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Brasília

Pouco discutida, paternidade na adolescência sequer tem números que dimensionem os casos

Arquivo Geral

06/03/2018 7h00

Enquanto muitas delas abandonam os estudos durante e depois da gravidez, rapazes têm índice de evasão escolar menor. Foto: Glaucya Braga/Cedoc

Jéssica Antunes
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Os pais-meninos são invisíveis. Não há estatísticas oficiais que indiquem quantos jovens de 13 a 19 anos carregam a responsabilidade da paternidade. São ausentes os dados sobre a população masculina nos sistemas oficiais de informação, e a gravidez na adolescência é tratada apenas do ponto de vista feminino. Enquanto isso, o Brasil tem a maior taxa de adolescentes grávidas da América Latina.

Ontem o JBr. mostrou que garotas de 13 a 19 anos foram responsáveis por 15% dos partos do DF, e que 12 mil se tornaram mães nos últimos dois anos. Não há informações, porém, de quantos meninos adolescentes viram filhos nascer. Se os companheiros daquelas meninas tiverem a mesma faixa etária, pelo menos 5.686 jovens se tornaram pais em 2017. Os números reais, porém, são desconhecidos.

As estatísticas envolvendo garotos se limitam à prática sexual. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), divulgada no fim do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica que o número de meninos que frequentam o 9ª ano do Ensino Fundamental e já tiveram relação sexual é o dobro do de meninas no DF.

Dos alunos do sexo masculino, 31,7% declararam já ter se relacionado sexualmente alguma vez, enquanto entre os do sexo feminino deste mesmo grupo o percentual é de 15,6%. Quando o assunto é educação, a gestação precoce eleva em quatro vezes o risco de evasão de meninas, mas praticamente não afeta o ensino masculino.

Uma pesquisa feita em parceria com Ministério da Educação, a Organização dos Estados Ibero Americanos (OEI) e a Faculdade Latino- Americana de Ciências (Flacso) indicou que 18,1% das garotas apontaram a gravidez como principal motivo para abandono.

Por outro lado, somente 1,3% deles declararam que interromperam os estudos por motivo de gravidez de companheiras. Estudos associam a paternidade precoce ao abandono escolar, a empregos mal remunerados ou desemprego, a problemas familiares e de conflitos no relacionamento do casal.

Atitudes distintas

João (nome fictício) descobriu a paternidade recentemente. Aos 15 anos, ele tem um relacionamento de pouco mais de um ano com uma vizinha da mesma idade em Sobradinho. Faz pouco mais de três meses que o casal soube da gravidez, que ele prefere manter em segredo na escola. “Ainda não sei o que fazer, mas vou criar e cuidar desse filho”, assegura. A menina, por outro lado, já planeja largar os estudos “ao menos por enquanto”, para se dedicar ao filho.

No Sol Nascente, em Ceilândia, Maria (nome fictício) garante: “Meu filho não tem pai”. Aos 16 anos, já carrega Tomás no ventre há seis meses e, nas costas, a responsabilidade da maternidade. Sem se estender sobre o garoto com quem se relacionou, diz que eles se conheceram na escola e ele tem 17 anos. Aluna do 1º ano do Ensino Médio, a menina conta que tem mágoa pela reação do rapaz quando soube da gestação. “Ele fugiu completamente da responsabilidade. Fingiu que não era com ele, me acusou de tudo quanto é coisa e desapareceu. É um moleque, vou criar meu bebê sozinha”, revela.

Mudança de vida

A surpresa com o resultado positivo do teste de gravidez fez Guilherme Alves, hoje aos 18 anos, iniciar a vida profissional. “Estávamos namorando há um tempo. Ela já tinha terminado o Ensino Médio e passado na Universidade de Brasília (UnB), enquanto eu estava no terceiro ano”, conta.

“Acho que sou uma exceção mesmo”, considera Guilherme, que teve Miguel com a namorada, Marilise. Foto: Arquivo Pessoal

Com apoio da família, o rapaz arregaçou as mangas e conseguiu um emprego como menor aprendiz, de auxiliar administrativo, por meio período. Na nova rotina, não teve de trocar de horário ou de abandonar os estudos.

Miguel nasceu em abril de 2017, e Guilherme concluiu o Ensino Médio no fim daquele ano. A mãe da criança, Marilise Faria Soares, de 19 anos, trancou a faculdade de Terapia Ocupacional após o primeiro semestre e ficou um ano fora das salas de aula.

“O bebê era muito dependente. Agora conseguimos creche e ela vai voltar a estudar”, conta o rapaz, que admite: “Para o homem é uma situação mais tranquila”.

“Me senti pai só quando ele nasceu, quando o vi e peguei no colo”, completa o jovem. O casal continua junto, e a vida profissional prosperou: Guilherme foi contratado para o cargo de auxiliar administrativo. “Acho que sou uma exceção mesmo. É difícil encontrar alguém que tenha ou crie responsabilidade ainda jovem”, aponta o pai do Miguel.

Ponto de vista

Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Tânia Mara Campos destaca que, culturalmente, a responsabilização recai sobre a menina. “Se homens adultos pouco assumem a responsabilidade quando não têm relação estável ou não tenham desejado a gravidez, com garotos isso é ainda mais intenso”, afirma. “Existe a postura de que a menina deveria ter tido mais cuidado e a família, ter sido mais repressora”, diz a socióloga. Assim, o ato, tido como irresponsável e reprovável, é jogado sob a incumbência feminina. “Garotos incorporam que não cabe a eles a função de uso de camisinha ou contraceptivo ou, ainda, de estarem presentes. E isso não é cobrado dele. O rapaz é afastado da responsabilidade”, analisa.

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