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Brasília

No tabuleiro das Candangas

Em tempo de eleitor visitar as urnas, política tempera o quebra-jejum

Gustavo Mariani

30/09/2022 9h21

“Café com política”. Deveria ser o que as irmãs Sousa e a concorrente Jussara deveriam colocar em uma placa diante de suas bancas de vendas. Todos dias, a partir das quase seis da matina, é o papo que rola, com os chamados “pinhão” (peões de obras) expressando as mais esquisitas análises sobre o momento em que se aproxima a eleição presidencial deste vindouro três de outubro, por ora, apresentando o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e o atual Jair Bolsonaro como os favoritos.

Não volto mais no Lula, porque só deu ‘pata de rato’ no(s) mandato(s) dele. Foi parar na cadeia – expressa um “pinhão”.

E não tem roubalheira, também, com o Bolsonaro? Até ‘igrejista’ (pastores protestantes) mete a mão na grana.

E por ali vai rolando o papo, até que a moçada que trabalha pelas proximidades do pistão do Lago Norte começa a sair para os seus afazeres, a maioria diaristas. Eles se aglomeram em torno dos tabuleiros, formando grupos que, as vezes, chegam a quase 30 pessoas.

Vendo entre 30 a 40 cafés-da-manhã. Muitos ficam por aqui batendo papo, esperando a hora de começar a trabalhar. Já se acostumaram com isso. Tem gente que diz sentir a minha falta, quando não venho – é substituída por uma das irmãs. Também, sinto falta dos que faltam, velhos fregueses”, revela Sara, que tem o seu tabuleiro na SCLN/10. “Muitos deles passam pela Rodoviária (do Plano Piloto) e deixam pra beber o café aqui comigo, porque se acostumaram com os meus temperos”, acrescenta. As meninas dos tabuleiros do pistão do Lago Norte vendem, além do tradicional café com leite – pingado, em Brasília -, fatias de bolos de cenoura e de milho.

O de mandioca não é constante. Salgadinhos de massa e o pão recheado por salame, ovo e batatinha frita são sagrados. Também sanduiche de beiju com salame. Um pingado custa RS 2 reais; um pedaço de bolo sai por R$ 3 e um sanduíche R$ 5. Como os fregueses são velhos amigos, se alguém estiver com o “bolso furado” pode pagar no dia seguinte. “Ninguém já deu o cano (não pagou)”, afirma Bruno, colaborador das meninas do tabuleiro. Quando chega a sexta-feira, as vezes, alguns “pinhão” (não trabalham no sábado) perguntam se tem uma pinga pra derrubar antes do quebra-jejum.

No entanto, as irmãs Sousa, bem como a Jussara, não vendem cachaça. “Para o bem deles, pois o patrão, principalmente, se for uma madame, não gosta, já ouvi deles”, justifica Jussara, com uma entregada: “Já vi ‘pinhão’ saindo daqui do ponto, cedinho, pra beber pinga ali na banca de revistas” – bem perto. As “meninas do tabuleiro” são filhas de um baiano, de Formosa do Rio Preto. Imputam os seus bom humor para conviverem com os “pinhão” à herança lhe passada pela cadeia genética de Seu Valdécio.

A Ju prefere não revelar familiaridades. “Certa vez, surgiu um probleminha, resolvido de forma que só mesmo baiano resolve: um freguês encomendou um bolo de mandioca, salgado, o que eu nunca havia feito. Saí pra comprar o sal e bati o meu carro. O baiano ficou sem o bolo e, ainda, me ajudou a pagar a despesa da batida, coisa pouca. Indaguei porque ele fazia aquilo comigo, e me respondeu que a sua mulher havia adorado o meu bolo de cenoura e, então, queria um de mandioca, salgado.

Ainda segundo o cara, depois que ela provou do meu tempero, nunca mais quis saber do bolo que comprava em uma loja muito frequentado pelas madames do Lago (Norte). De vez em quando, a mulher ordena e ele vem encomendar o mesmo tipo de bolo, dizendo que, se não a satisfizer, ele vai dormir no canil”, conta, sorrindo. As “meninas do tabuleiro” – Sara, Ana Lúcia, Cristina, Val, Jussara – pedem para não citar seu nomes e fogem de fotos. A Val foi a primeira das sete a se instalar pela avenida na venda do cafezinho da “pinhãozada”, na esquina da QL-4, o que deu certo e se expandiu até a QL-10.

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