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Brasília

Pesquisadores da UnB afirmam que Rio Melchior está morrendo

O relatório feito pelos acadêmicos atestou que providências urgentes devem ser tomadas para evitar que o rio morra. Considerado como o “Tietê do DF”, suas águas podem chegar a até importante reservatório que abastece 1,3 milhões de pessoas

Redação Jornal de Brasília

31/01/2023 20h51

Por Gabriel de Sousa
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Mesmo não sendo seres vivos, os rios também podem morrer se não tiverem os cuidados necessários, e um dos cursos de água que há muito tempo está em uma situação “crítica” de vida é o Melchior, cujas denúncias de poluição vindo de especialistas e moradores já estamparam diversas matérias do Jornal de Brasília nos últimos anos.

As denúncias de mau cheiro e acúmulo de dejetos partindo dos moradores que moram ao redor do rio, que marca a divisa entre Ceilândia e Samambaia, motivaram a elaboração de um relatório voluntário de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), cujos resultados, publicados nesta semana, alertaram a necessidade urgente de despoluição.

O Melchior, conhecido como o “Tietê do DF” por conta da sua poluição, é considerado um rio de classe 4 por especialistas, que definem que o uso das suas águas somente pode ser destinado para a navegação e a harmonia paisagística, sendo impróprio para o uso humano e animal. Porém, resultados do relatório da UnB mostraram que a turbidez da água e a presença de cobre apresentam números cinco vezes maiores do que o permitido pela legislação brasileira para cursos de água que recebem essa determinada classificação.

Segundo José Francisco Gonçalves Júnior, professor do Departamento de Ecologia da UnB que liderou a equipe que produziu o estudo, o contato frequente com o nível de metais pesados presentes no rio pode levar um ser humano a óbito. “As pessoas podem desenvolver câncer e doenças neurológicas”, explica.

Porém, esta não é a primeira vez que os riscos de letalidade das águas do rio estão sendo noticiadas. Em agosto de 2021, uma série de reportagens especiais do Jornal de Brasília mostrou que vários cágados estavam sendo encontrados mortos em suas margens. Hoje, moradores que vivem nas proximidades do curso d’água afirmam que todos os animais que usam o Melchior para sanar as suas sedes tem uma “morte certa”.

Vários motivos podem explicar agravamento

Segundo os ativistas e especialistas que acompanham a situação ambiental do Melchior nos últimos anos, vários fatores influenciam a gradual poluição do rio. Além de dejetos que são descartados pela população local, a região conta com uma estação de tratamento da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB) – que afirma lançar efluentes previamente tratados nas águas – além de um espaço particular de processamento de frangos.

Porém, um dos principais agentes citados é a presença de chorume proveniente do Aterro Sanitário de Brasília (ASB), que funciona às margens do rio. No último dia 13 de janeiro, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) informou que uma fiscalização de rotina verificou que o despejo desse tipo de material poderia ter modificado a coloração das águas. O SLU disse que notificou a empresa responsável pelo tratamento e disse que os dejetos não ofereceram riscos ao meio ambiente.

Segundo José Francisco, a criação do Aterro Sanitário de Brasília foi, entre outros agentes, fundamentais para o agravamento da situação ambiental do curso d’água. “Foi vendido como uma solução para o Distrito Federal, para poder acabar com o Lixão da Estrutural, mas que levou as condições do rio Melchior para uma condição de inacessibilidade, criando, no rio Melchior, um rio Tietê do Distrito Federal”, disse.

Poluição pode ocasionar maiores problemas

O professor da UnB explica que a “crítica situação” do rio pode ocasionar maiores problemas caso providências futuras não sejam empreendidas pelo Governo do Distrito Federal (GDF). O Melchior se junta ao Descoberto na divisa com o estado de Goiás, que de lá segue até o reservatório Corumbá IV, que desde o ano passado é responsável pelo abastecimento de 1,3 milhões de pessoas na capital federal.

A CAESB informou aos pesquisadores da UnB que as águas do reservatório não foram afetadas pela poluição do Melchior. Porém, José Francisco alerta que, se as condições do rio continuarem sendo deterioradas, há um risco de que Corumbá IV seja poluído, sendo necessário um investimento de altíssimo custo para uma futura recuperação.

