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Brasília

“Meus filhos são o que me motivam a estar aqui catando lixo todos os dias”

Poliana Teixeira, 35 anos, é mãe de dois filhos. Moradora da região de Santa Luzia, na Cidade Estrutural, ela trabalha em cooperativa para sustentar as crianças

Redação Jornal de Brasília

14/05/2023 9h04

Milena Dias e Nathália Maciel
Jornal de Brasília/Agência Ceub

Sorrisos e palavras de gratidão estão na rotina de Poliana Teixeira, de 35 anos, mãe de dois filhos. “Eu não tenho vergonha de falar assim: eu sou catadora. Porque é daqui que eu tiro o sustento pra levar pra casa, é daqui que eu tô ajudando o meio ambiente. Eu sou muito grata por causa disso”, emociona-se.

Ela é catadora da cooperativa de reciclagem Sonho de Liberdade, na Cidade Estrutural.

Moradora da região de Santa Luzia, considerada por ela a “favela da Estrutural”, Poliana, às vezes, come arroz com feijão e ovo. “Às vezes só arroz. Tem hora que tem biscoito. Tem hora que dá para fazer um cuscuz. Tem hora que não tem nada para comer.”

Mas a mulher sempre tem gratidão pelo pouco dinheiro que tem porque, para ela, seus filhos são uma das maiores riquezas do mundo. As outras riquezas são as amizades que fez na cooperativa. “É pouco dinheiro, mas a amizade vale mais”, diz.

Amizades verdadeiras

Os vínculos criados na cooperativa auxiliaram na cura da depressão e ansiedade da catadora, que já tomou três medicações por dia, na tentativa de recuperação. “A convivência com as meninas é o que tem me ajudado. A descontração, as amizades que têm aqui é o que ajuda a gente. Muito além da renda, você tem as parceiras”.

Nós, repórteres, conversávamos com Poliana enquanto ela almoçava, falando das amizades tão genuinamente. Pensávamos em como uma mulher que tem tão pouco pode ser tão generosa. Nessa hora, sua amiga chegou perto da gente com um pote de margarina vazio, e Poliana colocou metade do seu macarrão nele.

Quando a colega saiu, ela se dirigiu a nós: “Vocês viram aqui? Hoje eu trouxe minha comida e já vou dividir com ela, porque ela não tinha. A outra, às vezes, não tem uma carne, uma mistura. Aí uma divide com a outra.”

Naquele momento, ela também estava na fila para vender os potes de vidro que havia achado. “Esses vidros aí, eu vou vender agorinha. Tem quatro sacos, mas dependendo da quantidade, dá R$ 60 ou R$ 70. Aí já vou ali comprar um frango, já compro um leite e já deixo uns 10 reais para os meninos comprarem pão durante a semana.”

A felicidade dela é contagiante. Nem sempre ela tem materiais extras para vender. Na cooperativa Sonho de Liberdade, os cooperados dividem o lucro da produção ao final de 10 dias, mas, se acham materiais especiais, como vidro, metal, cobre e alumínio duro, podem vender e fazer uma renda extra.

Motivação

Além de dividir os lucros, os cooperadores  dividem entre si compressão, vontade de vencer e muito amor. No decorrer da conversa, Poliana foi questionada sobre a sua infância.

Ela, que saiu de Brasília com a família para o interior de Goiás, para um novo trabalho do pai, afirma que a sua infância foi muito boa.  

Nesse instante, a catadora cantou um trecho da música “Era uma Vez, de Kell Smith. Ela explicou que, quando era uma garota, queria crescer logo, e hoje quer voltar a ter o carinho e o aconchego de sua mãe que, segundo ela, teria muita dificuldade em viver sem. 

“É igual a música: ‘é que a gente quer crescer e quando cresce quer voltar’. Quando a gente é pequeno, diz que quer crescer logo e quando você cresce, você lembra da sua infância e você quer voltar para o aconchego da sua mãe, voltar a acordar e tomar o café da mãe, dormir no colo da mãe. Então, a pessoa tem que aproveitar enquanto é pequeno e tá ali no colo da mãe”. 

“Agora, é ao contrário. E eu que tenho que dar o colo. Agora, eu que tenho que aconchegar para criar memórias nos meus filhos”.

Fora de casa, nem pensar

Ela recorda que já teve outras oportunidades de empregos melhores, mas para isso teria que passar semanas fora ou dormir fora de casa com frequência.

 “Eu já arrumei emprego para dormir no serviço, passar uma semana e ganhar um salário melhor. Só que eu não vou deixar de viver com meus filhos pra ficar trabalhando de noite porque eu tenho que acompanhar a vida deles. Tenho que acompanhar o crescimento dos meu filhos. Então o que me motiva a levantar todo dia, estar aqui catando lixo, correndo atrás do tempo, são os meu filhos”. 

Essa conexão fez com que o filho mais velho sentisse o sofrimento da mãe quando ela passava por crises psicológicas.

Poliana disse que via como ele também sofria com isso e queria de alguma forma ajudar. Ela diz que, apesar de ter ficado sentida com isso, entende porque aconteceu. “ Na minha cabeça, mãe é tudo para os filhos. Meus filhos falam que eu sou tudo para eles”.

A motivação de cada dia difícil são os filhos, mas a mulher cheia de vida nos disse que sente orgulho em ser catadora, mesmo com tanta gente apontando.

Para ela, saber que está ajudando o meio ambiente com a reciclagem é um prazer. Segundo ela, reciclar é quase tão importante quanto a água para beber e o ar para respirar.

Consciência ambiental

Ela vê o trabalho como relevante para a sociedade. “Importante?! Eu não diria nem a palavra importante. Reciclar é o essencial pra vida da gente. Por que reciclar é essencial pra vida da gente? Pra mim, como catadora, ajuda no meu ganho, ajuda na minha renda. Só que a reciclagem não é só em torno do meu ganhar, é também a vivência daqui 10 anos, para as nossas futuras gerações”.  

“Você já imaginou se toda vez que a gente for precisar de mais vidro pra vender azeitona e ter que ir lá na natureza e retirar mais areia, toda vez que a gente for precisar de fazer uma porta a gente for lá na natureza tirar? Você já imaginou o quanto a gente está destruindo a natureza? Com a reciclagem a gente ajuda a destruir menos”.

Estudos

O desejo de chegar ao ensino superior não está de lado. Ela quer fazer a prova do Enem para a área ambiental ou assistência social. Está estudando usando o TikTok, Instagram e Youtube. De qualquer forma, ela quer usar seu conhecimento para ajudar seus colegas.

“Eu posso ajudar em muitas coisas para os catadores, o que eles têm direito. Aqui tem muita creche também que precisa de ajuda. Eu quero poder ajudar as crianças. Me sinto muito feliz aqui, mesmo sendo uma profissão que ainda é muito discriminada e pouco reconhecida.”

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