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Brasília

PGR defende que vítima de trabalho escravo seja novamente afastada dos antigos patrões, em Santa Catarina

PGR denuncia o desembargador Jorge Luiz Borba e a mulher, Ana Cristina Gayotto de Borba, pelo crime de redução de pessoa

Redação Jornal de Brasília

07/11/2023 15h52

Foto: João Américo/Comunicação MPF

Em manifestação apresentada em habeas corpus proposto pela Defensoria Pública da União, a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu que a mulher resgatada da casa de um desembargador de Santa Catarina por suspeita de ter sido submetida a trabalho escravo por 40 anos seja novamente afastada dos investigados. Sônia Maria de Jesus foi resgatada em junho da residência do magistrado e levada a uma entidade de apoio, mas retornou ao imóvel dois meses depois, graças a uma decisão do relator do caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No entanto, para o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, responsável pelo caso no Ministério Público Federal, a decisão deve ser revista, por tratar-se de medida teratológica, o que justifica a concessão do habeas corpus.

No parecer, Carlos Frederico informa o relator do caso, o ministro André Mendonça, que o avanço das investigações permitiu que, em 23 de outubro, a PGR denunciasse o desembargador Jorge Luiz Borba e a mulher, Ana Cristina Gayotto de Borba, pelo crime de redução de pessoa a condições análogas à de escravo previsto no Código Penal (art. 149, caput e §2º, inciso I). A ação está em andamento no STJ.

Ao defender que a vítima permaneça afastada do casal até a conclusão da apuração – conforme defendido pela Defensoria Pública – o subprocurador destaca a existência de laudos técnicos que atestam a vulnerabilidade da mulher, que é surda e não conhece a linguagem de sinais, e a impossibilidade de sua manifestação de vontade de forma livre e inequívoca. Esse foi o critério considerado pela Justiça para aceitar pedido do casal e permitir o retorno de Sônia à residência da família. Para o MPF, no entanto, é perfeitamente razoável se questionar a real vontade da vítima, dado o grave quadro de exploração a que submetida ao longo das últimas décadas.

“As circunstâncias são tão complexas que não soa exagero se comparar a situação àquela pela qual passam as vítimas da ‘síndrome de Estocolmo’, estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor”, pontua o parecer.

Outro aspecto mencionado na manifestação decorre de relatos de familiares de Sônia que, autorizados pelo STJ a manter contato com ela, afirmaram ter tido dificuldades para viabilizar os encontros. O casal de ex-patrões também estaria dificultando a continuidade do atendimento que a mulher recebia no abrigo para onde foi levada. “Mesmo diante de determinações judiciais que preconizavam a observância da manutenção do atendimento que vinha sendo prestado à vítima, têm agido reiteradamente no sentido de inviabilizar o atendimento de Sônia, bem como de impedir a retomada de seu convívio social”, resume o parecer.

O documento também menciona as condições de saúde da vítima, que só foram verificadas após o resgate. É citado, por exemplo, a perda de dentes enquanto estava morando com os investigados. Ressalta ainda o teor de oito depoimentos prestados por ex-funcionários do casal, todos confirmando que Sônia prestava serviços habituais, sem o recebimento de salários. Uma condição que, no entendimento do MPF justifica o seu afastamento dos investigados e desconstrói a alegação de que Sônia era tratada como uma pessoa da família.

“A paciente se viu retirada do local onde vinha recebendo acolhida, tratamento e educação formal pelo Estado, direitos que lhe foram sonegados por 40 anos. Recebia apoio médico e psicológico, em atendimento que se encontrava em curso, mas que foi interrompido de forma abrupta, quando ainda não havia sequer um diagnóstico concluído sobre sua saúde mental, sua capacidade cognitiva e, por consequência, sua própria capacidade civil”, enfatiza o subprocurador em um dos trechos do documento.

Cabimento do habeas corpus

Em relação ao andamento processual, o subprocurador é taxativo ao defender a procedência do pedido. Para Carlos Frederico, a ordem que permitiu a retomada do convívio entre investigados e vítima é teratológica, o que justifica a apreciação do habeas corpus pela Suprema Corte mesmo que o caso não tenha esgotado a tramitação na STJ (restrição da súmula 691/STF). O representante do MPF aponta flagrante ilegalidade, que vem permitindo a submissão da paciente/vítima a severas restrições em sua liberdade individual. Por fim, afirma que “o retorno da vítima à casa dos denunciados compromete não apenas seu processo de aprendizado em Libras, como interrompe a construção de sua autonomia e de desvinculação afetiva (dependência) em relação aos seus antigos patrões”.

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