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Brasília

Nº de matrículas na EJA atingiu menor índice dos últimos anos

A respeito do desempenho das secretarias de educação do Brasil, a educadora acredita que é preciso que haja inovação dentro dos órgãos

Redação Jornal de Brasília

12/04/2024 17h09

Foto: Fernanda Ghazali/Agência Ceub

Por Ana Tominaga e Fernanda Ghazali
Agência de Notícias Ceub/Jornal de Brasília

O Censo Escolar de 2023 apontou que o número de matrículas em educação de jovens e adultos diminuiu 20,9% entre 2019 e 2023 e chegou a 2,6 milhões em 2023.

Dados coletados pela PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) também revelaram que 8,8 milhões de brasileiros, entre 18 e 29 anos, não terminaram o ensino médio e não frequentam nenhuma instituição de ensino básico. 

A diretora executiva da ONG Roda Educação, Roberta Panico, avalia que, com a pandemia da covid-19, acreditava que as matrículas no Ensino para Jovens e Adultos fossem aumentar devido ao número de jovens que abandonaram o ensino regular.

Porém, o que aconteceu foi exatamente o contrário…

“Os jovens e adultos com a pandemia tiveram que sair de casa para trabalhar e estão com menos tempo e disposição para retomar a sua escolaridade. Outro ponto importante é a falta de políticas públicas nesta modalidade de ensino”, afirma Roberta Panico. 

A respeito do desempenho das secretarias de educação do Brasil, a educadora acredita que é preciso que haja inovação dentro dos órgãos.

“Geralmente as secretarias de educação têm departamentos responsáveis por esta modalidade de ensino (o EJA), mas as políticas e programas estão enfraquecidos, pois o público, as necessidades e os contextos de escolarização de jovens e adultos é bem diferente de décadas atrás”.

A educadora defende que as pessoas precisam se atualizar e continuar aprendendo ao longo da vida.

Ela conta que em outros países a EJA é permanente a qualquer momento, e o adulto pode voltar para a escola e se atualizar.

“Aqui no Brasil ainda pensamos na EJA como uma reparação, por não garantir a todos uma trajetória regular de sucesso”, acrescenta. 

Entorno de Brasília

Em Valparaíso de Goiás (GO), município localizado a 36 km de Brasília, os efeitos da queda no número de matrículas na Educação de Jovens e Adultos colocam a continuidade do programa nas escolas da região em risco.

O pedagogo, historiador e atual presidente do Sindicato dos Servidores Públicos e Empresas Públicas Municipais de Valparaíso (SINDSEPEM/VAL), Marcilon Duarte, relata que o número de estudantes da EJA no município vem diminuindo.

”Não há interesse dos governos em manter a Educação de Jovens e Adultos”, afirma.

No passado, antes de atuar como dirigente do sindicato, Marcilon iniciou sua trajetória como educador da EJA em Valparaíso.

Ele relembra que na época, em 1998, 9 escolas do município tinham EJA, e o número de estudantes era alto. Hoje, a realidade é outra. “Realmente vejo que esse número vem decrescendo”, conta Marcilon.

Atualmente, Valparaíso possui 4 polos da EJA e, para Marcilon, isso é um problema grave.

Com mais de 25 anos de experiência na educação, o presidente do sindicato cobra da Secretaria de Educação da região propostas pedagógicas para a educação de jovens e adultos no município, pois, segundo o professor, no momento, não existe nenhuma.

Marcilon ressalta a importância de conhecer o perfil do estudante da noite, que é o caso dos estudantes da EJA. 

“O aluno da noite, que chega em casa, às 19h, cansado e ainda precisa pegar o transporte para ir para um polo que fica distante da sua casa, ele não vai. Então, existe uma desmotivação desses alunos pela falta de políticas públicas para a Educação de Jovens e Adultos”.  

O sindicalista também pontuou que a Secretaria de Educação de Valparaíso precisa realizar a busca ativa dos alunos da EJA.

Marcilon afirma que a Secretaria coloca em seu site o anúncio de vagas disponíveis na EJA, mas que isso não é eficiente. 

