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Brasília

Ocupação indígena em pauta

GDF e ministério terão encontro para discutir legitimidade de posse em área de proteção ambiental

Vítor Mendonça

28/02/2024 7h11

O Governo do Distrito Federal (GDF) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) devem dialogar nesta semana para entrarem em um acordo quanto à presença de uma comunidade indígena na Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) do Paranoá Sul.

Após reclamações à Ouvidoria do DF Legal e em razão do terreno ser da Terracap, foi realizada uma operação de desocupação do DF Legal para retirar o grupo na última sexta-feira (23), na qual o ministério interveio e a ação foi suspensa.

A reunião servirá para esclarecer tanto a legitimidade da presença da aldeia indígena Ahain Aam na localidade quanto as diretrizes que guiaram as ações do DF Legal na ocasião. O encontro terá a presença também da Ordem dos Advogados do Brasil do DF (OAB/DF), representado pela Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas do órgão.

De acordo com a presidente da comissão em questão, Carla Eugênia Nascimento, o impasse existente na operação, como também na ocupação dos indígenas, é em decorrência da falta de clareza da origem dos povos, uma vez que não houve tempo hábil de estudo para verificar a ancestralidade das etnias na localidade. Por esse motivo, ela também interpreta que a ação foi precipitada e que a maneira como ocorreu não foi adequada.
Seria necessário, segundo Carla, esperar uma resposta de outros órgãos que sabiam da presença indígena na área de conservação antes da ação. “Primeiro temos que verificar a legitimidade dessas informações [dadas pelos indígenas da aldeia]. E conforme o marco temporal julgado no STF [Superior Tribunal Federal], primeiro tem de se fazer um estudo.”

“Naquele local existiam mesmo os ancestrais desse povo? Onde eles estão? Eles foram expulsos daquela terra? Como se deu essa expulsão daqueles indígenas? Quem são eles? Por isso é importante realizar essa conversa [com o GDF], para entender esses aspectos”, destacou.

Entretanto, o DF Legal destacou em nota que “não depende de autorização judicial para o regular exercício do poder de polícia que possui”. “Cabe ressaltar que, conforme o Código de Obras e Edificações do Distrito Federal (COE), é possível que haja demolição imediata de irregularidades pelo Poder Público, sem que haja qualquer notificação prévia”, disse.

Conforme indica o artigo 133, “a intimação demolitória é imposta quando se trate de obra ou edificação não passível de regularização”.

Histórico

O grupo indígena alega que teria ocupado o local desde antes da década de 70, mas que, nos anos 80, durante o governo de Joaquim Roriz, foram retirados da área. A ocupação recente aconteceu a partir de 7 de setembro do ano passado, e seria uma retomada do grupo indígena no terreno. As lideranças afirmam que foi feita uma reivindicação formal junto à Fundação Nacional do Índio (Funai).

Procurados pelo Jornal de Brasília na última segunda-feira, nem o Ministério dos Povos Indígenas nem a Funai responderam os questionamentos feitos a respeito da ciência e da legitimidade da presença indígena na região. Também não houve resposta quanto ao diálogo com o GDF acerca do assunto. O espaço permanece aberto para futuras manifestações.

A reportagem esteve na ARIE do Paranoá Sul na última sexta-feira e, de acordo com uma das lideranças dos indígenas, Marcondes Tapuia, 47 anos, da etnia Tapuia, a comunidade tem 30 pessoas morando na área e outros 40 membros que estão constantemente no local, ajudando e convivendo com o grupo, totalizando 70 pessoas. Segundo ele, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) também estava a par da situação.

Questionado, o Ibram informou que não cabe à pasta dar a autorização da permanência do grupo no local, mas que “os ocupantes se apresentaram na sede da autarquia, não protocolaram nenhum documento”. “Informaram verbalmente que eram indígenas e que estavam retomando suas terras, e que já tinham apresentado a documentação necessária aos órgãos competentes de controle – o Brasília Ambiental não atua na questão indígena”, disse o órgão.

A partir da declaração feita pelas lideranças do grupo, o Brasília Ambiental encaminhou ofício à Fundação Nacional do Índio (Funai) a fim de confirmar as informações levadas pelo grupo a respeito daquela terra, isto é, se a área é uma terra indígena ou não. “Neste momento, o Brasília Ambiental aguarda a manifestação da Fundação”, destacou.

“O órgão ambiental informa ainda que está em curso uma ação de reflorestamento e recuperação ambiental daquela área, feita por um instituto que tem um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com a Secretaria de Meio Ambiente e Proteção Animal (Sema) e o Brasília Ambiental, e que os indígenas, ao saberem da ação, se disponibilizaram a apoiar e ajudar no replantio”, finalizou.

Isenção

Conforme apontou a presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/DF, a participação do órgão é de isenção, buscando o cumprimento da Lei. “Nós não advogamos para as partes indígenas nem intervimos como advogados deles. Nossa participação está em olhar para toda a comunidade indígena que está em vulnerabilidade. Aquela comunidade está em vulnerabilidade, então precisa do olhar da OAB. Olhamos enquanto fiscalizador da ação estatal e também da ação indígena”, disse.

“Nós não compactuamos com a ilegalidade, com a invasão de terras, ou com agressividade nem violência. Tudo que for dentro da busca de obedecer a legislação, a OAB está como mediadora, porque as partes precisam entender todo o processo”, destacou.

Grilagem

A região da Arie está dentro de uma área delicada em termos de controle ambiental. Ao passo que possui extensa Área de Proteção Ambiental (APA) e políticas de preservação do Cerrado, toda a região ecológica do Lago Norte costuma ser alvo constante de grilagem e ocupações criminosas, justamente por ser uma região privilegiada.

O JBr mostrou em julho de 2022 e em outubro de 2023 que as atuações de grileiros nestas regiões de proteção ambiental são constantes. Com grandes áreas verdes de preservação ambiental, o setor que pode oferecer vistas únicas do Lago Paranoá é muito visado pela possibilidade de alta valorização. Boa parte dos loteamentos de interesse dos grileiros estão às margens da água.
O DF Legal informou que foram feitas 34 operações de desocupação no Lago Norte, totalizando 721.640m² de área pública desobstruída desde 2022 na Região Administrativa.

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