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Brasília

Pessoas em situação de rua na W3 dizem que Brasília já motivou esperanças e decepções

Como os candangos na década de 1950, sonhadores vêm de fora da capital em busca de uma vida melhor. Mas nem sempre encontram o que esperam

Agência UniCeub

21/04/2024 10h18

Foto: Agência Brasília

Por Davi Moisés e Milena Dias 
Agência Ceub/Jornal de Brasília

“Esperança é a última que morre, mas a primeira a se afogar”. Para quem mora na rua, é difícil manter o sentimento o tempo todo. 

Para Andreia Raimunda, de 40 anos, que vive sob uma lona na avenida W3, na Asa Sul, a esperança não morre nunca. Ela pediu desculpas por conversar com a reportagem embriagada.

Ela diz que se alicerça em mundos imaginários para sobreviver nessa Brasília de 64 anos. Como os candangos na década de 1950,  sonhadores vêm de fora da capital em busca de uma vida melhor. Mas nem sempre encontram o que esperam. 

Para Brasília, em busca de algo

Segundo levantamento de 2022 da Codeplan, quase 52% das pessoas em situação de rua no Distrito Federal são migrantes internas. 

Dessas, 44,05% vieram em busca de trabalho. 

Dados do Ministério da Cidadania e Direitos Humanos, obtidos no mesmo ano, mostram que a cada mil habitantes, três estão em situação de rua no DF, o que representa 3,4% da população total do Brasil. 

Andreia Raimunda, a “descritora de sentimentos”

“Tudo bem que não tem parede, mas isso é invasão ao domicílio”, comenta Andreia após abordagem hostil da polícia durante a entrevista.

Andrea, de 40 anos, veio de Natal, mas Brasília foi espaço de desilusões. Foto: Davi Moisés

Para Andreia, de 40 anos, viver na rua não é fácil. As pessoas evitam e sentem medo de quem não é socialmente aceito. 

“Morar na rua tem que ter um alicerce imaginário, um faz-de-conta me ajuda a sobreviver”, relata a ex-estudante de arquitetura. 

Andreia, antes de morar na rua tinha esperança de uma vida melhor. Era representante de vendas e, há 20 anos, veio para Brasília com a expectativa de melhorar a vida.

Na rodoviária, as luzes

“Brasília nunca negou melhorias, pelo contrário. Cheguei na rodoviária, vim com a cara, coragem e uma mala. Tinha tudo para dar certo, mas não dependia de mim”, relembra Andreia que está há 18 anos na rua. 

Apesar de todas as dificuldades, a mulher não deixa sua vaidade de lado. Gosta de fazer as unhas, e ainda assim sente-se invisibilizada pela sociedade brasiliense. “Não tenho piolho não”. 

Andréia se identifica como “descritora de sentimentos e pensamentos”. 

“Traduzo para o papel, não para a literatura, mas para amigos conhecerem minha leitura”. 

Do Maranhão 

Amigo de Andreia, o cabeleireiro que se identificou apenas como Baixinho, de 43 anos, veio de Timon (MA) para ter uma vida melhor na capital do Brasil. 

Chegou em 1995 e trabalhava em salão de beleza até que separou-se da mulher. 

A partir desse momento, Baixinho, conforme relata, entrou em depressão, desenvolveu problemas com a bebida e acabou sendo preso. 

Há 6 anos, o barbeiro entrou no mundo do crack e nunca mais conseguiu sair. De acordo com ele, essa foi a ruína.

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Apesar de tudo, Baixinho ainda tenta voltar a ser empregado como barbeiro, mas quando descobrem que é morador de rua logo é recusado. Mas isso não o impede de exercer sua profissão.

Baixinho corta cabelo para os vizinhos de barraco de lona na W3. Foto: Davi Moisés

Ele exerce o seu sonho cortando cabelo de colegas e pessoas onde estiver. 

Depressivo, o barbeiro se culpa por estar onde se encontra e comenta que trabalha com o que tem. Diz ainda que tem medo de influenciar o filho a entrar nos mundos das drogas. Apesar de receber suporte do Bolsa Família, o barbeiro se sente ignorado pelas pessoas que podem ajudá-lo. “Vivo no meio de milhares e não sou visto”, conta ele. 

“Tenho raiva de mim mesmo, mas não de Brasília. Aqui de qualquer forma ganho uma mixaria”, comenta Baixinho. 

A capital para ele é um símbolo de esperança, e o maior desejo é viver bem e voltar a ser empregado como barbeiro, além de esperar que o sentimento venha dos outros através de doações.

