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Brasília

MPT de olho nas terceirizadas

Denúncias apontam que as empresas RCA e Servitium, que prestam serviços para a UnB, descumprem leis trabalhistas

Olavo David Neto

29/06/2021 7h23

Os imbróglios relativos aos prestadores de serviços continuam na Universidade de Brasília (UnB). Além de demissão em massa de funcionários do grupo de risco para a covid-19, empresas contratadas através da Fundação Universidade de Brasília (FUB) são acusadas de descumprimentos de acordos, convenções coletivas de trabalho (CCT) e até de leis federais. Agora, são três empresas contratadas pela instituição de ensino acusadas de desrespeito à legislação trabalhista, assédio moral e não pagamento de encargos aos funcionários – duas delas com contratos ainda em vigência.

A RCA Produtos e Serviços Ltda. assinou contrato com a UnB ainda em 15 de janeiro de 2016. Pelo acordo, a empresa de Santa Bárbara d’ Oeste, interior de São Paulo, tornou-se a responsável pela limpeza e conservação dos campi da instituição por mais de R$ 2,5 milhões mensais, num total de quase R$ 30 milhões ao ano. Renovado por quatro vezes, o documento segue em vigência, agora com validade até 15 de janeiro de 2022.

Sob a égide deste termo aditivo, a RCA recebeu cerca de dez notificações de gravidez no quadro de funcionários da empresa. Após a entrega da documentação que atestava a gestação, Paula* demorou cerca de dois meses para ser afastada do cargo, como garante a Lei 14.151, assinada em maio pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “Eu estava trabalhando normalmente, pegando peso e tudo”, denuncia a mulher ao Jornal de Brasília.“[Então] tive sangramento por dois dias seguidos Acredito que foi por causa de muito esforço que eu fiz na sexta-feira; tive de pegar um atestado”, relata.

Quando levou os laudos ao conhecimento das representantes da RCA, outro choque. “Falaram entre si que eu não ia ficar afastada, não. ‘Se afastar toda grávida vai ficar sem gente aqui, porque a maioria é mulher’”, conta Paula. De acordo com a denúncia, a supervisora da empresa comentou com outras funcionárias a respeito da situação da gestante. “Sem minha autorização e sem sequer eu ter conhecimento”, explica. A legislação ainda prevê que não é cabível redução ou corte salarial, além de apontar o teletrabalho como solução “durante a emergência de saúde pública”.

Paula sofreu reduções no contra-cheque. Como provam documentos enviados para a reportagem, o salário caiu de R$ 1.287,96 – conforme convenção coletiva de trabalho do Sindiserviços-DF – para cerca de R$ 800. Não bastasse o buraco na conta corrente, o Vale-Alimentação da gestante foi cortado e não é depositado há dois meses. “Eu fui à empresa e eles garantiram que eu seria afastada recebendo meu dinheiro, inclusive o ticket”, garante a auxiliar de serviços gerais.

A funcionária depende hoje da solidariedade dos irmãos de fé. “Um dia desses o pessoal da minha igreja trouxe uma cesta básica para mim. É inadmissível. Eu recebo ticket, e além de não recebê-lo eu tive um corte no salário”, revolta-se. “Por que eu não posso receber? Eu preciso desse dinheiro. Se não estivesse trabalhando, eu não teria feito compromisso”, finaliza a mulher. * Os nomes foram alterados a pedido das fontes

Empresas diferentes, mesmas práticas

A Servitium, de Olinda, Pernambuco, empresa que entrou logo após o fim do contrato da UnB com a Servite, do Rio Grande do Norte, parece também ter herdado as mesmas práticas trabalhistas que sua antcessora. Desde dezembro a empresa é responsável pela gestão do serviço prestado à instituição de ensino. São pouco mais de seis meses de contrato, e já há diversas manifestações contrárias. “Nossos benefícios não caem no dia certo. Eu e vários colegas estamos sem vale-transporte”, reclama Lídia*. O assunto é abordado na CCT aprovada em janeiro de 2021 pelo Sindiserviços-DF.

O parágrafo quinto da décima quarta cláusula indica que, caso não haja “concessão do vale-transporte em tempo hábil ao trabalhador e caso o trabalhador pague a passagem para que não falte ao trabalho, o ressarcimento deverá ser efetuado diretamente na conta-salário do trabalhador, nunca em depósito na conta do vale-transporte”. Ou seja: paga-se ao funcionário o que ele teve de tirar do próprio bolso para se deslocar ao local de trabalho. Na prática, isso não ocorre.

