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Brasília

Mês da consciência negra:

Injúria racial e racismo, qual a diferença?

Redação Jornal de Brasília

11/11/2022 5h50

Foto: Carl de Souza/AFP

Elisa Costa
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Todo dia 20 de novembro é comemorado o Dia da Consciência Negra. Esse foi o dia da morte do líder Zumbi dos Palmares, que lutou contra a escravidão no Nordeste do país e se tornou um símbolo de luta e resistencia. Essa é uma data importante para a valorização e resgate do povo e da cultura negra, que destaca as contribuições para a sociedade e o combate às desigualdades. Contudo, apesar da batalha constante contra a discriminação, muitos ainda não sabem a diferença entre racismo e injúria racial, ambos categorizados como crimes pela nossa legislação.

A injúria racial é definida pelo Código Penal, no parágrafo 3º do artigo 140, como a conduta qualificada de ofender a dignidade de alguém, com base em elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência. Esse crime tem pena de reclusão de um a três anos e multa. Já o racismo, definido pela lei 7.716/89, puno todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor e idade. Por exemplo, é crime impedir o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da administração direta ou indireta ou de concessionárias de serviços públicos.

Também é crime de racismo negar emprego em empresa privada, bem como a não concessão de equipamentos necessários ao empregado, o impedimento à ascensão funcional do empregado ou o tratamento diferenciado no ambiente de trabalho. É crime recusar ou impedir o acesso a estabelecimentos comerciais, impedir ou recusar a inscrição de um aluno em centro de ensino público ou privado, impedir ou recusar hospedagem, atendimento em locais abertos ao público, acesso a estabelecimentos esportivos, salões e barbearias, edifícios públicos ou residenciais, acesso ao transporte público, serviços das Forças Armadas e casamentos.

Segundo a especialista da área do Direito, Hadassah Santana, professora do programa de mestrado em Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas, a diferença entre racismo e injúria racial está tanto na destinação da ofensa quanto em como esses crimes são tratados pelo Direito. “O crime de injúria racial vai estar ligado à dignidade de alguém, ele vai ofender a honra de uma pessoa. Às vezes, a gente vê no jogo de futebol alguém xingando ou ofendendo um jogador, esse crime é um crime de injúria racial”, explica.

No caso do racismo, a professora conta que esse está previsto na Constituição e é imprescritível e inafiançável, o que o difere do crime de injúria racial. “Você tenta entrar no estabelecimento, mas você é discriminado, por um preconceito com relação a sua raça, a sua cor, ou a sua procedência, você é de um país ou de outro. Isso estamos falando de racismo. Já a injúria racial se dá de modo a ofender a honra do indivíduo”, argumentou. Ao Jornal de Brasília, Hadassah pontuou que o crime de racismo também tem pena de reclusão, só que essa vai de um a cinco anos.

De acordo com a professora, o que difere é que a injúria racial se trata do indivíduo, e o racismo se trata da coletividade. “Existem algumas iniciativas, leis, projetos de leis para serem votados que tentam equiparar os dois crimes, mas por enquanto os dois crimes ainda são diferentes. Existe também uma iniciativa da sociedade para equiparar os dois, com relação a serem imprescritíveis e inafiançáveis”, concluiu.

Outra especialista consultada pelo Jornal de Brasília também explicou as diferenças. Bianca Borges é advogada e trabalha com Direito Civil e Direito de Família. À reportagem, Bianca define a injúria racial como o ato de usar palavras depreciativas com o objetivo de ofender. No caso do racismo, ela define como algo mais abrangente, porque consiste na discriminação de determinado grupo ou coletivo: “O racismo geralmente se refere à crimes mais amplos e tem uma legislação própria”. Segundo a advogada, nos crimes com pena de reclusão o cumprimento pode ser no regime fechado, semiaberto ou aberto, a depender de cada caso.

A dor de quem sente

Raphael de Macedo, brasiliense de 27 anos, é um dos milhares que já sofreram injúria racial e racismo, e mais um que luta por uma mudança na sociedade. Ao Jornal de Brasília, relembrou os tempos de criança e situações sensíveis que enfrentou. Ele contou que dentro da escola onde estudava era chamado de “tiziu” por um de seus professores e um outro aluno dizia que ele tinha “dedos de salsicha podre”.

Raphael ainda relatou sofrer uma “clássica situação” racista: quando um negro vai a um estabelecimento e começa a ser seguido pelos seguranças do local. “A gente perde a conta, sabe? É muito complicado, são diversas ocasiões, são pequenas agressões, são pequenas coisas que acontecem todos os dias”, comentou. O jovem, que trabalha como videomaker, explicou que nessas horas, não passa muita coisa pela sua cabeça, porque a situação só começa a ser processada um tempo depois.

Há alguns anos atrás, quando foi fazer uma entrevista de estágio, Raphael percebeu uma mudança de comportamento vinda da mulher que o entrevistava para a vaga, assim que ele adentrou a sala. O episódio nunca foi esquecido: “Ela mudou a atitude dela comigo em relação ao outro menino que estava lá, e na hora, eu soube que eu não ia conseguir. Quando fui parar para pensar, pouco tempo depois, eu entendi o que era. Você se sente um lixo, você se sente péssimo”.

Raphael diz que as injúrias e o racismo que sofreu e ainda sofre o faz sentir como se não houvesse lugar no mundo a qual ele pertencesse, pois se sente deslocado, sem espaço. Apesar das dores e cicatrizes que a discriminação deixa, ele não tomou nenhuma providência com relação aos casos. “Em uma única situação eu acabei discutindo com a pessoa, falando na frente de todo mundo, mas não houve repercussão legal”, pontuou. Para o brasiliense, falta responsabilidade, consciência e endurecimento por parte da lei, além da necessidade de mais informação, discussões sérias e difusas para combater esses crimes. Ele acredita que é preciso ser feito um trabalho cultural, social e científico sobre os temas, porque “tem muito a ser mudado ainda”.

Como buscar justiça?

Para buscar justiça nesses casos, a professora Hadassah Santana alerta para os vários canais de denúncia os quais a vítima pode procurar: “Existem delegacias especializadas nisso, mas a pessoa pode fazer o boletim de ocorrência em qualquer uma, ou até mesmo de forma online. A pessoa também pode ligar no 190”. Segundo a educadora, o importante é que a sociedade não deixe esses crimes passarem despercebidos: “É importante denunciar, é importante ligar”.

Já a advogada Bianca Borges ressaltou que após o registro do boletim, é possível ajuizar duas opções diferentes: uma ação criminal, para que o agressor seja condenado nas penas mencionadas anteriormente e uma ação cível, buscando a reparação pelos danos morais sofridos. “Os dois processos podem ser ajuizados ao mesmo tempo, não sendo necessário aguardar a condenação criminal para viabilizar a ação por danos morais”, finalizou.

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