“Esse é um problema que não afeta só a região pobre do Distrito Federal, é um problema que afeta a todos do DF, inclusive quem mora na Asa Sul, Asa Norte, Lago Norte, Lago Sul, Sudoeste, onde estão o grande núcleo abastado. É um problema que afeta todas as classes sociais, inclusive a dos grandes tomadores de decisões, que bebem a água que corre no Distrito Federal”, explica.

O professor de ecologia compara que a situação ambiental do Melchior é a mesma de um paciente que está “à beira da morte”, mas que ainda pode ser resgatada. Segundo ele, é necessária a criação de um programa de recuperação com níveis econômicos, sociais e ambientais:” Isso tudo é muito caro, mas é preciso, porque a água falta no Distrito Federal e vai faltar, porque, se não, a gente não iria buscar em Corumbá”.

Moradores recorrem aos órgãos de fiscalização

Segundo um ativista ambiental que acompanha a situação do rio, e que preferiu não se identificar por temer futuras represálias, as condições do Melchior tiveram uma grande piora desde o ano de 2021. Atualmente, as águas estão mais turvas e a presença de animais mortos ficou mais frequente: “Além da poluição, o assoreamento da água vai piorando dia após dia, está tomando grande parte”.

O ambientalista, que participa de uma associação de moradores de residências próximas ao Melchior, disse que nestes últimos dois anos, foram feitos 14 boletins de ocorrência sobre suspeitas de crimes ambientais, além de cinco denúncias de atentados com arma de fogo contra os ativistas. O homem também disse que estão comunicando órgãos como a Polícia Civil e a 3º Promotoria do Meio Ambiente, a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (ADASA) e o Instituto Brasília Ambiental (IBRAM).

A associação de moradores afirma que também está mantendo contato com comissões da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Em suas redes sociais, a deputada diplomada Paula Belmonte (Cidadania), vice-presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico Sustentável da casa legislativa, disse que irá tomar providências sobre as denúncias de crimes ambientais. “Contem comigo para fiscalizar e acompanhar as ações de preservação ao meio ambiente”, afirmou a parlamentar.

O que diz o GDF?

Procurada pela nossa equipe de reportagem, a Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal (SEMA/DF) disse que está atenta à questão da poluição no rio Melchior e que mantém tratativas com outros órgãos do GDF “para que sejam adotadas as medidas para sanar o problema”.

Já a CAESB disse que teve contato com o relatório feito pelos pesquisadores da UnB e que suas equipes foram mobilizadas para fazer medições da qualidade das águas do Melchior. Sobre os metais pesados citados no estudo acadêmico, a Companhia afirmou que, em 20 anos, realiza monitoramento dos efluentes que saem das suas estações de tratamento de esgoto e reforça que não teve conhecimento de resultados que pudessem comprometer a condição do rio.

Em nota, a CAESB afirmou que os sistemas de coleta e de tratamento de esgoto da ETE Melchior estão funcionando regularmente, operando dentro da normalidade e servem à uma população de mais de 1,2 milhão de moradores das regiões de Ceilândia, Taguatinga, Samambaia e parte de Águas Claras. “Os resíduos de esgoto atendem aos padrões de lançamento, seguindo rigorosamente a legislação ambiental assim como as outorgas licenciadas pelos órgãos ambientais”, destaca.

Por fim, a Companhia disse que se compromete com a adoção de quaisquer programas de melhoria do rio Melchior que possam ser adotados futuramente. “No entanto, esse rio tem restrições bastante estritas de uso pois é classificado com Classe IV, onde não é permitido o contato de seres humanos com a água, a realização de pesca e irrigação ou principalmente a hidratação de animais”, conclui a CAESB em nota exclusiva enviada ao JBr.

A nossa equipe de reportagem também procurou pelo Serviço de Limpeza Urbana (SLU), mas, até o momento do fechamento desta edição, nenhuma resposta foi encaminhada. O espaço está aberto para pronunciamentos futuros.

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