 “Que vocês tragam esperança para nós”.

Casal que dorme em papelão

“Falaram que era bom para benefício, para moradia e para serviço. Mas chegamos aqui não era tudo que falaram não. Que como é Brasília é bom de ajuda. Mas aqui ninguém ajuda nada não”. 

É esse pensamento que acompanha Tiago Silva desde que chegou em Brasília, há menos de um mês. Ele veio de São Paulo, da praça da Sé. Ao seu lado, sobre um papelão, que é feito de cama na calçada da W3 Sul, a esposa dorme porque está com dor de cabeça.

Cerca de 40% das pessoas em situação de rua do DF estão em SP, de acordo com levantamento feito em 2022 pelo Ministério da Cidadania e Direitos Humanos. 

Na rua

Quando Tiago perdeu o pai, há pouco mais de um ano, perdeu também a memória. Ele conta que teve que tomar muitos remédios que o levaram a um quadro de depressão. 

Sem condições de trabalhar, a doença o levou para dormir na rua em São Paulo. 

Desde então ele tem esperanças de “voltar a ter um serviço” e uma vida digna. Lá na Sé disseram para ele que Brasília lhe daria o que procurava. Não pensou duas vezes. 

Juntou o dinheiro dos auxílios de Bolsa Família dele e da esposa Jéssica, comprou passagem para os dois e veio em busca do sonho. 

Da Rodoviária Interestadual de Brasília, Tiago e Jéssica foram procurar o Centro Pop da Asa Sul, de onde tinham ouvido falar.  

Ali perto se instalaram em frente ao Santuário Dom Bosco. 

Esse lugar foi escolhido porque é perto do centro de auxílio, o Centro Pop, da Asa Sul.

Lá conta com café da manhã, almoço e jantar. 

Ali eles também podem tomar um banho por dia.  Mas o que queriam mesmo era uma assistente social. Foi o que ouviram na Sé. Que em Brasília teria muita assistência.

Tiago e a esposa, que dormia, também estavam situação de rua em SP. Foto: Milena Dias

Tiago diz que prefere São Paulo, mesmo sendo mais perigoso, porque lá todo mundo se ajuda. E lá, se ele correr atrás de verdade, vai conseguir voltar a trabalhar. Para ele, Brasília não é assim. 

“Eu quero arrumar um serviço, ficar na rua é ruim demais. Quero trabalhar com o que vier. O que vier eu to fazendo. O que aparecer eu faço”. 

Essa é a esperança de Tiago. Agora ele espera um auxílio do Centro Pop para comprar uma passagem de volta para São Paulo. 

“Lá é mais perigoso. Eu fico acordado enquanto ela dorme (a esposa). Mas não arrumamos nada aqui, vamos voltar para lá de novo. Lá tem mais auxílio”. 

Tiago acredita que um dia não vai mais dormir na rua. Acredita tanto que não quer “de jeito nenhum” montar uma barraca para não se acomodar. 

“Quero barraca não. Se você morar numa barraca fica na rua direto. Quero barraca não. Se montar barraca aqui, daqui a pouco fica na rua direto, acostuma. Se eu arrumar um serviço eu saio da rua”. 

De Caracas 

“Buenas noches”. Quando saiu da barraca de lona em que vive na W3 Sul, a venezuelana Patrícia Urca, de 57 anos, estava disposta a falar sobre a cidade em que vive há cinco meses. Nascida em Caracas, Patrícia diz que não havia mais condições de morar no país natal, onde estava desempregada. 

Deixou lá quatro filhos adultos e pensou em encontrar na capital do Brasil algum emprego que melhore a vida da família. Mesmo com as dificuldades no Brasil, ela explica que tem conseguido serviços como empregada doméstica. “Aqui consigo trabalho a R$100”.

Mãos de Patrícia abrindo a porta de sua casa na rua

Ela diz que, mesmo em situação de rua, consegue receber doações e até comprar mantimentos com os serviços temporários. A panela é colocada no fogo ali mesmo, na calçada da avenida. 

Para ter água e tomar banho, conta com estrutura no setor comercial.

“A gente aqui conta um com o outro, e as amizades que a gente vai fazendo nas ruas. Nós nos respeitamos. Eu pensei que Brasília ia ser melhor, mas Caracas está pior”.

Segundo o Ministério da Cidadania e Direitos Humanos, cerca de 4% das pessoas em situação de rua no Brasil são migrantes internacionais. Do total, 43% são venezuelanos. 

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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