“A secretaria de Educação precisa construir uma militância maior para defender a EJA. Tem que ser colocado carro de som na rua, panfletinhos para serem distribuídos na feira. Uma proposta que levantei foi uma parceria entre Secretaria de Educação e Secretaria de Saúde.  Quando os agentes de saúde vão às casas, eles podem mapear quem precisa estudar e compartilhar esse mapeamento com a Secretaria de Educação”.

Quando questionado sobre as consequências de um cenário hipotético de encerramento da Educação de Jovens e Adultos, Marcilon descreveu como catastróficas para alunos, professores e sociedade.

Na percepção dele, acabar com a EJA é punir o público que não teve a oportunidade de estudar na idade própria e, consequentemente, punir a sociedade com menos pessoas letradas.   

Dificuldades

Luiz Carlos Furtado, de 50 anos, é professor de geografia e trabalha na Escola Municipal Céu Azul, uma das escolas de Valparaíso que ainda tem EJA, desde 2012. O professor também compartilha do relato de que antes haviam muito mais alunos, e hoje em dia existe uma notória evasão.

Quando essa evasão é muito grande, o professor conta que diminuem o número de escolas com EJA ou transformam em EJA EaD (Ensino a Distância). Porém, Luiz não acha que essa seja a melhor opção.

 “Os alunos idosos têm dificuldade em mexer na internet, e o EaD funciona através de uma plataforma online. Talvez seja uma boa alternativa para os alunos mais novos, mas durante a pandemia da covid-19, nós usamos a plataforma e mesmo assim houve necessidade de se fazer apostilas físicas.”

Assim como Marcilon, Luiz acredita que a Secretaria de Educação do Valparaíso deve implementar políticas e ações mais eficientes.

O professor conta que, depois da pandemia, foi difícil chamar os alunos de volta às escolas.

“Foi uma luta para atraí-los de volta. Nós distribuímos folhetos, colocamos faixa na escola e o sindicato também colocou carro de som”.

A reportagem buscou as Secretarias de Educação do município de Valparaíso e do estado de Goiás, a Prefeitura de Valparaíso e a coordenadora do EJA, Damiana Farago, mas não obteve respostas. 

Estratégias

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) esclareceu que a manutenção da tendência de queda do número das matrículas da EJA, há mais de uma década, é o principal desafio a ser enfrentado, impondo a necessidade de implementar ações para estancar a perda de estudantes e, ao mesmo tempo, estimular a busca pela escolarização na EJA.

O ministério destacou que o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da EJA está sendo construído como resposta a esse desafio.

O pacto reconhece que as razões para o não ingresso e a não permanência de jovens e adultos na escola são diversas, algumas relacionadas às condições de oferta, ensino e aprendizagem, enquanto outras estão vinculadas à vulnerabilidade histórica do grupo.

Adesão

Com o objetivo de estimular a inclusão social e garantir o acesso e permanência na escola, políticas intersetoriais têm sido consideradas fundamentais.

O ministro da Educação, Camilo Santana, tem liderado esforços para construir esse Pacto, buscando a adesão de diversos ministérios, órgãos do Governo Federal e setores da sociedade civil, incluindo o setor privado.

O órgão pontuou que a qualificação e adequação da oferta às necessidades dos potenciais estudantes requerem apoio e estímulo às redes de ensino.

Incentivo

Isso inclui a garantia de formação para docentes na EJA, diversificação curricular e organizacional, integração com a qualificação profissional, incentivos às escolas para atender jovens e adultos, entre outras estratégias.

Nesse contexto, o MEC ressaltou a importância de mobilizar os potenciais estudantes para buscarem a escolarização e destacou o compromisso de realizar regularmente chamamentos públicos, outra estratégia prevista no Pacto, contando com o apoio das redes de ensino, movimentos sociais e outros setores da sociedade.

Além disso, para estimular a permanência, vislumbrando a conclusão da educação básica, o Programa Pé de Meia contempla também os estudantes do Ensino Médio da EJA, na faixa dos 18 aos 24 anos, pertencentes às famílias que integram o programa Bolsa Família.

Esta é uma alternativa que objetiva também estimular estes jovens a buscarem o ensino superior e projetarem o futuro a partir da elevação da escolaridade.