Lídia aponta que os atrasos são frequentes no pagamento do benefício. “Eles depositam para uma minoria, e a maioria fica sem”, relata. Como não há possibilidade de manejo ou reaproveitamento do valor do vale-transporte, os funcionários acabam por perder parte dos salários apenas para se deslocar aos campi onde prestam serviços. O principal ponto de tensão na relação entre Servitium e os agentes de portaria, entretanto, é o reajuste salarial. Na convenção já citada, de janeiro, estabeleceu-se aumento da ordem de R$ 55. Até agora, porém, a empresa não repassa o valor reajustado aos seus funcionários.

Empresa não fornece EPIs a funcionários

Os contracheques de Lídia comprovam a acusação. De dezembro – antes da CCT – a maio deste ano não houve qualquer aumento relativo à remuneração da funcionária. Sob anonimato, um especialista em regime trabalhista e previdenciário contactado pela reportagem atestou a obrigação do pagamento nos moldes propostos pelo CCT. “Tem que ajustar, sim, por apostilamento. O Estado revê o contrato num mecanismo chamado de repactuação”, comentou. Além disso, há descontos salariais por causa de um pagamento equivocado feito pela empresa, ainda em dezembro.

Lídia ainda aponta que outras questões são ignoradas pela Servitium. A distribuição de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) não é respeitada, e os agentes têm de arcar com a compra de máscaras e álcool em gel, por exemplo, para o exercício das funções. “Quando faz a troca de plantão, é preciso uma higienização, e a empresa não fornece nem isso”, denuncia Lídia. “Muitos já foram contaminados, e só sabemos quando eles voltam ao trabalho. Três colegas faleceram em função da covid; dois servidores concursados da central de segurança e um da vigilância”, aponta a agente.

Em julho de 2020, o Jornal de Brasília denunciou a demissão de 23 agentes de portaria enquadrados no grupo de risco para a covid-19 pela Servite. Em meio ao quarto mês de pandemia do novo coronavírus, os funcionários tiveram de sair de casa e ir até a universidade para assinatura do aviso prévio dado pela empresa. Representante dos empregados e membro da organização Central Sindical e Popular (CSP Conlutas), Francisco Targino protocolou denúncia no Ministério Público do Trabalho (MPT) em agosto contra a Servite Empreendimentos e Serviços.

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

Investigações em andamento

Em reunião com o MPT – agendada graças à denúncia de Targino – em 9 de setembro, uma espécie de acareação da história. As demissões foram revertidas, mas o representante da CSP trouxe outro assunto à baila: a falta de pagamento dos vales-alimentação desde o início da pandemia, em março de 2020. A Servite alegou que não pagou pois a CCT vigente à época vinculava o pagamento do benefício aos dias trabalhados. O MPT não acatou a argumentação por se tratar de um período excepcional, de crise sanitária, e deu 15 dias para comprovação das ações tomadas pela empresa.

Mesmo que tenha cumprido parte do que falou na reunião, a Servite voltou a demitir os funcionários do grupo de risco em novembro. Desta vez, sem volta. Ao fim do acordo com a UnB, no mesmo mês das demissões, os trabaxxlhadores não foram realocados na nova prestadora de serviço, espécie de boa prática entre empresas terceirizadas – e ação recomendada em CCTs da categoria. “Na mudança de empresa, que entrou essa nova, aí dispensaram todo mundo”, lamenta Lucas

Uma fonte no órgão confidenciou ao JBr. a recorrência da prática por parte de empresas terceirizadas, que fazem contratos inexequíveis e depois compensam em cima dos trabalhadores.” De forma oficial, o Ministério Público do Trabalho (MPT), através da Procuradoria do Trabalho da 10ª Região (PRT10) foi alertado em agosto e setembro, conforme mencionado anteriormente. A reportagem obteve acesso a dois documentos da autarquia.

O primeiro deles é a ata da reunião virtual ocorrida em 21 de junho deste ano. Nela, o preposto – espécie de encarregado da empresa junto à UnB – Ruanito Lima, acusado de assédio por vários dos funcionários entrevistados pelo Jornal de Brasília, defendeu a Servite das acusações no âmbito do Inquérito Civil 000969.2020.10.000-5, aberto em setembro de 2020. Segundo ele, a relação dos 278 agentes de portaria que ficariam sem emprego foi repassada à Servitium quando do fim do contrato. Lima também negou as demissões de agentes do grupo de risco. As investigações estão em andamento.

A outra documentação, também de 21 de junho, diz respeito à reitora Márcia Abraão. A procuradora do trabalho responsável pela averiguação, Paula Ávila e Silva Porto Nunes, requereu à gestora informações acerca das denúncias contra a Servite, com prazo até 1º de julho para respostas. Segundo servidores do órgão, são as últimas movimentações do processo, que tem algumas de suas documentações protegidas por sigilo judicial.

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