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Brasília

Manicure no DF tem história de superação

De domingo a domingo. O momento de tomar seu café é indispensável, ela senta no cantinho que criou para isso e aproveita para agendar as clientes do dia

Agência UniCeub

23/03/2021 7h10

Emily Veras
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

Entre alicates, esmaltes e algodão, a varanda de casa coberta de Elisangela Maria Alves da Costa tornou-se um novo mundo para a manicure. De lá, ela lembra os caminhos de vida. Saiu de Formosa do Rio Preto (BA), onde nasceu e cresceu, um município com 25.311 habitantes. Localizado a 1.012 quilômetros de Salvador (BA).Veio para Brasília em 1995,  aos 17 anos de idade. Sua intenção era encontrar a irmã, que migrou para ‘’a cidade grande’’. As duas estavam à procura de uma vida melhor.

Antes, havia trabalhado na roça, plantando e colhendo na lavoura e cuidou dos irmãos mais novos .’’A vida era difícil lá e como minha irmã estava em Brasília,decidi começar a vida aqui’’,comentou.

As expectativas de encontrar um bom emprego e conquistar a casa própria não se concretizaram. Elisangela acredita que por ter se tornado mãe aos 21 anos,teve que deixar seus sonhos de terminar os estudos,prestar um concurso ou encontrar um emprego com bom retorno financeiro de lado. Hoje em dia, ela voltaria para a cidade natal sem pensar duas vezes.”Iria recomeçar. Meus filhos teriam uma infância mais livre e segura no interior’’, ressaltou.

Foi quando ela não conseguiu ingressar no ensino médio, que a realidade fez com que ela procurasse emprego como babá. As propostas incluíam morar na casa da família que a contratou. Foi como babá de criança que ela aprendeu o novo ofício: manicure.Exercia a nova função aos finais de semana.Quando ia para casa que dividia com algumas colegas de profissão. Vinte e cinco anos depois, a manicure atende na varanda de casa em Sobradinho.

Já instalada na capital federal, usou a experiência que adquiriu em casa e se tornou babá. Foram 5 anos sacrificando o tempo com o primogênito dela, Vinícius, para conseguir o sustento da família.’’Não era meu objetivo casar com o pai dele,meu filho mais velho.Então decidi que todas as funções seriam minhas’’. Ela conta que o filho,que hoje possui 20 anos,durante a semana,ficava sob os cuidado de colegas,um grupos de babás e domésticas com quem eles dividiam a casa. Aos finais de semana,os dois passavam o tempo inteiro juntos.

Ela se tornou órfã muito nova. Aos 19 anos, perdeu sua única tia e ficou sozinha no Rio de Janeiro. Não sabia da possibilidade de reescrever a sua história. É possível enxergar a personagem da ficção na manicure. Não só pelo sotaque  nordestino ou por que morava com colegas que tiveram papel importante suas vidas, mas pela busca por servir. O maior prazer de Macabéa era ouvir o rádio relógio emprestado de uma delas.  Para Elisângela, o trabalho como manicure teve  as colegas como ‘’cobaias’’.Elisangela diz que escolheu ser feliz.

‘’Para ela não tem tempo ruim. Ela nunca fez a minha unha sem estar com sorriso no rosto’’,diz  Sonia Da Silva,fiel cliente da manicure.

Depois do sofrer

Elisangela me recebe em na varanda de sua casa em Sobradinho 2, o local de trabalho.Uma moradia simples,muito decorada e com apenas quatro cômodos, sendo apenas um deles o quarto,onde dormem ela,o marido e os dois filhos do casal: Kathry Marry, de 9 anos, e Saulo Pierre,de 14 anos. Vinícius, o filho dela, mora sozinho. Ela fala comigo durante o intervalo que tira entre as unhas de suas clientes e O cuidado com a casa e filhos.”Passei por alguns sofrimentos. Nunca passei fome,mas o dinheiro aqui é bem contado. Ouvi humilhações da minha sogra por morar em uma parte do seu lote e por ela não concordar com a criação que dou para meus filhos, mas a minha vida nunca foi e nunca será sofrida’,diz.

Entre as dores de cabeça da vida, ela teve um trauma quando, em meados de 2004, a irmã mais velha, que ela pediu para não identifica) ,viajou para Formosa do Rio Preto e levou filho de Elisangela para conhecer a família materna. Porém, sem qualquer aviso, voltou sem a criança. O garoto ficou com os avós. Esse fato fez com que Elisangela desistisse do trabalho como babá. Foi buscar o filho.

O fato marcante do filho não voltar foi decisivo. O, até então,namorado, que não era o pai da criança, foi quem deu dinheiro para que mãe e filho pudessem se reencontrar meses depois.’’Depois disso, não tinha como negar o pedido de casamento e também,nunca mais tive interesse em trabalhar tanto tempo fora de casa’’, disse emocionada.

Seu marido,Antônio,nos contou que também criou suas irmãs como um pai e que quando soube do ocorrido, se sentiu muito tocado. ‘’ Eu acredito que a pior dor do mundo é ficar longe de um filho,quando descobri,fiz questão de fazer o máximo possível,trabalhei muito para que ele voltasse para a mãe logo’’, disse ele enquanto admirava uma foto da família.

Hoje em dia, trabalhando como manicure, mesmo trabalhando até 12 horas por dia, Elisângela tem mais tempo com a família. A rotina começa cedo. Às 6 horas de manhã já levanta para preparar café da manhã para os filhos e cuidar da casa. De domingo a domingo. O momento de tomar seu café é indispensável, ela senta no cantinho que criou para isso e aproveita para agendar as clientes do dia.

Elisangela Maria poderia ser descrita como uma nova versão de Macabéa.Uma versão atualizada.Com acesso a informação e por isso consciente dos seus direitos.Ao contrário da personagem de Clarice Lispector que aparentava conhecer apenas seus deveres. A representação dos 58 mil nordestinos que residem em Brasília*.O exemplo de força,otimismo e resiliência.

*Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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