Sonhos 

Maria Aparecida da Silva Marques, de 60 anos, é moradora de Céu Azul, em Valparaíso de Goiás (GO), e é aluna da EJA da Escola Municipal Céu Azul.

 Ela é exemplo de que nunca é tarde para correr atrás de seus sonhos e que a escola abre portas para novas oportunidades.

Quando criança, Maria Aparecida não teve oportunidade de estudar, porém os desafios não pararam por aí.

“Eu já devia ter terminado os estudos, mas um dia fui assaltada voltando para casa e desisti. Fiquei 7 anos sem vir estudar”, conta. 

Quando percebeu que estava esquecendo o que havia aprendido, decidiu voltar aos estudos em 2023 e hoje fala com orgulho sobre seus avanços.

“Agora já sei ler um pouco e não me perco mais nos ônibus, consigo ir ao hospital e ler quando chamam meu nome”. 

Seu objetivo ao terminar o ensino médio é se tornar enfermeira, e reconhece que a EJA é o caminho para chegar até lá.

Com uma história inspiradora, Luiza Bazotti, aos 64 anos, compartilha sua experiência com a Educação de Jovens e Adultos (EJA), uma jornada marcada por grandes desafios, mas também por conquistas extraordinárias.

Inserida em um contexto rural do Paraná, Luiza estudou, quando adolescente, até a sexta série, o equivalente ao sétimo ano nos dias atuais. Com nove irmãos, ela relata que o costume, na roça, era estudar somente até a escolaridade que era oferecida nas escolas da zona rural. 

“Para ter a sexta série, fiquei dois anos morando na cidade, em Campo Mourão, para estudar.”

Luiza conta os desafios que enfrentou neste período.

Primeiro, mudou-se para a casa de uma tia, durante um ano, mas, para isso, precisou assumir as responsabilidades domésticas em troca dos estudos.

No ano seguinte, com as dificuldades financeiras da família, Luiza precisou começar a trabalhar. Na época, entre os 13 e 14 anos, ela deixou a casa da tia e foi trabalhar como babá de três crianças, sendo uma recém-nascida. 

“Morando longe da minha família, dentro da casa de pessoas estranhas, sendo a babá de três crianças, eu tive uma jornada muito exaustiva nesse período. Mas, mesmo com tudo isso, eu não teria desistido. Meu pai foi me buscar, dizendo que tinha comprado um sítio e que eu precisava ir para casa ajudar.”

Com lágrimas nos olhos, Luiza relembra a rotina de serviços no sítio, a imposição de seu pai e o lapso de 25 anos em sua educação.

Quando se casou, mudou-se para uma outra  fazenda, onde também não tinha acesso à educação. Ela relata que seu marido não a apoiava em suas ideias de voltar aos estudos.

Foi somente em 1987, quando ela e o marido se mudaram do Paraná para o Goiás, no município de Formosa, que ela viu a possibilidade de retornar à educação formal. Em 1998, Luiza retomou os estudos. Na época, a educação de jovens e adultos era conhecida como supletivo.

Com muito esforço e dedicação, Luiza realizou a prova, que atualmente é conhecida como Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), e, em 1999, ela conquistou o certificado de ensino médio. 

“O estudo realizou meu sonho. Para mim, o que as pessoas levariam 5 anos para conquistar, eu consegui avançar, até pela minha idade, em 2 anos. A EJA é para isso né, para estudar quem está fora da época, encolher o tempo. No ano que eu fiz o Encceja, eu também passei no vestibular de pedagogia na UEG (Universidade Estadual de Goiás). Em 2000, eu iniciei a faculdade.” 

Luiza cursou a faculdade de pedagogia e, em 2005, voltou ao campus como professora universitária do curso em que se formou.

Durante esse período, ela também trabalhou na área de educação no trânsito. Seu compromisso com a educação continuou além das salas de aula.

Em 2008, assumiu uma posição na Secretaria da Infância e Juventude em Formosa. Mais tarde, em 2010, foi aprovada no concurso do Centro de Atendimento Sócio Educativo (CASE), onde permanece até os dias atuais.

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