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Brasília

Pesquisadores franceses debatem fake news em Brasília

Arquivo Geral

31/10/2018 18h21

Divulgação/CFA

Raphaella Sconetto
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Fake News. O tema transcende o debate apenas entre jornalistas e profissionais da comunicação e já toma de conta de conversas em todos os setores da sociedade, principalmente após as eleições presidenciais em que o assunto esteve em alta. No intuito de qualificar as discussões e entender quais são os impactos das fake news, o Conselho Federal de Administração (CFA), em parceria com a Embaixada da França, promoveu na manhã desta quarta-feira (31) uma palestra, que contou com a presença de dois pesquisadores franceses.

Para o presidente do CFA, Wagner Siqueira, embora o assunto tenha explodido nas eleições de 2018, pleitos antigos também tiveram certa influência de notícias manipuladas. “Em 1950, nas eleições entre Getúlio Vargas e o Brigadeiro Eduardo Gomes, houve uma notícia falsa que circulou dizendo que Gomes não precisava de voto dos marmiteiros. Isso teve um peso enorme na vitória de Getúlio”, lembra.

No entanto, ele também admite que as fake news não envolvem só política. “Por exemplo, pessoas que dizem que um refrigerante é bom e vicia porque tem droga dentro, ou que é bom para limpar e desentupir a pia. É a destruição de conceitos feitos permanentemente no Brasil, em qualquer área e setor”, acrescenta.

Segundo Siqueira, o intuito da palestra foi trazer a vivência europeia sobre o assunto. “O Estado Francês é muito mais parecido com o nosso País do que os Estados Unidos. Por muito tempo ficamos focados na experiência estadunidense, então trouxemos um outro ponto de vista com os pesquisadores franceses. Eles também vieram acompanhar nosso processo eleitoral”, comenta.

Presidente do CFA, Wagner Siqueira, durante palestra. Divulgação/CFA

Impacto das novas mídias

O sociólogo Patrick Le Bihan, PhD em Ciências Políticas pela Universidade de Nova Iorque, foi o primeiro a falar. Sua pesquisa tem com foco a imprensa dos Estados Unidos e da França. Para contextualizar a sua palestra, Le Bihan relembrou a década de 30, que marcou a chegada do rádio. Em 1938, um ator foi até uma emissora e leu um romance que contava a história de uma invasão alienígena na América. A história ficou conhecida por provocar pânico aos americanos.

“Muitos estudam, contam essa história, mas ela é falsa. Não houve suicídio, não lotaram hospitais. Uma pequena parcela da população perguntou se era verdade, e disseram que não. Na época, o rádio era a nova mídia. Então, a nova mídia agia na consciência dos indivíduos, muito mais do que a imprensa escrita”, alega.

Com isso, o sociólogo completou sua história afirmando que as mídias exercem um certo tipo de influência, mas que a verdadeira influência se dá quando a troca de informações é transversal – de pessoa para pessoa. “Não quero dizer que as fake news não têm importância, não quero diminuir as inquietações dos pesquisadores, mas fico me perguntando se não estamos fazendo demais, se não estamos dando poder excessivo às novas mídias”, provoca.

Le Bihan acrescentou à discussão o fato de que notícias na internet não são necessariamente imediatas. Ou seja, não é todo o público que vai conseguir ver algum tipo de conteúdo, pois a visibilidade é diferente para cada usuário. Para esse teoria, ele deu o nome de “exposição seletiva”.

O estudioso, porém, não nega que há uma produção massiva de notícias manipuladas, “principalmente por sites e blogs da extrema direita”, segundo ele. Em sua pesquisa, o francês constatou que durante as eleições dos EUA as fake news não representaram nem 1% do conteúdo ao qual os eleitores estiveram expostos.

Exposição seletiva

O segundo pesquisador francês a participar do debate foi Dominique Cardon, professor da Universidade de Paris Est. Assim como Le Bihan, as pesquisas de Cardon tentam mensurar os efeitos das fake news. Ele também acredita que são poucas as consequências da distribuição das informações.

Para Cardon, o nível de escolaridade não tem ligação com o compartilhamento ou não das informações falsas. “No debate público, temos a noção de que o eleitorado que for mais educado e racional poderá controlar melhor o governo. Mas temos resultados que mostram que não é necessariamente verdade que esse eleitor fará mais pressão no trabalho de um político”, indica.

Para mostrar o seu ponto de vista, Cardon exemplifica. “Digamos que temos um eleitor emotivo. Ele não aguenta mais corrupção, sabe que não tem como mudar a realidade, uma vez que todos os candidatos são corruptos. Diz que não tem jeito, que não tem solução e não consegue encontrar o equilíbrio. A partir disso, temos a criação de um novo fenômeno: o eleitor que estiver cada vez mais emotivo e menos racional será o mais vulnerável às fake news”. Ele cita que esse fenômeno pode ter acontecido aqui no Brasil.

No entanto, o professor volta a questionar os impactos da fake news. “Não tem como a gente medir se a pessoa foi convencida por aquela notícia que leu, ou se já iria votar em determinado candidato e só recebeu esse conteúdo. É a mesma história do ovo e da galinha”, brinca. Assim como Le Bichan, o pesquisador sugere a “exposição seletiva”, mas em sua pesquisa ele deu o nome de “viés de confirmação”. “Por isso, é tão difícil a confirmação dos efeitos. A polarização da sociedade é um problema, mas o viés de confirmação não nos deve causar temor algum”, completa.

Criminalização da fake news

No Brasil, nada menos que 24 projetos de lei relacionados a fake news estão em análise no Congresso Nacional. Desde 2005, parlamentares já discutiam o tema. O boom de PLs aconteceu neste ano, onde foram registrados 11 projetos.

Em 2017, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou um Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, cuja tarefa, segundo foi anunciado à época, era justamente a de preparar a Justiça brasileira para lidar com as questões durante o pleito deste ano.

Em junho, dez dos 35 partidos políticos do País (DEM, PCdoB, PSDB, PDT, PRB, PSC,PSD, PSL, PSOL e Rede) assinaram um acordo com o TSE, pelo qual prometeram agir “como agentes colaboradores contra a disseminação de fake news nas eleições 2018”.

Para os dois pesquisadores, a criminalização das fake news não é vista com bons olhos pela academia. “É inútil, perigoso e contraproducente. Pode atingir a liberdade de expressão, e como um juiz vai conseguir discernir a linha tênue entre verdade e mentira? Ao torná-las clandestinas, vamos fortalecer esse sistema, porque vão continuar a produzir mais e com o argumento de que ‘estão nos impedindo de falar a verdade’. A regulamentação das plataformas, como Facebook, seria a melhor solução”, aconselha Patrick Le Bihan.

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