repreendidos pelos superiores pode agravar a situação. “Muitas vezes, a violência vem por parte até de gestores educacionais. Eles também precisam ser sensibilizados no modo de falar, por exemplo”, acredita.

Impactos da violência

Para Águeda Tavares, a violência ocorrida em âmbito escolar impacta negativamente o desenvolvimento do aluno em todas as áreas da sua vida. “Quando a gente recebe violência a gente aprende e reproduz com outras pessoas. Isso atrapalha na nossa socialização, até mesmo no futuro, em um ambiente de trabalho, onde seremos considerados pessoas violentas, agressivas.. Sem contar no relacionamento com a própria família, que também será prejudicado”, explica a estudante de ciências biológicas.

A voluntária ainda chama atenção a naturalização do comportamento. “Muitas vezes ele é naturalizado no discurso de que ‘adolescente é agressivo mesmo’, e acaba que ninguém tenta intervir”.

A psicóloga infantil Gemmima Bandeira chama atenção aos graves impactos que essas violências podem gerar a longo prazo na vida das vítimas. “Agressões podem disparar crises de ansiedade, de pânico e episódios deprimidos”, contou. A especialista ainda acrescenta que tais episódios interferem diretamente no rendimento e aprendizado dos alunos.

Entretanto, os danos e consequências emocionais e comportamentais podem surgir também para o agressor. Gemmima explica que, fora as questões jurídicas em que essa pessoa pode se envolver devido às agressões praticadas, o reprodutor da violência apresentará ausência no trato e nas construções de relações interpessoais. “Desconhecimento sobre as próprias emoções e comportamentos, baixa tolerância a frustração ao longo de perdas e vivências cotidianas, descumprimento de regras e limites..” acrescenta.

Uma pesquisa feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2019, mostra que o Brasil lidera o ranking de agressões contra docentes. Os dados utilizados são de 2013, quando 12,5% dos professores de instituições brasileiras ouvidos, relataram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos ao menos uma vez por semana. Entre os 34 países pesquisados, a média é de 3,4%.

“A violência não nasceu na escola. A pessoa não é violenta porque ela está na escola. Ela é assim por causa de algo na família, um tratamento ruim que recebeu em algum momento, é uma forma de reação”, declara a estudante Karla. Para a aluna, que foi vítima de bullying dentro de um grupo de amigas, procurar ouvir os estudantes com mais frequência seria uma medida efetiva por parte das escolas. “Acho que tudo é uma questão de diálogo. No começo, os alunos podem não ser muito abertos, mas depois eles se abrem, contam tudo que acontece em casa, na vizinhança, e realmente refletem”, completa.

A professora de psicologia explica que o ambiente familiar pode sim influenciar no comportamento do aluno dentro da escola, mas que não se pode generalizar e afirmar que sempre será refletido em um comportamento agressivo. A profissional ainda acrescenta que, cada caso deve ser analisado individualmente. “Uma criança pode viver um ambiente familiar hostil e na escola estabelecer relações de proteção, de cuidado, de suporte emocional, ou viver o contrário, ter um ambiente acolhedor em casa e na escola encontrar um ambiente violento e, como uma forma de proteção, de defesa, ser agressivo, ou ainda apresentar comportamento de reclusão, de afastamento”, explica Mara Weber.

“Não há como reproduzir comportamentos afetuosos e compreensivos sem que haja a mínima percepção sobre. O processo de imitação é um comportamento natural nos primeiros anos de vida humana”, chama atenção a psicóloga infantil. Gemmima ainda alerta à importância de estar atento e perceber pequenas mudanças comportamentais para que a intervenção seja feita desde o início e os danos sejam minimizados. “Se essa criança externa para pessoas próximas ou se mudanças comportamentais são percebidas a tempo, o efeito destruidor que tais agressões causariam são reduzidas”, afirma a profissional.

Abrir rodas de conversas e disponibilizar um profissional de psicologia nas escolas, é, tanto para Maria Eleusa quanto para as alunas, primordial. De acordo com Águeda, a quebra do ciclo de violência se da por atividades constantes. “A gente entra com um projeto que acreditamos e nos empenhamos para aplicar. Mas, se a escola não der continuidade não vai dar certo. As turmas se renovam, então é preciso ser constantemente trabalhado, não só nessa escola onde trabalhamos mas em todas”, menciona.

Uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Professores (Sinpro) em 2018, mostrou que 97,15% dos educadores da rede pública já presenciaram atos de violência nas redes de ensino. A pesquisa foi realizada com 1355 profissionais de diferentes regiões administrativas.

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