Menu
Brasília

Instituto ajuda mulheres contra a violência em Samambaia Sul

O instituto nasceu após uma caminhada contra o feminicídio em maio de 2019

Vítor Mendonça

07/03/2024 5h00

Vítor Mendonça

Na quadra 507 de Samambaia Sul, mulheres vítimas de violência encontram auxílio e direção para saírem do ciclo de agressões de companheiros. No portão da casa de Lúcia Erineta, 55 anos, um cartaz indica: “Feminicídio Não”. Desde 2019, ela se opõe ativamente contra todo tipo de hostilidade contra mulheres, conscientizando sobre o respeito e a preservação da vida.

A moradora da cidade criou o Instituto Mulheres Feminicídio Não (IMFN), que já ajudou milhares de mulheres no Distrito Federal ao longo dos cinco anos da organização. Na última quarta-feira (6), em parceria com a empresa RCS Engenharia, ela e a equipe distribuíram 100 cestas básicas a mulheres vítimas de violência cadastradas na ONG.

O instituto nasceu após uma caminhada contra o feminicídio em maio de 2019, quando Débora Tereza Correa, 43, funcionária da Secretaria de Educação, foi morta pelo marido no local de trabalho. O policial civil invadiu o prédio do órgão na quadra 511 Norte e atirou contra a servidora, que morreu no local. O agente Sérgio Murilo dos Santos, 51, se suicidou após o feminicídio.

Na época, mais de 300 mulheres caminharam no Setor Comercial Norte em protesto. “Eu trabalhava como educadora em uma escola em Taguatinga e quando cheguei em casa, vi a notícia do feminicídio dentro da Secretaria. Aí eu convoquei as professoras, os alunos e o movimento foi crescendo para participar dessa caminhada que eu estava anunciando”, destacou.

“De lá para cá já fizemos várias caminhadas contra o feminicídio aqui no DF em várias cidades satélites. Toda vez que perdemos uma mulher, vamos para a rua fazer essa caminhada”, disse. A marcha tem o objetivo de incentivar as mulheres a denunciarem e reprimir futuras agressões, conscientizando homens a tomarem parte no combate ao feminicídio e à violência contra a mulher.

Superação e inspiração

Por duas vezes, Lúcia quase foi mais uma vítima de feminicídio. Em dois relacionamentos amorosos que teve, os companheiros a agrediram física e psicologicamente, ameaçando-a constantemente. O primeiro deles aconteceu antes mesmo da criação da Lei Maria da Penha (nº 11.340) em 2006, há mais de 35 anos. Ainda jovem, por volta dos 20 anos, sofria agressões constantes com socos e asfixias dentro de casa – um casebre de madeira em Samambaia Sul.

Na pele, há marcas de faca nas mãos tentando aparar os ataques e cicatrizes de dois tiros que o algoz disparou contra ela – uma no pulso e outra no braço. Parte da audição foi perdida em razão dos socos dados nas orelhas. “Não gosto de lembrar”, disse, emocionada.

“Tem dias no ano que relembro e choro. Não estou completamente curada. Sei que sou forte, mas não sou de ferro”, comentou. “Por esse motivo eu levantei a bandeira contra o feminicídio, porque eu passei pelo vale da morte não uma ou duas vezes, mas várias.”

Ações

Um dos braços do instituto é o trabalho social, com ações auxiliando idosas, crianças e adolescentes. Já foram feitos cursos de crochê de dedo, artesanato para os adolescentes, entre outros. Durante a pandemia, Lúcia e a equipe distribuíram marmitas e galinhadas nos hospitais e em áreas de vulnerabilidade na cidade. Os trabalhos de doação são motivados pelo impacto positivo que vê no curso das ações sociais.

“Eu choro muito quando algumas mulheres entram no meu privado e me perguntam se eu posso ajudar porque elas não têm nada para dar para os filhos delas. Isso me machuca porque eu já passei por isso também. Deixava minhas três filhas sozinhas em casa [no casebre de madeira] para lavar roupa para outras pessoas. Aqui era tudo terra na época. Já ralei muito”, relembrou.

Conforme relatou, Lúcia sente que está indo aonde o estado não alcança, onde não consegue ajudar ou dar maior atenção. “Nosso trabalho é de formiguinha, de pele a pele, encontrando as mulheres, entrando na casa delas. Nós vamos em enterros também quando há casos de feminicídio, ajudando em todo o processo do velório também”, disse.

Emocionada, ela destaca que palavras como “gratidão” e “realização” são poucas para expressar como se sente ao fazer o trabalho que realiza dentro do instituto. “E eu queria fazer mais, muito mais”, disse. “Tem muitas mulheres que não consigo atender por falta de estrutura”, continuou. “É essa minha vida.”

Atenção aos sinais

Às mulheres, a presidente do instituto ressalta a importância de prestar atenção aos sinais que os companheiros dão, que indicam possível perfil de agressividade, como exigências para não usar determinadas roupas, batons, entre outros acessórios. “Esses tipos de pedido que eles fazem já são um tipo de violência. Pouco depois, pode ser que comecem a bater até chegar ao ponto de um feminicídio”, alertou.

“É preciso ficar atenta ao que o homem está fazendo com ela. Não é ciúmes bonitinho, mas sim sinais de que ele pode ser um agressor e pode tornar a vida dela um inferno. É preciso cortar isso, dizer não – nunca satisfazer um homem dessa forma”, destacou. “Isso é um tipo de violência.”

Ela recomenda a busca por ajuda junto a institutos similares ao IMFN, para que as mulheres consigam encontrar apoio e força, determinadas a acabar com o ciclo de violência em qualquer tipo de relacionamento, seja dentro de casa ou ainda na fase do namoro.

Segundo ela, o medo de ficar sem lugar para ir, como cuidar e sustentar os filhos ou como sobreviver fora de uma situação de agressão não deve paralizá-las, porque existe vida após a violência e fora dos relacionamentos tóxicos. Lúcia se coloca como uma prova disso.

“Ninguém merece ser humilhada, espancada e subjugada debaixo do braço de um homem. Ela tem a sua liberdade de sair disso o mais cedo possível e dizer não para o ciclo da violência. Estamos aqui para ajudar nisso”, finalizou.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado